sábado, 28 de julho de 2012
M.Madalena e a Samaritana
O que Maria Madalena e a samaritana ensinam à Igreja
A mulher samaritana é a primeira a reconhecer Jesus como o Messias. Maria Madalena é a primeira a reconhecer o Cristo ressuscitado. Isso não é pouca coisa.
O comentário é de Jamie L. Manson, mestre em teologia católica e ética sexual pela Yale Divinity School, em artigo publicado no sítio do jornal National Catholic Reporter, 24-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Comunidades em todos os Estados Unidos ofereceram liturgias especiais no último fim de semana para homenagear Maria Madalena, cuja festa foi no domingo. Uma comunidade em San Diego me convidou para pregar em sua celebração à "Apóstola dos Apóstolos". Em vez de escolher uma narrativa do Evangelho sobre Maria Madalena, eles optaram pela história da mulher samaritana do capítulo 4 do Evangelho de João.
Olhando para esse texto e comparando-o à história de Maria Madalena, eu fiquei impressionada com os paralelos que eu encontrei entre essas mulheres. Aqueles que já ouviram falar de Maria Madalena e da mulher samaritana, ou "da mulher no poço", como ela também é conhecida, com toda a probabilidade já tiveram a impressão de que essas duas mulheres foram resgatadas por Jesus de suas vidas sexualmente imorais.
Na verdade, alguns dos melhores biblistas, muitos deles homens, propuseram que os "cinco maridos" da mulher samaritana e "o homem que ela tem agora" podem ser apenas um símbolo dos seis deuses (além de Javé), que os samaritanos eram acusados de adorar. O grande estudioso Raymond Brown indica que a palavra hebraica para "marido" também era usada para divindades pagãs naqueles dias. No tempo de Jesus, os samaritanos eram considerados impuros, tanto que apenas o fato de entrar na Samaria era considerado contaminador. Que Jesus não só fosse para aquela terra, mas também falasse com uma mulher de lá era impensável.
Alguns estudiosos acreditam que João, o evangelista, um dos grandes simbologistas das escrituras, pode estar usando o personagem da mulher samaritana como um símbolo para os samaritanos. Essa interpretação faz sentido, porque Jesus nunca julga a mulher samaritana ou lhe diz explicitamente para se afastar do pecado, nem a perdoa por qualquer comportamento ilícito. Tudo o que ele faz é revelar a ela a sua verdadeira natureza, sabendo que no fim ela irá reconhecê-lo.
Maria Madalena é outra mulher do Evangelho de João que é famosa por reconhecer Jesus. Tem sido difícil, no entanto, compreender a sua história verdadeira, já que todos, desde o Papa Gregório, no século VI, até Tim Rice e Andrew Lloyd Webber nos anos 1970 fizeram com que acreditássemos que ela era uma adúltera e uma pecadora arrependida.
Maria de Magdala é talvez a figura mais deturpada de toda a tradição cristã. Desde o século IV, as histórias, os vitrais e as pinturas têm a retratado como uma prostituta e pecadora pública, que, depois de encontrar Jesus, passou o resto de sua vida em oração e penitência privadas. Essa interpretação não tem fundamentos nas Escrituras. João a descreve como a principal testemunha dos eventos mais centrais da fé cristã. Ela é a primeira a descobrir o túmulo vazio. O Cristo ressuscitado a escolhe para anunciar a boa notícia da sua ressurreição aos outros discípulos, o que levou alguns Padres da Igreja primitiva a declará-la "a Apóstola dos Apóstolos".
O fato de a mensagem da ressurreição ter sido confiada em primeiro lugar a mulheres é uma forte prova de que a ressurreição realmente aconteceu. Se os relatos da ressurreição de Jesus fossem mentiras ou fabricações, uma mulher nunca teria sido escolhida como testemunha, já que a lei judaica não reconhecia o testemunho das mulheres.
A mulher samaritana é a primeira a reconhecer Jesus como o Messias. Maria Madalena é a primeira a reconhecer o Cristo ressuscitado. Isso não é pouca coisa no Evangelho de João, em que há três tipos de pessoas. Há aqueles que se agitam em torno da história do Evangelho sabendo que Jesus é especial, mas que não têm bem certeza por quê. Os discípulos homens seria um exemplo perfeito. Depois, há aqueles que sabem que Jesus é o Messias e estão dispostos a matá-lo por causa disso. E, por último, há um pequeno grupo de discípulos que, depois de um profundo envolvimento com Jesus, reconhecem-no como o Messias e confessam isso publicamente.
A mulher samaritana é a primeira discípula a reconhecer Jesus como o Messias prometido, e o seu testemunho lhe traz muitos seguidores na Samaria. Maria Madalena é a primeira discípula a testemunhar Jesus ressuscitado e a proclamar a ressurreição aos discípulos homens. Elas não foram simplesmente as primeiras mulheres a reconhecer Jesus. Elas foram as primeiras “discípulas” a reconhecê-lo. Não é preciso ler o Evangelho de João através de uma lente feminista para ver exatamente como essas histórias devem ter sido escandalosas para uma audiência do século I.
É irônico e trágico que a proeminência de Maria Madalena e da mulher samaritana na história de Jesus tenha forçado os homens "fazedores de tradição" a transformá-las, cada uma, em tipo diferente de mulher escandalosa. Ao invés de honrar seu discipulado modelo, elas foram sexualizadas e transformadas mulheres fracas e pecadoras, necessitadas de redenção.
Mas me chama a atenção que muitas pessoas da Igreja institucional continuam fazendo o mesmo hoje com as mulheres e as pessoas LGBT. Ao invés de celebrar os dons extraordinários que as mulheres trouxeram para a Igreja ao longo dos tempos, nos é dito que a anatomia feminina cria um obstáculo intransponível que impede que Deus chame uma mulher ao sacerdócio.
Muitos santos, padres, religiosas, teólogos, ativistas da justiça social e ministros LGBT trouxeram e continuam trazendo inúmeras bênçãos para a Igreja. A maioria deles, no entanto, optaram por permanecer no armário, porque a hierarquia tem insistido que os desejos dos seus corpos, emoções e espíritos são intrinsecamente desordenados. Se eles saíssem, a Igreja institucional deixaria de celebrar os dons que eles oferecem à Igreja.
Ao invés de olhar honestamente para as inúmeras formas pelas quais as mulheres e as pessoas LGBT trazem a vida de Deus de forma mais plena à nossa Igreja e ao nosso mundo, a Igreja institucional nos reduz à nossa sexualidade e depois torna a nossa sexualidade a razão pela qual não podemos ser o "povo escolhido".
Em um momento em que a hierarquia católica romana está fixada sobre a definição de quem são as pessoas privilegiadas na Igreja (como os homens celibatários e os casais heterossexuais) e quem não tem o direito de compartilhar sacramentos como a ordenação e o casamento, as narrativas do Evangelho oferecem um crucial corretivo. Na história da mulher samaritana, por exemplo, Jesus desafia abertamente e escancara duas fronteiras: a fronteira entre o "povo escolhido" e o "povo rejeitado", e a fronteira entre masculino e feminino.
Ao ouvir as histórias do Evangelho, a Igreja primitiva entendeu o quão subversivas eram as palavras de Jesus e o quão escandalosa era a sua obra. Eles ouviam em narrativas após narrativas do Evangelho sobre discípulos improváveis, pessoas como Maria Madalena e a mulher samaritana, que viviam às margens da sociedade e que se tornaram modelos de fé.
A Igreja institucional parece estar trabalhando em hora extra para colocar barreiras para impedir que o povo de Deus participe da Igreja. As margens da Igreja parecem estar se estendendo a cada dia. É fácil se desesperar com toda essa exclusão. Nesses momentos, é útil lembrar as histórias dos Evangelhos. Jesus constantemente enfrentou rígidos líderes religiosos que estavam tão preocupados em manter a pureza e a ortodoxia que ou não podiam ver ou se recusavam a ver a encarnação de Deus bem no meio deles.
Enquanto os 12 discípulos permaneciam confusos sobre a identidade de Jesus e os líderes religiosos estavam ocupados tentando combatê-lo, foram os marginalizados que o reconheceram e ajudaram a trazer a vida de Deus mais plenamente para o mundo. Maria Madalena e a mulher samaritana são dois dos melhores exemplos desse paradoxo evangélico
quarta-feira, 25 de julho de 2012
Fabricas de armas, Hollywood
Denver, o massacre funcional para o poder
“Como expressão última da sociedade burguesa, os EUA são também o lugar onde a alienação dos indivíduos atinge níveis sem paralelo em escala universal”, escreve o cientista político argentino Atilio Boron, em artigo publicado no jornal Página/12, 24-07-2012.
Atilio Boron é diretor do PLED, Programa Latino-americano de Educação a Distância em Ciências Sociais. A tradução é do sítio Vermelhos.
Eis o artigo.
O massacre que aconteceu num teatro de um subúrbio de Denver desencadeou, como tantas vezes após a ocorrência de atrocidades semelhantes, o previsível coro de lamentos que por sua vez se perguntava por que aparecem regularmente nos Estados Unidos monstros capazes de cometer crimes como os do tétrico êmulo do Joker.
De fato, uma análise que ponha de lado a habitual complacência com as coisas do império não poderia deixar de notar uma causa de fundo: como expressão última da sociedade burguesa, os EUA são também o lugar onde a alienação dos indivíduos atinge níveis sem paralelo em escala universal. Não deveria surpreender ninguém que comportamentos como o do jovem James E. Holmes - quantos assassinatos indiscriminados ocorreram nos últimos anos? - aflorem periodicamente para espalhar a dor na população norte-americana.
Uma sociedade alienada e alienante, que gera milhões de toxicodependentes (sem que exista qualquer programa do governo federal para prevenir e lutar contra o vício), milhões de "vigilantes" dispostos a impor a lei e a ordem por conta própria perseguindo pessoas pela cor da sua pele ou traços faciais; e outros milhões que, assim como Holmes, podem comprar em qualquer loja de armas uma espingarda de assalto, pistolas, revólveres, granadas, bombas de fumo e todos os apetrechos da parafernália militarista e, além disso, obter licenças para usar legalmente todo esse mortífero arsenal.
A recorrência deste tipo de massacres evoca um problema estrutural, o que é cuidadosamente evitado nas explicações convencionais que, invariavelmente, falam de um ser perdido, de um louco, mas nunca questionam as causas estruturais que nessa sociedade produzem loucos em série. Uma sociedade que se apresenta com características paradisíacas, como a terra prometida, como o país onde qualquer pessoa pode ter sucesso e ganhar dinheiro em abundância, poder e prestígio, com tudo o que esses atributos trazem como benefícios colaterais e que, na verdade, são metas apenas acessíveis, na melhor das hipóteses, a 5% da população. Os restantes, submetidos a um bombardeio de publicidade incessante e constante, mastiga a sua impotência e frustração. Ocasionalmente, alguns pensam que a solução é sair e matar pessoas a sangue frio e de forma indiscriminada; outros, mais inofensivos, decidem matar-se lentamente com drogas.
Mas, se a alienação generalizada da sociedade americana é a causa de fundo, outros fatores contribuem para produzir comportamentos aberrantes como o de Holmes. Primeiro, o grande negócio da venda de armas, protegido sob o pretexto de ser um direito garantido pela Constituição, e que na verdade é o complemento necessário para legitimar, em termos de sociedade civil, o "complexo industrial militar" que domina a vida econômica e política dos Estados Unidos, desde há pouco mais de meio século. Aqueles que fabricam armas devem vendê-las, seja ao governo dos EUA (e, portanto, devem fabricar guerra por todo o mundo, ou montar cenários tendentes a elas), quer para os indivíduos ameaçados pelo espectro da insegurança omnipresente. Vários analistas dizem que apenas nas regiões fronteiriças entre o México e os Estados Unidos existem 17.000 lojas de armas onde se pode comprar uma espingarda de assalto AK47 com a mesma facilidade com que se compra um hambúrguer, o que, além de ser uma grotesca aberração, traduz a coerência da política de governo que cobre tal absurdo.
Em segundo lugar, a indústria do entretenimento (Hollywood) permanentemente excita a imaginação de dezenas de milhões de americanos com um fluxo incessante de séries, vídeos e filmes onde a violência mais cruel, atroz e horrenda é exposta com rigor perverso. Antes também havia algo disto, mas agora sua proporção tem crescido exponencialmente e, em determinados dias e horas é quase impossível de se ver na televisão outra coisa que não seja a glorificação subliminar do sadismo em todos as formas que só uma imaginação muito doentia pode conceber.
A censura que existe - ora sutilmente, ora de forma completamente descarada - para dificultar ou impedir que se conheça o trabalho de cineastas ou documentaristas críticos do sistema ou que falem bem de países como Cuba, Venezuela - Michael Moore ou Oliver Stone, por exemplo - não existe na hora de preservar a saúde mental da população exposta ao vômito de atrocidades e crueldades produzidas por Hollywood. Por algo será. E esse "algo" é que tanto a venda descontrolada de armas de todos os tipos como a violência induzida de Hollywood são totalmente funcionais para o projeto de dominação da burguesia norte-americana.
Noam Chomsky tem mostrado ao longo de décadas como esta tem aperfeiçoado os mecanismos que lhe permitem dominar com terror, sabendo que do medo – o sentimento mais incontrolável dos homens – brota a submissão aos poderosos. Uma burguesia que incute o medo entre a população, fazendo com que todos saibam que ninguém está a salvo e que para proteger as suas vidas pobres e indefesas deve renunciar a mais e mais direitos, dando ao governo a capacidade de vigiar todas as áreas públicas, monitorizar os seus movimentos, interferir nas suas chamadas telefônicas, interceptar e-mails, controlar as suas finanças, saber o que compram, em que gastam o seu dinheiro, o que leem, com quem se reúnem e de falam quando o fazem. Um inimigo externo - agora o "terrorismo internacional", antes o "comunismo" - apresentado como onipotente e de uma crueldade sem limites é complementado internamente com a ameaça encarnada nos milhares de assassinos que se misturam com o resto da população, como Holmes, para cuja neutralização é necessário dar à polícia, ao FBI, à CIA e ao Departamento de Segurança Interna todos os poderes necessários.
O que Thomas Hobbes colocava em 1651 no seu Leviatã como uma metáfora heurística, impossível de encontrar na realidade, pelo seu extremismo: a transferência para os indivíduos faziam de quase todos os seus direitos para o soberano em troca de preservar a vida, acabou por se converter numa trágica realidade nos Estados Unidos de hoje.
terça-feira, 24 de julho de 2012
Mais preparados e sem trabalho...
Jovem sem trabalho e informado é estopim de distúrbios globais
O canadense Don Tapscott sempre foi um grande entusiasta da internet e das possibilidades de avanço que uma população conectada e acostumada com as novas tecnologias traria.
Mas agora ele se mostra temeroso com um mundo em que a privacidade quase não existe e em que a geração mais bem preparada que já tivemos está sem possibilidade de emprego nos chamados países ricos (Europa e EUA).
A entrevista é de Vaguinaldo Marinheiro, no jornal Folha de S. Paulo, 22-07-2012.
"Se não conseguirmos reverter e sse problema, viveremos uma época de grandes manifestações. Os eventos da década de 1960 parecerão coisas de criança", afirma.
Tapscott, autor de livros como "Wikinomics - Como a Colaboração em Massa Pode Mudar Seu Negócio" e "A Hora da Geração Digital - Como os Jovens Que Cresceram Utilizando a Internet Estão Mudando Tudo, das Empresas ao Governo", falou com a Folha após dar uma palestra no TED Global, evento sobre tecnologia e inovação que aconteceu no mês passado em Edimburgo, na Escócia.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
O tema deste TED é abertura, troca de informações, principalmente on-line. Como fica a questão da privacidade?
Quando falamos em informação livre, em transparência, falamos de governos, de empresas, não do ser humano comum.
As pessoas não têm obrigação de expor seus dados, seus gostos. Ao contrário, elas têm a obrigação de manter a privacidade. Porque a garantia da privacidade é um dos pilares de nossa sociedade.
Mas vivemos num mundo em que as informações pessoais circulam, e essas informações formam um ser virtual. Muitas vezes, esse ser virtual tem mais dados sobre você do que você mesmo.
Exemplo: você pode não lembrar o que comprou há um ano, o que comeu ou que filme viu há um ano. Mas a empresa de cartão de crédito sabe, o Facebook pode saber.
Muitas pessoas defendem toda essa abertura, mas isso pode ser muito perigoso por uma série de razões. Há muitos agentes do mal por aí, pessoas que podem coletar informações a seu respeito para prejudicá-lo.
Muitas vezes somos nós que oferecemos essa informação. Por exemplo, 20% dos adolescentes nos Estados Unidos enviam para as namoradas ou namorados fotos em que aparecem nus.
Quando uma menina de 14 anos faz isso, ela não tem ideia de onde vai parar essa imagem. O namorado pode estar mal-intencionado ou ser ingênuo e compartilhar a foto.
E as informações que não fornecemos, mas que coletam sobre nós por meio da visita a websites ou pelo consumo?
Há dois grandes problemas. Um é o que chamo de Big Brother 2.0, que é diferente daquela ideia de ser filmado o tempo todo por um governo. Esse Big Brother 2.0 é a coleta sistemática de informações feita pelos governos.
O segundo problema é o "little brother" -as empresas que também coletam informações a nosso respeito por razões econômicas, para definir nosso perfil e nos bombardear com publicidade.
Muitas empresas, como o Facebook, querem é que a gente forneça mais e mais informações sobre nós mesmos porque isso tem valor.
Às vezes, isso pode até ser vantajoso. Se eu, de fato, estiver procurando um carro, seria ótimo receber publicidade de carros diretamente. Mas e se essas empresas tentarem manipulá-lo? Podem usar sofisticados instrumentos de psicologia para motivá-lo a fazer alguma coisa sobre a qual você nem estava pensando.
O que podemos fazer para evitar isso?
Precisamos de mais leis sobre como essas informações são usadas. É necessário ficar claro que os dados coletados serão usados apenas para um propósito específico e que esse conjunto de dados não pode ser vendido para outros sem a sua permissão.
O sr. sugere criar uma estratégia pessoal para manter a privacidade. Como construí-la?
Na questão do consumo, não tenha esses cartões de fidelidade de lojas e supermercados, por exemplo, que definem um perfil de compras. Eu não tenho. Na internet, não permita os "cookies". Algumas pessoas falam que é impossível manter a privacidade. Digo que é. Isso é uma questão de escolha.
O sr. escreveu sobre a "net generation", pessoas que nasceram nessa era multiconectada e que estariam mais preparadas para o mundo atual do que os mais velhos. Ao mesmo tempo, essa geração está sem emprego nos países ricos. Não é um contrassenso ter uma geração tão preparada e sem oportunidade?
Sim. Nós dissemos para as pessoas dessa geração: estudem, evitem problemas e vocês terão um futuro brilhante. Não foi o que aconteceu. Hoje temos a geração mais preparada de todos os tempos em busca de trabalho num mundo sem empregos.
Na Espanha, mais de 50% dos jovens estão desempregados. O problema é parecido em outros países.
Isso é uma fórmula para grandes distúrbios em escala global. Acredito que vamos ver isso. Há duas semanas, houve manifestações em Québec, no Canadá. Foram as maiores manifestações de jovens na história do país. Protestavam contra mensalidades do ensino superior. Mas há algo mais profundo. Os jovens não estão felizes com o mundo atual.
Qual será a consequência dessa geração sem emprego?
Será uma geração de radicais, de revolucionários se a gente não resolver esse problema. As demonstrações pelo mundo farão os acontecimentos dos anos 1960 parecerem coisas de criança.
O sr. parece bem pessimista...
Não. Sou até otimista. Acho que o futuro não é algo que se possa prever, mas algo que precisamos construir, alcançar. Acho que há muita coisa que podemos fazer para transformar o mundo em algo melhor.
segunda-feira, 23 de julho de 2012
Boff - Crise terminal
Crise terminal de nosso modo de viver?
"Há que reconhecer que estamos dentro de um círculo vicioso do qual não sabemos como sair. Devemos produzir para atender o consumo e criar postos de trabalho. Quanto mais consumimos, mais empobrecemos a natureza. Mas chegará o momento em que ela não aguentará mais. Por outro lado, se pararmos de consumir, fecham-se fábricas, cria-se desemprego, surge fome e miséria e estoura a convulsão social. Para onde vamos? Quem o saberá exatamente?", escreve Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor, em artigo publicado no Jornal do Brasil, 22-07-2012.
E citando Edgar Morin, Leonardo Boff conclui: "Cada pessoa constitui uma república, dizia Edgar Morin, de 30 bilhões de células que se põem de acordo para manter o equilíbrio do sistema-vida. Como não será possível uma sociedade humana que conta com apenas 7 bilhões de seres humanos não pode colocar-se de acordo para viver em paz com a Terra, com todos os povos e com o próprio coração?"
Eis o artigo.
Das muitas crises pelas quais a humanidade passou, essa, seguramente, possui uma singularidade. Ela pode significar o fim de nossa existência sobre este planeta ou um salto para um novo patamar de civilização, ecoamigável, justa, compassiva e fraterna. A grande maioria da humanidade e os tomadores de decisões dos povos não se conscientizaram ainda desta nova situação. A Rio+20 foi escandalosamente cega e muda. Não se tomaram decisões. Foram proteladas para 2015.
Não obstante esta atitude insana, alguns fatos estão produzindo um novo estado de consciência na Humanidade. Podem ocasionar mudanças radicais. Eis alguns deles.
O primeiro, é a consciência de que podemos nos auto-destruir. O fim do mundo humano não precisa ser mais obra divina, mas consequência de atos humanos. Hoje os países militaristas dispõem de uma máquina de morte com armas nucleares, químicas e biológicas, capazes de destruir, por 25 formas diferentes, toda a espécie humana. Podemos ser não só homicidas e ecocidas mas também biocidas e geocidas.
O segundo, é a descoberta da unidade Terra e Humanidade. É o legado que os astronautas nos deixaram. Eles testemunharam: a partir de suas naves espaciais se comprova que não há separação entre Terra e Humanidade. Formam uma única entidade. Nós somos a porção da Terra que sente, pensa, ama e cuida. Humanidade e Terra são interdependentes e indivisíveis. Posteriormente, os cientistas demonstraram que a Terra é um sistema biofísico que regula os climas, garante a fertilidade dos solos e rege as corrente marítimas. Chamaram-na de Gaia, a Pacha Mama dos andinos.
O terceiro, são as mudanças climáticas com seus eventos extremos, coisa que os céticos não podem negar. Parte delas pertence à geofísica da Terra, mas a outra, acelerada, é em grande parte, produzida pela atividade humana. A roda já está girando e não há como pará-la. Ao alcançar dois graus Celsius, o aquecimento será ainda admnistrável. Com a entrada do metano e do nitrato, o clima poderá acercar-se a quatro e a cinco graus Celsius. Isso tornará grande parte da vida conhecida no planeta impossível. Milhões de seres humanos correriam risco de desaparecer.
O quarto fato é o fim da matriz energética baseada nos produtos fósseis como o petróleo, o gás e o carvão. Temos consciência de que não podemos mais sustentar este tipo de civilização altamente energívora. Precisamos desenvolver fontes alternativas limpas, baseadas na água, no sol, no vento, nas marés e na biomassa. Mas todas juntas são insuficientes para sustentar o nosso tipo de civilização. Forçosamente devemos mudar nossas formas de produção e de locomoção.
O quinto fato é a a tragédia social que afeta grande parte da Humanidade. As três pessoas mais ricas do mundo possuem ativos superiores à toda riqueza de 48 países mais pobres onde vivem 600 milhões de pessoas; 257 pessoas sozinhas acumulam mais riqueza que 3 bilhões de pessoas o que equivale a 45% da humanidade. O resultado é que 1,2 bilhões de pessoas passam fome e outros tantos vivem na miséria; no Brasil, segundo M. Pochmann, mais ou menos 5 mil famílias possuem 46% da riqueza nacional. Que dizem esses dados senão expressar uma aterradora desumanidade?
Por fim, o sexto fato, é a consciência de que um outro mundo não é só possível mas necessário. Esta consciência ganhou expressão e visibilidade nos Fórums Sociais Mundiais e na Cúpula dos Povos como agora durante a Rio+20. A nova ordem nascerá a partir de baixo, da contribuição de todos os povos e culturas e marcará uma nova etapa da Humanidade e da própria Terra. Uma superdemocracia planetária deverá forçosamente surgir que englobará vida, Terra e Humanidade num único destino comum. Ou então vamos ao colapso total.
Há que reconhecer que estamos dentro de um círculo vicioso do qual não sabemos como sair. Devemos produzir para atender o consumo e criar postos de trabalho. Quanto mais consumimos, mais empobrecemos a natureza. Mas chegará o momento em que ela não aguentará mais. Por outro lado, se pararmos de consumir, fecham-se fábricas, cria-se desemprego, surge fome e miséria e estoura a convulsão social. Para onde vamos? Quem o saberá exatamente?
O certo é que assim como está, a sociedade mundial não poderá continuar. A prosseguir por este caminho, nos acercaremos do abismo. O ideal que se impõe é: como produzir o que necessitamos em harmonia com os limites e os ritmos da natureza, com sentido de distribuição equitativa entre todos e solidários para com nossos filhos e netos que virão. Uma saída possível seria passar do capital material para o capital humano e espiritual. Nele ganhariam centralidade o ganha-ganha, a solidariedade, o cuidado que levarão a outras formas de produção de consumo e de respeito aos limites.
Cada pessoa constitui uma república, dizia Edgar Morin, de 30 bilhões de células que se põem de acordo para manter o equilíbrio do sistema-vida. Como não será possível uma sociedade humana que conta com apenas 7 bilhões de seres humanos não pode colocar-se de acordo para viver em paz com a Terra, com todos os povos e com o próprio coração?
domingo, 22 de julho de 2012
Nunca renunciaremos ao sonho. Pedro Casaldaliga
“La Iglesia será una red de comunidades orantes, servidoras, proféticas, testigos de la Buena Nueva: una Buena Nueva de vida, de libertad, de comunión feliz. Una Buena Nueva de misericordia, de acogida, de perdón, de ternura, samaritana a la vera de todos los caminos de la Humanidad. Seguiremos haciendo que se viva en la práctica eclesial la advertencia de Jesús: «No será así entre vosotros» (Mt 21,26). Sea la autoridad servicio. El Vaticano dejará de ser Estado y el Papa no será más Jefe de Estado. La Curia habrá de ser profundamente reformada y las Iglesias locales cultivarán la inculturación del Evangelio y la ministerialidad compartida. La Iglesia se comprometerá, sin miedo, sin evasiones, en las grandes causas de la justicia y de la paz, de los derechos humanos y de la igualdad reconocida de todos los pueblos. Será profecía de anuncio, de denuncia, de consolación. La política vivida por todos los cristianos y cristianas será aquella «expresión más alta del amor fraterno» (Pío XI).
Nos negamos a renunciar a estos sueños aunque puedan parecer quimera. «Todavía cantamos, todavía soñamos». Nos atenemos a la palabra de Jesús: «Fuego he venido a traer a la Tierra; y qué puedo querer sino que arda» (Lc 12,49). Con humildad y coraje, en el seguimiento de Jesús, miraremos de vivir estos sueños en el cada día de nuestras vidas. Seguirá habiendo crisis y la Humanidad, con sus religiones y sus iglesias, seguirá siendo santa y pecadora. Pero no faltarán las campañas universales de solidaridad, los Foros Sociales, las Vías Campesinas, los Movimientos populares, las conquistas de los Sin Tierra, los pactos ecológicos, los caminos alternativos de Nuestra América, las Comunidades Eclesiales de Base, los procesos de reconciliación entre el Shalom y el Salam, las victorias indígenas y afro y, en todo caso, una vez más y siempre «yo me atengo a lo dicho: la Esperanza».”
Así nos dice don Pedro Casaldáliga.
quarta-feira, 18 de julho de 2012
D.Eugenio. Artigo de Raimundo Caramuru de Barros
As linhas de força que marcaram a trajetória do Cardeal Eugênio de Araújo Sales podem ser adequadamente ressaltadas na sua coerência quando contextualizadas em dois períodos-chave: nas suas origens na arquidiocese de Natal – RN e nos seus desdobramentos em Salvador e no Rio de Janeiro.
1. Suas origens em Natal
O cardeal nasceu em uma família profundamente religiosa graças à forte influência de sua mãe. Não é de admirar que esta família, além de um cardeal, tenha outorgado à Igreja também um bispo, ou mais especificamente, Dom Heitor de Araújo Sales, atual arcebispo emérito de Natal.
Para situar a cidade de Natal no tempo e no espaço é preciso levar em conta a decisão de Getúlio Vargas em levar o Brasil a entrar na II Guerra Mundial ao lado da coligação denominada de Forças Aliadas e integrada pela Inglaterra e pelos Estados Unidos. A participação brasileira neste conflito bélico teve uma influência preponderante na estratégia adotada pelas Forças Aliadas para enfrentar o inimigo comum: as Forças do Eixo (Berlim – Roma – Tóquio), constituídas pela Alemanha, Itália e Japão.
As Forças Aliadas, em virtude da entrada do Brasil na sua coligação, optaram por enfrentar a Alemanha e a Itália deslocando o seu aparato bélico através do corredor: Estados Unidos, Brasil (Natal), Norte do Continente Africano, Sicília e Itália. O Brasil desempenhava principalmente o papel de trampolim para ocupar o norte do continente africano cobrindo a rota Natal – Dakar (noroeste da África). Aliás, essa estratégia conferiu a Natal o epíteto de “Trampolim da Vitória”.
Para levar a cabo essa estratégia, as Forças Aliadas, implantaram nos arredores de Natal - mais precisamente em uma área denominada Parnamirim - uma base aérea com cerca de dezoito pistas de pouso. Flotilhas de aviões decolavam regularmente durante as 24 horas do dia do território dos Estados Unidos com destino a Natal, onde eram abastecidos para atravessar o Atlântico em voo direto até Dakar no Noroeste africano.
Natal no início da década de 1940 era uma cidade pacata com uma população de cerca de 10.000 habitantes. Em cinco anos, ao término da II Guerra Mundial, passou a abrigar um contingente demográfico de cerca de 90.000. Neste período a arquidiocese de Natal tinha como bispo Dom Marcolino Esmeraldo de Souza Dantas.
Por causa de uma catarata que não quis operar, este prelado foi sendo privado pouco a pouco de sua capacidade visual, o que lhe impedia de acompanhar presencialmente o andamento da (arqui) diocese, máxime no momento crítico em que esta estava sendo abalada pelos impactos decorrentes da guerra. Para superar suas limitações Dom Marcolino valeu-se, entre outros expedientes, dos serviços do jovem sacerdote Eugênio Sales - então capelão da Polícia - que passou a despachar com ele regularmente, a fim de colocá-lo a par dos assuntos arquidiocesanos.
Desta maneira, este jovem sacerdote foi sendo iniciado na sistemática de governo de uma circunscrição eclesiástica. Devido à presença dominante de forças militares em Natal, em virtude da base aérea, padre Eugênio precisou também acostumar-se a dialogar com os militares, a fim de informar adequadamente o seu Prelado sobre estas transformações pelas quais passava a capital potiguar.
Com o término da Guerra e com a desativação progressiva de boa parte da base aérea, surgiu um desafio de grandes proporções em virtude do desemprego de parcela significativa dos trabalhadores que tinham acorrido para Natal, a fim de atender às necessidades criadas quando as bases exigiam um contingente bem superior de mão de obra.
Nessas circunstâncias padre Eugênio, recorrendo às assistentes sociais formadas pela Escola de Serviço Social mantida pela arquidiocese, buscou novos caminhos para aproveitamento desta mão de obra desempregada, mas disponível. Desta maneira surgiu um programa social que serviu de base ao que depois se convencionou chamar “Movimento de Natal”, ou seja, uma inciativa da Igreja, para dotar os trabalhadores e as populações carentes dos instrumentos que os capacitassem a se tornar sujeitos de seu próprio desenvolvimento. Em resumo três iniciativas foram fundamentais para a estruturação do “Movimento de Natal”: a reunião mensal do clero, realizadas regularmente a partir de 1948; a fundação do Serviço de Assistência Rural – SAR em 1949; e o treinamento permanente de líderes a partir de 1952.
Em 1957, Dom Eugênio, já na qualidade de administrador apostólico da arquidiocese de Natal, foi à Colômbia, a fim de conhecer as escolas radiofônicas implantadas por Monsenhor José Joaquim Salcedo, diretor da Rádio Sutatenza. Aproveitando a mesma viagem regressou pelo Peru para conhecer uma experiência bem sucedida de caprinocultura que, segundo um técnico que assessorava a arquidiocese de Natal, poderia ser eventualmente implantada na sub-região de Angicos, uma das áreas mais secas do Rio Grande do Norte. No regresso desta viagem Dom Eugênio, de acordo com o clero, resolveu implantar na arquidiocese de Natal as escolas radiofônicas, inspiradas na experiência da Colômbia. O passo inicial para concretizar esta iniciativa consistiu em obter a concessão de um canal de rádio.
Uma vez obtida esta concessão, a rádio serviu não apenas para a alfabetização de adultos, mas também para aperfeiçoar as comunicações entre a sede arquidiocesana e as paróquias e movimentos de leigos de toda a circunscrição eclesiástica, bem como para apoiar todos os programas da arquidiocese, destinados à educação das populações rurais.
No Brasil a educação através de escolas radiofônicas recebeu significativos aperfeiçoamentos pela utilização do método ver-julgar-agir da ação católica especializada e pela aplicação da pedagogia do oprimido, formulada pelo educador Paulo Freire. Muitas dioceses das macrorregiões nordeste, centro oeste e mesmo norte manifestaram interesse em implantar essas escolas.
Para atender a esta demanda a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) celebrou um convênio com o Ministério da Educação, que se consubstanciou na criação do Movimento de Educação de Base – MEB, dotado de recursos para atender nessas três macrorregiões às circunscrições eclesiásticas interessadas no empreendimento. Em 1964 Dom Eugênio foi nomeado administrador apostólico da arquidiocese de Salvador – Bahia.
2. Desdobramentos em Salvador e no Rio de Janeiro
Para entender melhor esses desdobramentos é pertinente ressaltar que a primeira Constituição Republicana, na virada do século XIX para o século XX, abolira o regime do padroado segundo o qual o Catolicismo era a religião oficial do Estado brasileiro, e estabelecera o regime de separação entre Igreja e Estado, por solicitação inclusive da própria Igreja Católica. Aos 27 de abril de 1892 o Papa Leão XIII elevou a diocese do Rio de Janeiro à categoria de arquidiocese e Sé Metropolitana por meio da bula “Ad universas orbis Ecclesias”. Em coerência com este novo regime, em 1897 o arcebispado metropolitano do Rio de Janeiro foi assumido por Dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti por designação também do Papa Leão XIII. No consistório de 11 de dezembro de 1905, presidido na Basílica de São Pedro pelo Papa Pio X, Dom Joaquim Arcoverde foi elevado ao cardinalato. Durante 30 anos foi o único prelado de toda a Igreja nos demais países da América Latina a ser agraciado com o chapéu cardinalício.
O Cardeal Arcoverde teve como sucessor Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra, primeiramente como arcebispo coadjutor com direito à sucessão em 1921. Com o falecimento do Cardeal Arcoverde em 1930, Dom Sebastião Leme assumiu a arquidiocese do Rio de Janeiro como arcebispo de pleno direito. Sua estratégia pastoral configurou-se em duas perspectivas inicialmente paralelas, para se tornarem convergentes no longo prazo: evangelização da elite carioca e evangelização da massa de fiéis que viviam sua fé na prática da religiosidade popular e precisavam ser educados para uma fé mais adulta.
Com o falecimento de Dom Sebastião Leme em 1942, a Santa Sé designou como seu sucessor Dom Jaime de Barros Câmara. Este se distinguira como bispo da diocese de Mossoró na região oeste do Rio Grande do Norte. No final de 1941, Dom Jaime foi transferido para a arquidiocese de Belém, no Pará. Permaneceu, porém, menos de dois anos como arcebispo desta circunscrição eclesiástica, quando foi transferido para a arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro em meados de 1943, onde permaneceu até 1971.
Na arquidiocese do Rio de Janeiro, Dom Jaime não repetiu o sucesso que o notabilizara na diocese de Mossoró. Sua estratégia pastoral consistiu apenas em assumir diretamente o acompanhamento das paróquias (no estilo ao qual estava habituado) e confiar a bispos auxiliares todas as demais dimensões pastorais exigidas por uma cidade do porte e da envergadura do Rio de Janeiro.
Faltava uma estratégia de conjunto que articulasse e integrasse toda a atuação da Igreja nesta circunscrição eclesiástica. A própria pastoral paroquial em uma metrópole das dimensões do Rio de Janeiro diferia muito da pastoral paroquial em uma cidade de porte médio no interior do Brasil. Essas limitações ocasionaram sérias disfunções que prejudicaram o desempenho da atuação da Igreja em um período crítico em que o Rio de Janeiro deixara de ser a capital do país.
É necessário, porém, continuar acompanhando a trajetória de Dom Eugênio Sales, ressaltando especialmente sua atuação como arcebispo na sede primacial de Salvador – BA, onde permaneceu até 1971. Neste período e nesta condição foi distinguido com o Cardinalato no Consistório de abril de 1969, presidido pelo Papa Paulo VI. Na arquidiocese de Salvador começou a implantar o mesmo modelo pastoral que introduzira com sucesso na arquidiocese de Natal. Apenas o adaptou ao novo contexto e às potencialidades locais.
Em 13 de março de 1971 o já então Cardeal Eugênio de Araújo Sales foi designado pelo Papa Paulo VI como arcebispo da arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro e nesta condição nela permaneceu por 30 anos até 25 de julho de 2001, quando sua renúncia - por limite de idade - foi aceita pelo Papa João Paulo II.
O exercício de seu ministério episcopal nesta circunscrição eclesiástica coincidiu com um período crítico para a chamada cidade maravilhosa. Com efeito, desde 1960 esta cidade deixara de ser a capital da República sustentada pelas benesses do Governo Federal e ainda não tinha condições para se tornar uma cidade de envergadura planetária na condição de patrimônio cultural da humanidade. De um lado continuava com o encargo de cuidar de todo o acervo político, econômico, social, cultural e religioso que acumulara ao longo dos duzentos anos em que fora capital do Estado brasileiro. De outro lado, ainda não tinha clareza sobre o futuro que a aguardava no limiar do século XXI.
Para o Cardeal Eugênio Sales o Rio de Janeiro não era desconhecido, pois no período em que a cidade era capital da República ele a visitava com frequência, seja para viabilizar projetos governamentais de interesse da arquidiocese de Natal, seja para exercer suas responsabilidades na CNBB, onde era titular de duas secretarias, ou seja, a secretaria de opinião pública que cuidava dos meios de comunicação social e a secretaria de promoção humana a serviço do exercício da cidadania. Tinha conhecimento das iniciativas de Dom Hélder em prol do mais de um milhão de favelados dos morros cariocas e de áreas da baixada fluminense.
Pelas suas responsabilidades na CNBB estava a par da complexidade da elite carioca e de seu peso e importância no cenário nacional. Dentro deste novo contexto, agravado pela influência dominante da “linha dura” dentro das Forças Armadas durante o Governo Médici no início da década de 1970, o Cardeal Eugênio Sales, ao assumir como arcebispo a arquidiocese do Rio de Janeiro em 1971 pôde definir com maior precisão o seu posicionamento de pastor desta arquidiocese.
Seu posicionamento era essencial e exclusivamente pastoral. Desta maneira descartava qualquer apoio aos posicionamentos de caráter ideológico, seja de direita, de centro ou de esquerda. Era um posicionamento à luz do Desígnio divino de salvação. Em termos mais concretos pode-se dizer que ele estribou-se na fundamentação teológico – pastoral do método ver - julgar – agir, em que a realidade histórica (o ver) é apreciada à luz do Desígnio divino nas suas causas e consequências e não nas ideologias reinantes. De igual forma o “juízo” de valores com respeito a esta realidade histórica baseia-se nos valores ressaltados pela revelação divina e acolhidos na fé. Em terceiro lugar a decisão sobre as ações (agir) a serem empreendidas devem ser inspiradas pelos preceitos do Amor a Deus e ao próximo ressaltados pelo depósito revelado. Qualquer interpretação à margem desses pilares do Desígnio divino de Salvação é espúria, deformante e eivada de viés do ponto de vista teológico pastoral.
Quando o Cardeal Eugênio Sales toma a decisão de abrigar mais de quatro mil perseguidos políticos, tanto brasileiros como estrangeiros, ameaçados de morte ou de serem eliminados como desaparecidos, ele age na sua fidelidade ao Desígnio divino que como pastor tem a missão de promover, mesmo enfrentando as incompreensões e resistências de um regime militar autoritário e ditatorial.
A firmeza e o descortino caracterizaram sua atuação na qualidade de pastor desta complexa e original circunscrição eclesiástica. O plano estratégico de pastoral por ele formulado e executado com a participação de todas as forças arquidiocesanas e em diálogo com a sociedade carioca foi determinante para o seu sucesso.
Os ocidentais. de Leonardo Boff
Nós ocidentais, os principais responsáveis.
Leonardo Boff
"Sempre que o arsenal de respostas para os desafios não é mais suficiente, as civilizações entram em crise, começam a esfacelar-se até o seu colapso ou assimilação por outra. Esta traz renovado vigor, novos sonhos e novos sentidos de vida pessoais e coletivos. Qual virá? Quem o sabe? Eis a questão cruciante", escreve Leonardo Boff, filósofo, teólogo e escritor.
Segundo ele, "o que agrava a crise é a persistente arrogância ocidental. Mesmo em decadência, os ocidentais se imaginam ainda a referência obrigatória para todos".
Eis o artigo.
O complexo de crises que avassala a humanidade nos obriga a parar e a fazer um balanço. É o momento filosofante de todo observador crítico, caso queira ir além dos discursos convencionais e intrasistêmicos. Por que chegamos à atual situação que objetivamente ameaça o futuro da vida humana e de nossa obra civilizatória? Respondemos sem maiores justificativas: principais causadores deste percurso são aqueles que nos últimos séculos detiveram o poder, o saber e o ter. Eles se propuseram dominar a natureza, conquistar o mundo inteiro, subjugar os povos e colocar tudo a serviço de seus interesses.
Para isso foi utilizada uma arma poderosa: a tecnociência. Pela ciência identificaram como funciona a natureza e pela técnica operaram intervenções para benefício humano sem reparar nas consequências.
Esses senhores que realizaram esta saga foram os ocidentais europeus. Nós latino-americanos fomos à força agregados a eles como um apêndice: o Extremo Ocidente.
Estes ocidentais, entretanto, estão hoje extremamente perplexos.
Perguntam-se aturdidos: como podemos estar no olho da crise, se possuímos o melhor saber, a melhor democracia, a melhor consciência dos direitos, a melhor economia, a melhor técnica, o melhor cinema, a maior força militar e a melhor religião, o Cristianismo?
Ora, estas "conquistas" estão postas em xeque, pois elas, não obstante seu valor, inegavelmente não nos fornecem mais nenhum horizonte de esperança.
Sentimos: o tempo ocidental se esgotou e já passou. Por isso perdeu qualquer legitimidade e força de convencimento.
Arnold Toynbee, analisando as grandes civilizações, notou esta constante histórica: sempre que o arsenal de respostas para os desafios não é mais suficiente, as civilizações entram em crise, começam a esfacelar-se até o seu colapso ou assimilação por outra. Esta traz renovado vigor, novos sonhos e novos sentidos de vida pessoais e coletivos. Qual virá? Quem o sabe? Eis a questão cruciante.
O que agrava a crise é a persistente arrogância ocidental. Mesmo em decadência, os ocidentais se imaginam ainda a referência obrigatória para todos.
Para a Bíblia e para os gregos esse comportamento constituía o supremo desvio, pois as pessoas se colocavam no mesmo pedestal da divindade, tida como a referência suprema e a Última Relidade. Chamavam a essa atitude de hybris, quer dizer: arrogância e excesso do próprio eu.
Foi esta arrogância que levou os EUA a intervir, com razões mentirosas, no Iraque, depois no Afeganistão e antes na América Latina, sustentando por muitos anos regimes ditatoriais militares e a vergonhosa Operação Condor pela qual centenas de lideranças de vários países da América Latina foram sequestradas e assassinadas.
Com o novo Presidente Barak Obama se esperava um novo rumo, mais multipolar, respeitador das diferenças culturais e compassivo para com os vulneráveis. Ledo engano. Está levando avante o projeto imperial na mesma linha do fundamentalista Bush. Não mudou substancialmente nada nesta estratégia de
arrogância. Ao contrário, inaugurou algo inaudito e perverso: uma guerra não declarada usando ³drones², aviões não tripulados. Dirigidos eletronicamente a partir de frias salas de bases militares no Texas atacam, matando lideranças individuais e até grupos inteiros nos quais supõe estarem terroristas.
O próprio cristianismo, em suas várias vertentes, se distanciou do ecumenismo e está assumindo traços fundamentalistas. Há uma disputa no mercado religioso para ver qual das denominações mais aglomera fiéis.
Assistimos na Rio+20 a mesma arrogância dos poderosos, recusando-se a participar e a buscar convergências mínimas que aliviassem a crise da Terra. E pensar que, no fundo, procuramos a singela utopia bem expressa por Pablo Milanes e Chico Buarque: "a história poderia ser um carro alegre, cheio de um povo contente".
CEBs y Vaticano II
LAS CEBs A LA LUZ DEL VATICANO II.
1.Las CEBs son el nuevo Pueblo (LG 9 y 13), llamado por Dios en el Espíritu Santo (cf. 1Tes., 1,5). En ellas, por más que sean pequeñas y pobres o vivan en la dispersión, Cristo está presente, el cuál con su poder las cualifica como la Iglesia una, santa, católica, apostólica, servidora, misionera y profética (LG 26).
Ellas son, en el nivel mas cercano a la gente, el acontecimiento de la comunión Trinitaria, en la Iglesia. Su don y responsabilidad fundamental es de ser, en Cristo y por el, señal y primicia de la comunión del género humano (Lumen Gentium 1). El texto de Mc 3,13-15 y LG 9, subrayan la índole colegial (La monarquía no es de la identidad eclesial), su responsabilidad de estar con Jesús, ser buena noticia, y de sacar el mal (dolor, opresión) desde sus raíces.
2.Es su responsabilidad desarrollar entre las personas, y particularmente en relación a los mas pobres: mutuo respeto y mutua ayuda, participación y acogida, misericordia, paz y dignidad (LG1 y 8).
Deben unirse a los demás cristianos (ecumenismo- Unitatis Redintegratio) y a toda gente de buena voluntad, a servicio de la Ecología y de las urgentes necesidades del mundo, particularmente de los que sufren injusticias, segregación, opresión y todo tipo de sufrimiento (Iglesia samaritana). Su originalidad, en relación a los pobres, es de que reciban además de respeto y ayudas, espacio de participación y de acogida, de paz y dignidad (LG 1 y 8), puedan ser sujetos de un nuevo mundo.
3.Todos los miembros de las CEBs ejercen un sacerdocio común, por lo cuál son responsables por la creación (ecología), por la sociedad y por la Iglesia- LG 10). Por eso mismo, son de interés para toda la humanidad. No tienen como fin a si misma, sino al Reinado de Dios.
4. Las CEBs son esencialmente misioneras y no equipos de servicio parroquial. Deben llegar donde no llega la estructura pastoral. Inciden en la vida y están siempre abiertas al diálogo con toda gente en todos los tiempos.
5. Centradas en la Palabra de Dios (Dei Verbum): sueñan con una nueva sociedad posible, siendo sujetos de su construcción, animan sus miembros al compromiso social (económico, político, cultural, ecológico); fundan nuevas Iglesias de base; aprendiendo a jerarquizar los postulados de la fe; son cartillas de alfabetización; viven una espiritualidad Cristocéntrica –Trinitaria.
6. Son comunidades Eucarísticas (Sacrossanctum Concilium), aún cuando no pueden tener regularmente la celebración de la misa, viven el nivel eucarístico, el hecho pascual, “alimentándose de encarnando en cada momento de la historia, el modo de ser de Jesús y sus propuestas.
7. La iglesia no está arriba del mundo, tampoco al lado, sino dentro, como corresponsable por la historia humana en sus alegrías y tristezas, gozos y esperanzas. Anima y acoge a los progresos humanos como acontecimientos de resurrección (Gaudium e Spes).
segunda-feira, 16 de julho de 2012
El agua
SÍMBOLOS Y METÁFORAS BÍBLICAS
Las más usadas em relación a la comunidade eclesial son la del fuego y del agua.
Hoy tomamos la del agua, para expresar la identidad de la CEB, pequeña Igles
1.El agua se adapta a los recipientes: un plato, el cántaro, una cuchara… # Las CEB sobreviven por su versatilidad, son la Iglesia en el área rural, en la periferia urbana, en un campus universitario, entre los obreros… donde se encuentran seguidores de Jesús, como comunidad.
2.Acepta normalmente a los más diferentes aliados: la sal, el azúcar, el te, el café, el vino...# Las CEBs encuentran y disciernen aliados posibles según las diversas coyunturas históricas
3.El agua es, desde siempre, uno de los elementos mas universales (tierra, agua, fuego, aire). Esta en los océanos y mares, en el cuerpo humano, en las nubes, pozos, ríos y glaciales, en el polo norte y sur, en la cumbre de las montañas… # La Iglesia, también en su expresión mínima es para todo lugar del mundo.
4.El agua asume formas y modelos diferentes: hielo, nieve, granizo, rocío, fuentes, nacientes…# La CEB no se cristaliza en un único modelo histórico.
5. Es suave y humilde, como puede ser poderosa como una inundación. # Las CEBs unidas y motivando a otras instancias eclesiales expresan una poderosa realidad
6. Genera energía: vapor, hidro-eléctrica, mueve a barcos, trenes y otras máquinas # Descubrir y valerse de las energías de las CEBs es responsabilidad de cada Iglesia particular.
7. Puede penetrar donde nadie lo alcanza hacer. Como rio alcanza entrar por la selva amazónica y así permite la comunicación entre pueblos y casas, que de otra manera no tienen como comunicarse # Las CEBs llegan donde ordinariamente no llega la organización eclesiástica. Mantiene la gente en contacto con la gran comunión eclesial
8. Tiene el mínimo de estructuras y el máximo de vida (H2 0) # Las CEBs son de lo más sencillo como organización
9. Son vida. Los telescopios planetarios de los satélites enviados al espacio, cuando identifican agua en un planeta, concluyen que puede haber vida # Donde hay CEB, hay vida eclesial
10. Apaga el fuego, saca la suciedad de la ropa, de los aposentos # Las CEBs purifican el ambiente donde están, colocan vivencias del Reino.
11. Cuando se intenta detener el agua, ella, silenciosamente gana volumen y fuerza # Reprimir a las CEBs, no las elimina para siempre, acostumbran estar lanzando raíces mas profundas.
12. El agua hoy es uno de los primeros y mas fuerte urgencias ecológicas. Se dice que la guerra que va acontecer en el mundo será por el agua # Una CEB es, en si misma también un acontecimiento ecológico, ella vive en comunión con la vida.
13. Agua parada se pudre, permite enfermedades, insectos # CEB parada es semillero de problemas
14. Ausencia prolongada de agua, es muerte. Demasiado= inundación.
# Donde no hay instancia eclesial de base, no habrá Iglesia.
15. En Sri Lanka los budistas hicieron un imagen de Jesús y la Samaritana en terracota. Las manos en concha en recibe agua del cántaro de la mujer. Y al ofrecer su regalo a los cristianos, explicaron: la mano solo puede recoger el agua, cuando los dedos se unieron. Cuando separados no pueden guardar el precioso líquido.# Una comunidad desunida, dispersa los dones de la vida, de los demás y de Dios.
P.Jose Marins. Hermana Teolide Maria Trevisan. San Pedro Sula, Honduras, dia 16 de Junio de 2012. En el IX Encuentro latino americano caribenho de las CEBs.
sábado, 14 de julho de 2012
Los líderes de la Iglesia
Uma conversa com o sociólogo italiano Marco Marzano, autor de uma investigação publicada pela editora Feltrinelli Quel che resta dei cattolici [Aquilo que resta dos católicos]. Um relato a partir de dentro de uma estrutura dividida entre hierarquia e base, onde a tendência a contar com a tradicional verticalidade é percebida até mesmo nas comunidades mais ativas.
A reportagem é de Martino Doni, publicada no jornal Il Manifesto, 07-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
o catolicismo está recaindo cada vez mais em formas públicas moderníssimas na forma e pré-conciliares na substância, aquelas que seguem o triunfalismo dos eventos midiáticos, e requer por parte dos fiéis uma participação passiva, isto é, a simples obediência (e nisso reside a matriz tridentina, reacionária, desse estilo); um pouco porque os católicos, mesmo os mais vivazes, sofrem de uma estranha síndrome, que eu chamaria de obsessão pela unidade
A obsessão pela unidade é aquela estranha doença que leva os católicos a buscar a todo o custo o consenso da cúpula, o desejo de obter a aprovação dos andares superiores, que eu leria também como a ambição não confessada de que a própria linha se torne a universal, a única.
a escolha é um momento crucial, do qual – e não por acaso – as hierarquias têm um certo temor. Quanto mais liberdade tem o indivíduo, mais evidente se torna o desmoronamento da instituição que queria administrá-lo
de um lado, há a Igreja pública, aquela que ocupa a cena midiática, aquela dos bispos e do Vaticano; de outro, há as paróquias, que sofrem terrivelmente, que se esvaziam, que, quando estão cheias, também estão muitas vezes vazias de sentido e de participação real. Muitos párocos me contam isto: quando têm que celebrar um funeral ou principalmente um casamento, eles estão mal, porque sabem que se trata, em certo sentido, de uma ficção, enquanto eles celebram a eucaristia, isto é, o sacramento principal, aquele que, para eles, dá razão ao seu ser e ao da comunidade... Se pararmos para pensar, é uma experiência dilacerante: você está fazendo o que você mais acredita, e os fiéis conversam, tiram fotos, bocejam e principalmente não acreditam em uma palavra do que você está dizendo. Para alguns, isso sempre aconteceu, mas, na era da autenticidade, esse é o sinal de uma crise muito profunda.
a hierarquia não tem vontade de ouvir, e o povo dos fiéis não sabe a quem se dirigir. O drama do catolicismo parece-me o fato de que a primeira Igreja, a da hierarquia, nem sequer precisa mais do povo, isto é, da segunda Igreja. Basta-lhe a mídia. Basta-lhe que o telejornal transmita o comunicado do representante dos bispos ou que noticie o último discurso do papa. Mas isso, repito, se verifica em toda parte, não só na Igreja: a cúpula pode alegremente ignorar a base. O mais atroz da Igreja é que a base, quase sempre, não desejada nada mais do que um aceno de consenso por parte de um bispo. Eles não sabem abrir mão disso.
Os jovens deixam a Igreja
A desafeição religiosa de jovens e adolescentes. Entrevista especial com Pedro Ribeiro de Oliveira
A “insatisfação do fiel com os serviços oferecidos pela sua igreja” é, na avaliação do sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira, a primeira explicação para entender os dados do censo 2010, que demonstram um declínio no número de membros das igrejas católica, luterana, presbiteriana e metodista. Segundo ele, trata-se de “uma crise das religiões tradicionais”.
Diante deste dado, Oliveira menciona que há um “problema geracional”, porque na década passada havia mais católicos com idade de zero a 29 anos do que hoje. Isso significa que as “crianças e os jovens estão deixando de ser católicos”. Se isso se mantiver, assegura, “no censo de 2020 a diminuição será maior ainda, porque vão morrendo os velhos, e as novas gerações estão mais afastadas” das igrejas tradicionais. Por outro lado, este dado não atinge as igrejas pentecostais, que apresentaram um crescimento de fiéis jovens e crianças.
Na avaliação do sociólogo, outro dado interessante é o número de jovens sem religião. “Em termos de projeção, isso é algo a ser pensado. (...) 15 milhões de pessoas que se dizem sem religião, para mim, é o dado que desperta curiosidade”, diz na entrevista a seguir, concedida por telefone para a IHU On-Line. E dispara: “Quando eu comecei a estudar sociologia da religião, tinha como axioma que o brasileiro é religioso, ou seja, todas as religiões são boas, todas levam a Deus, e o que não pode é não ter religião. Hoje, o caso é diferente não. O fato de ter religião não é um indicador de que a pessoa seja boa, assim como o fato de ela não ter religião não significa que ela seja má. Houve uma mudança na cultura brasileira”.
Pedro Ribeiro de Oliveira (foto abaixo) é doutor em Sociologia pela Université Catholique de Louvain, na Bélgica. É professor do PPG em Ciências da Religião da PUC-Minas. Dentre suas obras, destacamos Fé e Política: fundamentos (Aparecida: Ideias & Letras, 2004), Reforçando a rede de uma Igreja missionária (São Paulo: Paulinas, 1997) e Religião e dominação de classe (Petrópolis: Vozes, 1985).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Os dados do censo 2010, divulgados pelo IBGE, demonstram um progressivo declínio do catolicismo no país. Como o senhor interpreta esses dados? O que isso significa?
Pedro Ribeiro de Oliveira – Esses dados não estão exatamente relacionados ao proselitismo evangélico, mas sim a uma crise das religiões tradicionais. Ainda não fiz um estudo minucioso dos dados do censo, porém pude perceber que as igrejas tradicionais – católica, luterana, presbiteriana e mesmo a metodista – perderam membros em termos absolutos e não acompanharam o crescimento da população. Uma igreja que me surpreendeu nesse sentido foi a Congregação Cristã do Brasil, que era muito sólida e tinha membros praticantes. Há aí um dado no censo que obriga certa atenção, porque várias igrejas perderam membros, inclusive a Universal do Reino de Deus.
Precisamos ter presente o dado de que a perda de membros atinge várias denominações religiosas. Claro que o proselitismo tem sua importância nesse processo, mas isso ocorre principalmente por causa da insatisfação do fiel com os serviços oferecidos pela sua igreja.
No caso da Igreja Católica, minha hipótese diz respeito ao sacramento. A Igreja Católica foi se tornando, nos últimos 40 anos, mais exigente na realização dos sacramentos. Por exemplo, não se podem batizar crianças se os pais e padrinhos não fizerem um curso, não se pode casar se os noivos não tenham feito a primeira comunhão, ou um curso de noivos – acho tudo isso muito normal. Mas as pessoas deixam de frequentar a igreja por conta das exigências.
IHU On-Line – Qual o significado de o Brasil ainda ser um país majoritariamente católico, considerando que existem os praticantes e não praticantes?
Pedro Ribeiro de Oliveira – Muitos só consideram católicos aqueles que vão à missa e comungam. Entretanto, a tradição católica brasileira nunca foi de seguir tradicionalmente o catolicismo romano. O catolicismo popular tradicional mostra muita reza e pouca missa, muito santo e pouco padre. Essa frase é perfeita. Quer dizer, a tradição católica sempre teve muita devoção aos santos; era uma religião familiar. Praticava-se o catolicismo em casa, com a família, geralmente a materna, e de vez em quando se frequentava a igreja para receber os sacramentos. Quer dizer, trata-se de um católico não praticante do sacramento, mas um católico praticante da devoção aos santos. Um velho teólogo que já morreu dizia: “O padre fala da ignorância religiosa do povo, e o povo também acha que o padre é ignorante na religião, porque não sabe fazer a devoção aos santos”.
Então, o catolicismo tem essa propriedade, é uma religião que comporta muita gente, e diferentes formas de ser católico, inclusive aquela dos não praticantes. De fato, o sacramento fundamental para o católico é o sacramento de entrada na vida, o batismo, e o sacramento de “saída”, que é a missa de sétimo dia. Fora isso, ele se vira muito bem com os santos.
IHU On-Line – Qual é a novidade os dados do censo apontam em relação à religião no Brasil?
Pedro Ribeiro de Oliveira – Uma das novidades diz respeito à idade. Eu tive a curiosidade de sociólogo e comparei os dados de 2000 e 2010. Vi que há um problema geracional. Em 2000, havia mais católicos de zero a 29 anos, do que em 2010. Ou seja, as crianças e os jovens estão deixando de ser católicos. Então, têm mais católicos em 2010 com 30 anos ou mais. Se isso se mantiver, no censo de 2020 a diminuição será maior ainda, porque vão morrendo os velhos, e as novas gerações estão mais afastadas da instituição. É interessante porque isso atinge também o protestantismo de missão, mas não atinge as igrejas pentecostais que, ao contrário, apresentam um crescimento entre os jovens e crianças. Também não atinge os espíritas, que estão crescendo. Outro dado interessante é o crescimento de jovens entre 15 e 19 anos sem religião. As novas gerações brasileiras têm uma forma religiosa muito diferente das antigas gerações. Em termos de projeção, isso é algo a ser pensado.
IHU On-Line – Outro dado do censo é de que a Igreja Universal perdeu 10% dos fiéis. Entretanto, o crescimento das igrejas evangélicas ainda é significativo. Como avalia essa questão? A Igreja Universal tem perdido fiéis para igrejas menores, que são mais flexíveis e aceitam fiéis específicos como jovens, gays?
Pedro Ribeiro de Oliveira – Tenho a impressão de que a Universal é bem aberta e não é uma igreja rígida, mas eu não a conheço suficientemente. Por outro lado, percebe-se o crescimento enorme da Assembleia de Deus, que é um pentecostalismo clássico. Ela já era a maior igreja dos evangélicos, e hoje já tem quase 50% dos evangélicos brasileiros.
O que também existe é essa difícil categoria de igrejas evangélicas não determinadas. O que será evangélica não determinada? Pode ser aquela interpretação da Fundação Getúlio Vargas, de evangélico não praticante, mas também pode ser essas igrejas novas que estão aparecendo por aí, e que eram conhecidas antigamente como igrejas eletrônicas. Não sei. Mas tudo indica a passagem de uma religião a outra: de católico a evangélico tradicional, ou pentecostal tradicional, depois a neopentecostal, depois a pentecostal não determinado e depois os sem religião. A trajetória parece demonstrar essa passagem. Ao que tudo indica, pelos dados de idade, isso vai continuar.
IHU On-Line – A que atribui essa desfiliação religiosa? A religião como instituição está deixando de ser significativa para parte dos brasileiros? Segundo o censo, de 7,28% em 2000 aumentou para 8% em 2010 o número de pessoas sem religião, cerca de 15 milhões.
Pedro Ribeiro de Oliveira – Penso que sim. A religião está deixando de ser significativa. 15 milhões de pessoas que se dizem sem religião, para mim, é o dado que desperta curiosidade. Quando comecei a estudar sociologia da religião, tinha como axioma que o brasileiro é religioso, ou seja, todas as religiões são boas, todas levam a Deus, e o que não pode é não ter religião. Hoje, o caso é diferente. O fato de ter religião não é um indicador de que a pessoa seja boa, assim como o fato de ela não ter religião não significa que ela seja má. Houve uma mudança na cultura brasileira. O que significa exatamente esses sem religião, eu não sei.
Gosto muito de um conceito pouco usado na sociologia, que é o de desafeição religiosa. Ou seja, a pessoa que desafeiçoa já não gosta mais de uma igreja. Quando uma pessoa se identifica no censo como católica, mesmo não praticante, ela está querendo dizer que a sua referência é aquela igreja, às vezes até por conta de uma relação afetiva com a mãe, por exemplo. Tenho impressão de que esse conceito seria central para entendermos os sem religião.
IHU On-Line – Outro dado demonstra que 64% dos pentecostais avançam em segmentos mais vulneráveis da população, nas periferias urbanas, e entre famílias que ganham até um salário mínimo, 28% recebem entre um e três salários, 42% têm ensino fundamental incompleto. A questão econômica também passa a determinar a crença, a religiosidade?
Pedro Ribeiro de Oliveira – Isso é difícil. Sem dúvida, quando se pensa que a religião tem a ver com dar um sentido para a vida, uma das grandes questões, especialmente entre os pobres, é se perguntar: “Será que Deus não gosta de mim?”, ou, “Por que eu sou pobre?”. Nesse sentido, o segmento pentecostal tem uma força grande em termos da difusão da crença, na nossa cultura, da existência dos demônios, ou seja, os demônios, os maus espíritos estão aí. Será que eles estão usando as religiões indígenas, religiões africanas, as religiões celtas que passaram para dentro do catolicismo?
Então, o mundo está cheio de demônios, mas está cheio de deuses também. Por isso, para muitos é bom ter uma religião que seja capaz de expulsar os demônios, porque passam a ter uma vida melhor. Esse discurso é encontrado nas igrejas pentecostais, e isso “pega” bem para pessoas que vivem em uma situação muito difícil, para quem é plausível se dizer que esse mundo é do diabo, que nesse mundo não é bom de viver. Então, precisa-se de uma igreja capaz de “afugentar” o diabo. Essa é a minha explicação para tanto sucesso.
IHU On-Line – O senhor concorda com a crítica de Antônio Flávio Pierucci de que há uma cultura econômica e capitalista entre as igrejas? Quais são as igrejas mais expressivas nesse processo?
Pedro Ribeiro de Oliveira – Não concordo muito. Pierucci era um sociólogo muito inteligente, só que a linha dele era um pouco diferente da minha. Eu não diria que têm religiões que procuram o capitalismo, mas que há religiões que combinam melhor com a cultura capitalista. E de fato, o protestantismo, como demonstra Max Weber, combina bem com o espírito capitalista. Um grande teólogo já dizia: “O catolicismo também tentou se casar com o capitalismo, mas foi um casamento de interesse; não foi de amor”. Eu gosto muito dessa expressão. O catolicismo tem essa dificuldade com o capitalismo. O catolicismo, na sua expressão mais oficial, romana, está muito mais ligado a uma sociedade do tipo medieval e que preza mais a permanência do que a mudança, a evolução e a modernização. O protestante tem uma afinidade de que é preciso mudar, é preciso transformar, é preciso ir adiante. E o católico, quanto menos mexer, melhor será. De modo que essa questão da concorrência, a questão de acumular dinheiro não combina bem com o jeito católico de ser. Combina bem com a tradição protestante, e foi muito bem retomada pelo pentecostalismo. Então, aí sim, eu concordo que há essa afinidade.
IHU On-Line – Que desafios os dados do censo apresentam para a Igreja Católica brasileira?
Pedro Ribeiro de Oliveira – Diante dos dados do censo, fiquei muito curioso, e entrei no site do Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, e vi lá uma matéria dizendo que a Igreja está viva. Isso é muito interessante. A matéria informava que aumentou o número de paróquias e o número de padres. Isso é igreja viva? A paróquia é uma instituição medieval que na Idade Média era muito boa, e também foi boa para o mundo rural. Se tivesse aumentado o número de comunidades de padres, aí tudo bem, porque teria aumentado o número de padres presente ao lado do povo. Achar que aumentar o número de paróquias é aumentar a presença da igreja no mundo é um equívoco, no meu entender, de todo tamanho. E o segundo é dizer que a igreja está viva porque aumentou o número de padres. A igreja está mais clerical, porque aumentou o número de padres, mas o número de padres não representa a vitalidade para a igreja. A vitalidade da igreja sempre foi a atividade dos leigos.
Tenho impressão de que a reação oficial da Igreja Católica, pelo menos nas matérias que pude ver, é um grande equívoco em termos sociológicos, ou seja, é ainda pensar em um modelo de igreja do Concílio de Trento. A força da Igreja, de qualquer igreja, está no que os protestantes chamam de congregar, ou seja, juntar pessoas que possam participar e sentir-se igreja. Creio que a experiência mais bem sucedida na Igreja Católica foram as Comunidades Eclesiais de Base, seguida dos grupos de oração, grupos de pastorais, que hoje chamam de novas comunidades. Esses programas buscam juntar pessoas leigas que se reúnem, celebram, leem a Bíblia para, a partir disso, influenciar no mundo. Aí está a força de uma igreja, a força pentecostal. A força pentecostal das igrejas evangélicas não é o número de pastores, mas o número de obreiros, que são pessoas leigas, que têm um entusiasmo pela religião.
Trata-se da força de expandir da igreja para o mundo. Isso quer dizer: uma igreja é forte quando tem grupos de leigos que se reúnem para atuar no mundo. Hoje o que vemos é a força de atrair para dentro, ou seja, o bom católico é aquele que está na igreja. Isso aí é o definhamento da instituição. Na hora que os responsáveis pela igreja no Brasil levarem a sério esses dados geracionais, ou seja, a desafeição religiosa de jovens e adolescentes, espero que deem um recado a essa pastoral maluca que eles têm, que gasta todos os recursos para construir seminário e formar mais padres.
IHU On-Line – Como os dados do censo em relação à religião devem se manifestar na política, considerando as próximas eleições?
Pedro Ribeiro de Oliveira – Esse é um problema, tema para outra entrevista. Mas posso dizer que os partidos políticos se desfiguraram tanto, que agora a eleição passa a ser definida por filiação religiosa, ou entidade religiosa. Muitas pessoas votam num candidato porque ele é presidente do clube de futebol para o qual torcem. Misturam esporte e religião com partidos. Isso é uma pena para a religião, mas é pior ainda para a política. Não sei se os dados do censo serão importantes nas eleições, porque eles podem ser sempre utilizados de uma maneira ou de outra.
Essa identificação do voto político com um candidato religioso funciona em alguns casos, mas nem sempre. Por mais que o pastor diga que para sua congregação religiosa votar em tais candidatos, às vezes isso acontece, às vezes não, porque o critério religioso não determina o voto.
quarta-feira, 11 de julho de 2012
Desde Trento
O Concílio de Trento acabou. Depois de cinco séculos
A Igreja Católica pode escolher entre se reduzir a uma confederação de seitas, como as denominações evangélicas, embora em escala bem maior, ou valorizar uma tradição que a percorreu desde a Antiguidade até a Idade Média.
A análise é de Marco Rizzi, professor de literatura cristã antiga da Università Cattolica del Sacro Cuore, em artigo para o caderno La Lettura, do jornal Corriere della Sera, 17-06-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Seria um erro colocar os fatos tornados públicos pelos "corvos" do Vaticano no ritmo breve do noticiário. É preciso medi-los com os tempos longos próprios da Igreja Católica. Assiste-se, de fato, ao esgotamento do modelo de Igreja elaborado pelo Concílio de Trento na metade do século XVI, que o Concílio Vaticano II tentou atualizar às profundas mudanças ocorridas nos séculos posteriores .
Doutrina e disciplina eram as palavras-chave do Tridentino: a univocidade dos conteúdos da fé, compendiados no catecismo emitido em 1566 por Pio V, acompanhava-se da detalhada regulamentação da administração dos sacramentos e de todos os outros aspectos da vida religiosa, até então marcada pela variedade das liturgias, dos cultos e das experiências (das peregrinações às mais diversas irmandades leigas), característica da época medieval.
Graças à obrigação de observar em todas as Igrejas o calendário e a liturgia romanos (fez exceção somente ao rito ambrosiano), o fiel vivia uma experiência totalizante do espaço e do tempo: o seu horizonte imediato era a paróquia – que, não por acaso, mantinha, até a reforma napoleônica, os registros de nascimento, casamento, morte –, mas a participação na missa dominical e nos vários períodos do ano (Advento, Quaresma, Páscoa) o inseria em um fluxo que se ampliava a todo o mundo e à eternidade.
A Cúria Romana estava no centro desse projeto: de corte de um soberano territorial, transformou-se em um verdadeiro órgão de governo central de uma realidade enorme e complexa, dotada de uma burocracia especializada que estendia o seu controle até o último dos sacerdotes. Uma burocracia que garantiu que a Igreja Católica instaurasse uma relação dialética, não subalterna nem conflitante, na competição com os emergentes Estados nacionais pelo controle dos indivíduos, ao mesmo tempo fiéis e súditos.
O modelo tridentino vigorou durante cinco séculos, resistindo também à primeira onda de secularização que, no século XVIII, se seguiu ao Iluminismo e à Revolução Francesa. Ele começou a mostrar fissuras somente no segundo pós-guerra, com a cultura de massa e a possibilidade de experimentar, ao lado dos tradicionais, novos modelos de vida e de gestão do tempo. O Vaticano II tentou responder a essa situação mudada, conservando o sistema tradicional de doutrina e disciplina do culto, mas buscando encurtar a distância entre centro e periferia, entre experiência cotidiana do fiel e respiro eterno da fé.
Nesse sentido devem ser entendidas a reforma litúrgica com o uso das línguas vernáculas (mas sempre no âmbito de um rito universal), a atenuação da ideologia hierárquica que havia dominado desde então a relação entre fiéis e clero (com o chamado universal à santidade), a própria reforma da Cúria.
A atualização se chocou com a aceleração dos processos de secularização dos últimos 50 anos. Com o "retorno do sagrado" dos últimos tempos, emergiu, assim, uma religiosidade de ascendência quase medieval, baseada na espontaneidade e na excepcionalidade da experiência religiosa, conjugada com as características próprias da época tecnológica. Como também mostra o livro de Marco Marzano Quel che resta dei cattolici (Ed. Feltrinelli), a prática religiosa paroquial ordenada se esvaziou, substituída por peregrinações, cultos particulares, experiências ligadas a personalidades carismáticas. A catequese semanal foi substituída pelo fluxo ininterrupto das rádios marianas ou pela televisão dedicada ao Padre Pio, e a relíquia do santo foi substituída pela foto tirada com o celular no santuário.
João Paulo II havia intuído isso. Com ele tiveram início as peregrinações relacionadas às Jornadas Mundiais (da família ou da juventude), o aumento das canonizações e a redução dos tempos exigidos (o grito "santo já", que ecoou em seu funeral, lembra a aclamação popular que levava à elevação aos altares na época pré-tridentina), a concentração na sua pessoa de um valor carismático mais do que institucional. Nesse quadro, pensou-se que os novos movimentos eclesiais, desvinculados da tradicional referência territorial, poderiam ser uma solução, fortalecendo novamente os fiéis na doutrina e na disciplina diante da secularização.
Em outros tempos, havia acontecido algo do gênero. Basta pensar nos franciscanos e nas outras ordens mendicantes medievais. No entanto, embora muitas vezes em competição entre si, estas aportavam recursos, simbólicos e materiais, ao pontífice como vértice de uma Igreja ainda pouco estruturada no centro. Agora, ao invés, na presença de um governo e de um pontífice institucionalmente fortes, os movimentos parecem rivalizar para se apropriar de tais recursos, em detrimento de todo o corpo da Igreja. Exemplos significativos, em ótica ainda tridentina, são as demandas de liturgias próprias ou a criação de seminários subtraídos às diocese.
Desse modo, o desvio sectário está sempre à espreita. A própria Cúria Romana, como toda burocracia em dificuldades para identificar com exatidão o objeto do seu próprio governo, tende a se consumir em conflitos internos e na proteção de posições particulares, embora afirmando que faça isso em nome do interesse superior do pontífice.
A Igreja Católica, portanto, deve repensar a si mesma. Um pouco brutalmente, se poderia dizer que ela pode escolher. Reduzir-se a uma confederação de seitas, como as denominações evangélicas, embora em escala bem maior, ou valorizar uma tradição que a percorreu desde a Antiguidade até a Idade Média: compreender em seu próprio interior respostas muito diferentes às exigências postas pela fé e pela vida cristã, quase como se se tratasse de círculos concêntricos, acolhendo abertamente a todas, sem privilegiar nenhuma e indicando com doçura o percurso que, da margem mais extrema, conduz ao coração do anúncio evangélico.
A abertura de Bento XVI aos divorciados, no encontro das famílias em Milão, pode ser lida como um passo nessa direção.
PARA LER MAIS:
• 01/03/2011 - Trento, o Concílio mais imaginado do que conhecido
• 01/08/2010 - Trento: o futuro é aqui
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