quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A nossa missão


A NOSSA MISSÃO
    Missão é partir, caminhar, deixar tudo, sair de si, quebrar a crosta do egoísmo que nos fecha em nosso eu.
    È parar de dar volta ao redor de nós mesmos como se fossemos o centro do mundo, da vida.
    È não nos deixar bloquear nos problemas do pequeno mundo em que vivemos, a humanidade é maior.
    A missão é sempre partir mas não devorar quilômetros. È sobretudo abrir-se aos outros como irmãos, descobri-los e           encontrá-los.
 E se para encontrá-los e amá-los é preciso atravessar os mares e voar lá nos céus, então missão é partir até os confins da mundo.

D. Helder Camara



 E se para encontrá-los e amá-los é preciso atravessar os mares e voar lá nos céus, então missão é partir até os confins da mundo.

D. Helder Camara


quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

João Batista Libanio, Auto-critica e perspectivas T.Liberação

Teologia da Libertação: autocrítica e perspectivas
Este artigo de J.B. Libânio, escrito originalmente para um livro e disponibilizado no seu site, apresenta de forma sintética e profunda a autocrítica da Teologia da Libertação e algumas perspectivas para a futuro.
A TdL diante de tantas críticas, da crescente resistência do magistério eclesiástico, do fracasso dos movimentos alimentados por ela (Revolução Sandinista, lutas populares), da queda do Socialismo real, da cultura pós-moderna com o surto religioso e da extrema subjetividade atual, do novo paradigma científico emergente empreendeu sua autocrítica. Revendo o seu discurso, reconhece-lhe certo
pessimismo e negativismo sobre o mundo presente e sobre o ser humano, lido sob a ótica da opressão. Discurso monocórdico e positivista que pensa dar conta cabal da realidade, atropelando-lhe a complexidade, hoje amplamente desvendada pelas ciências sociais, pelas novas biociências, pelas ciências cognitivas e do comportamento humano (etologia), pelas novas tecnologias da informação e comunicação. Ao mesmo tempo, era uma teologia idealista, virtual, que imaginava ser realidade os seus desejos como a Igreja dos pobres, o sujeito histórico popular, o pendor natural e ético do ser humano para a solidariedade.

Uma linguagem dualista a marcou, visualizando um grande inimigo – o capitalismo - a ser combatido à custa de sacrifícios e de um compromisso, que
descuidaram a dimensão lúdica e prazerosa da vida. Isto lhe tirou o encanto e prazer. Ela necessita tornar-se uma teologia humanamente saudável. A TdL inicial tinha grandes vazios: “a corporeidade, o prazer, o “saber viver”, o “estar bem com a vida”, o direito de consumir bens e serviços variados e de qualidade, a beleza, a imersão em imaginários esperançadores, a autoestima, o incentivo a aspirações e à iniciativa, o embalo da paixão, etc. “ (Assmann, 2000: 126). A revisão tem consistido mais na ampliação de seus horizontes do que no refazimento de seu método ou princípios fundamentais por estar consciente de que marcou significativamente o universo teológico, a vida da Igreja e da Sociedade para além da AL como primeira teologia original desde a periferia. Sabe-se atual enquanto houver pobreza e injustiça social e cristãos que queiram lutar contra elas a partir de sua fé. Foi presença questionadora para militantes e intelectuais que rejeitavam a fé cristã por causa de sua vinculação histórica com posições ideologicamente conservadoras.

Irrenunciáveis são seu método, sua opção fundante pela libertação dos pobres, a articulação fé e vida, Revelação e realidade social, teoria e práxis, sua vinculação com as CEBs. Percebeu que tem de ampliar a gama dos oprimidos para além da pobreza material incluindo a etnia, o gênero, a ecologia, a religião. Para tal, exige-se uma reformulação das mediações socioanalíticas, ao inserir nelas a antropologia, a etnologia, a psicologia nas suas diversas formas. Reconhece sua carência no campo da pneumatologia, tanto na sua articulação com a pessoa histórica de Jesus, quanto com a eclesiologia. A dimensão da subjetividade e da espiritualidade fora negligenciada. Por distanciar-se do culturalismo e por prender-se demasiado às estruturas socioeconômicas esposara uma visão estreita da cultura. Percebe a necessidade de desenvolver uma confrontação com a cultura, a ética e a religião. Descobre a possibilidade de alianças com movimentos sociais alternativos, regionais e mundiais, em torno desses três campos, valorizando uma presença na sociedade civil em vez de fechar-se exclusivamente numa luta no espaço da sociedade política, do Estado.

Uma
visão preconceituosa da religião popular foi já desde bom tempo confessada e corrigida. Ela não cultivou uma teologia do cotidiano dos pobres no campo religioso ou secular, onde há muito espaço para sua humanização e pequenas libertações. O pobre é também realidade de inspiração e esperança pela sua fé, valores humanos e não só de indignação contra a situação a que foi submetido. Desafia a TdL a nova situação religiosa criada pelos grupos evangélicos neopentecostais. Os pobres mais pobres não freqüentam as CEBs, mas essas igrejas. Elas oferecem respostas às necessidades imediatas do povo pobre. Prometem-lhe para logo a cura divina de seus males físicos e psíquicos, a libertação do demônio (exorcismo), a prosperidade material, o alívio, o consolo e bem-estar espiritual, a dignidade humana pela recuperação dos vícios, experiências de transe e dons carismáticos sob a liderança autoritária do pastor. Seduzem o povo. Falam a um inconsciente povoado de símbolos religiosos tradicionais e afroameríndios, ressemantizando-os. Fazem o oposto das CEBs que o conscientizavam para a luta num horizonte utópico. Dão uma importância ao corpo de cada pessoa, sua saúde, o que a TdL não fez. Alienam as pessoas da consciência política e social para colocar unicamente na fé a solução de seus problemas a curto prazo. O dízimo-sacrifício representa a maneira “compensatória” de obter-se a bênção de Deus. O discurso libertário da TdL necessita ser repensado à luz desse fato de proporções gigantescas, entendendo, recuperando e interpretando na perspectiva libertadora os símbolos religiosos do povo.

Há uma pós-modernidade popular que interpela a TdL. O povo desconfia das “grandes narrativas” libertárias sociais que nada de bem lhe trouxeram. Percebe que os progressos da razão não são para ele. Experimenta antes o reverso da história, daí sua abertura a discursos espiritualistas com soluções imediatas, onde se misturam elementos da pré-modernidade, modernidade e pós-modernidade. A TdL necessita ter a sensibilidade de perceber no povo essa imbricação de horizontes culturais e falar-lhe em termos de fé. A sociedade e a cultura oferecem enorme pluralidade de práticas sociais possíveis, de valores, de perspectivas. No horizonte de suas opções fundamentais é chamada a ajudar o povo a discernir, renunciando um monolitismo de projeto.

Desafia-lhe saber situar-se entre a utopia e a realidade, sem cair no engodo da capitulação diante do neoliberalismo globalizado nem do utopismo idealista. Em termos eclesiais significa navegar contra as correntezas espiritualistas alienantes, o conservadorismo intraeclesial, um catolicismo de marketing mediático. Ontem desafiava a TdL pensar a fé numa situação de pobreza, mantida pela violência dos regimes militares; hoje a pobreza é pior, mas mantida pela ilusão das promessas neoliberais e das igrejas neopentecostais.
Texto: J.B. Libânio

Luís Henrique Alves Pinto

sábado, 24 de dezembro de 2011

Fica decretado. Betto (Excelente)



Decreto de Natal - Frei Betto
Sexta-feira, 23 de dezembro de 2011 -
Fica decretado que, neste Natal, em vez de dar presentes, nos faremos presentes junto aos famintos, carentes e excluídos. Papai Noel será malhado como Judas e, lacradas as chaminés, abriremos corações e portas à chegada salvífica do Menino Jesus.
Por trazer a muitos mais constrangimentos que alegrias, fica decretado que o Natal não mais nos travestirá no que não somos: neste verão escaldante, arrancaremos da árvore de Natal todos os algodões de falsas neves; trocaremos nozes e castanhas por frutas tropicais; renas e trenós por carroças repletas de alimentos não perecíveis; e se algum Papai Noel sobrar por aí, que apareça de bermuda e chinelas.
Fica decretado que, cartas de crianças, só as endereçadas ao Menino Jesus, como a do Lucas, que escreveu convencido de que Caim e Abel não teriam brigado se dormissem em quartos separados; propôs ao Criador ninguém mais nascer nem morrer, e todos nós vivermos para sempre; e, ao ver o presépio, prometeu enviar seu agasalho ao filho desnudo de Maria e José.
Fica decretado que as crianças, em vez de brinquedos e bolas, pedirão bênçãos e graças, abrindo seus corações para destinar aos pobres todo o supérfluo que entulha armários e gavetas. A sobra de um é a necessidade de outro, e quem reparte bens partilha Deus.
Fica decretado que, pelo menos um dia, desligaremos toda a parafernália eletrônica, inclusive o telefone e, recolhidos à solidão, faremos uma viagem ao interior de nosso espírito, lá onde habita Aquele que, distinto de nós, funda a nossa verdadeira identidade. Entregues à meditação, fecharemos os olhos para ver melhor.
Fica decretado que, despidas de pudores, as famílias farão ao menos um momento de oração, lerão um texto bíblico, agradecendo ao Pai de Amor o dom da vida, as alegrias do ano que finda, e até dores que exacerbam a emoção sem que se possa entender com a razão. Finita, a vida é um rio que sabe ter o mar como destino, mas jamais quantas curvas, cachoeiras e pedras haverá de encontrar em seu percurso.
Fica decretado que arrancaremos a espada das mãos de Herodes e nenhuma criança será mais condenada ao trabalho precoce, violentada, surrada ou humilhada. Todas terão direito à ternura e à alegria, à saúde e à escola, ao pão e à paz, ao sonho e à beleza.
Fica decretado que, nos locais de trabalho, as festas de fim de ano terão o dobro de seus custo convertido em cestas básicas a famílias carentes. E será considerado grave pecado abrir uma bebida de valor superior ao salário mensal do empregado que a serve.
Como Deus não tem religião, fica decretado que nenhum fiel considerará a sua mais perfeita que a do outro, nem fará rastejar a sua língua, qual serpente venenosa, nas trilhas da injúria e da perfídia. O Menino do presépio veio para todos, indistintamente, e não há como professar o "Pai Nosso" se o pão também não for nosso, mas privilégio da minoria abastada.
Fica decretado que toda dieta se reverterá em benefício do prato vazio de quem tem fome, e que ninguém dará ao outro um presente embrulhado em bajulação ou escusas intenções. O tempo gasto em fazer laços seja muito inferior ao dedicado a dar abraços.
Fica decretado que as mesas de Natal estarão cobertas de afeto e, dispostos a renascer com o Menino, trataremos de sepultar iras e invejas, amarguras e ambições desmedidas, para que o nosso coração seja acolhedor como a manjedoura de Belém.
Fica decretado que, como os reis magos, todos daremos um voto de confiança à estrela, para que ela conduza este país a dias melhores. Não buscaremos o nosso próprio interesse, mas o da maioria, sobretudo dos que, à semelhança de José e Maria, foram excluídos da cidade e, como uma família sem-terra, obrigados a ocupar um pasto, onde brilhou a esperança.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Natal. Mesters

1. SITUANDO
O motivo que levou José e Maria a viajar para Belém foi o recenseamento decretado pelo imperador de Roma (Lc 2,1-7). Periodicamente, as autoridades romanas decretavam tais recenseamentos nas várias regiões do seu imenso império. Era para recadastrar a população e saber quanto cada pessoa tinha que pagar de imposto. Os ricos pagavam imposto sobre a terra e sobre os bens que possuíam. Os pobres pagavam pelo número de filhos. Às vezes, o imposto total chegava a mais de 50% dos rendimentos da pessoa.
Há uma diferença significativa entre o nascimento de Jesus e o nascimento de João. João nasce em casa, na sua terra, no meio dos parentes e vizinhos e é acolhido por todos (Lc 1,57-58). Jesus nasce desconhecido, fora de sua terra, no meio dos pobres, fora do ambiente da família e da vizinhança. "Não havia lugar para ele na hospedaria". Teve que ser deitado numa manjedoura.

2. COMENTANDO
2.1 Lucas 2,8-9: Os primeiros convidados
Os pastores eram pessoas marginalizadas, pouco apreciadas. Viviam junto com os animais, separados do convívio humano. Por causa do contato permanente com os animais eram considerados impuros. Ninguém jamais os convidava para vir visitar um recém-nascido. É a estes pastores que aparece o anjo do Senhor para transmitir a grande notícia do nascimento de Jesus. Diante da aparição dos anjos, eles ficam com medo.
2.2 Lucas 2,10-12: O primeiro anúncio da boa-nova
A primeira palavra do anjo é: "Não tenham medo!" A segunda é: "Alegria para todo o povo!" A terceira é: "Hoje!" Em seguida, vêm três nomes para identificar quem é Jesus: Salvador, Cristo e Senhor! SALVADOR é aquele que liberta todos de tudo que os amarra! Os governantes daquele tempo gostavam de usar o título de Salvador (Soter). CRISTO significa ungido ou messias. Era um título dado aos reis e aos profetas. Era também o título do futuro libertador. Significa que esse menino recém-nascido veio realizar as esperanças do povo. SENHOR era o nome que se dava ao próprio Deus! São os três maiores títulos que se possa imaginar. A partir deste anúncio do nascimento de Jesus como Salvador, Cristo e Senhor, você imagina alguém da mais alta categoria. E o anjo lhe diz: "Atenção! Tem um sinal! Você vai encontrar um menino deitado num barraco no meio dos pobres!" Você acreditaria? O jeito de Deus é diferente mesmo!
2.3 Lucas 2,13-14: Glória no mundo de cima, Paz no mundo de baixo
Uma multidão de anjos aparece e desce do céu. É o céu desabando sobre a terra. As duas frases do refrão que eles cantam dão o resumo do que Deus quer com o seu projeto. A primeira diz o que acontece no mundo lá de cima: "Glória a Deus nas alturas". A segunda diz o que vai acontecer no mundo cá de baixo: "Paz na terra aos seres humanos por ele amados". Se a gente pudesse experimentar o que significa realmente ser amado por Deus, então tudo mudaria e a paz viria morar na terra. E isto seria a maior glória para Deus que mora nas alturas.
2.4 Lucas 2,15-20: A palavra vai sendo acolhida e encarnada
A Palavra de Deus não é apenas um som que a boca produz. Ela é, sobretudo, um acontecimento! Os pastores dizem, literalmente: "Vamos ver esta palavra que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer!" Em seguida, Lucas diz que "Maria conservava estas palavras (acontecimentos) em seu coração" e as ruminava. São duas maneiras de se perceber  e acolher a Palavra de Deus: 1) Os pastores se levantam para ir ver os fatos e verificar neles o sinal que foi dado pelo anjo; 2) Maria conserva os fatos na memória e as confere no coração. Ou seja, ela conhece a Bíblia e tenta entender os fatos novos iluminando-os com a luz da Palavra de Deus.

3. ALARGANDO                                                                                                                
Novamente, ao longo da descrição do nascimento de Jesus, Lucas sugere que as profecias se realizaram! Eis algumas delas:
  • Apareceu a luz das nações, anunciada por Isaías! (Is 9,1; 42,6; 49,6).
  • Nasceu o menino, prometido pelo mesmo profeta (Is 9,5; 7,14).
  • O menino que devia nascer para dar alegria ao povo e trazer a salvação de Deus (Is 9,2).
  • Ele nasceu em Belém. Por isso é o Messias prometido, conforme anunciou Miquéias (Mq 5,1).
  • Chegou o tempo da paz anunciada por Isaías, em que animais e seres humanos vão se reconciliar e farão desaparecer da terra toda a violência assassina (Is 11,6-9).
O imperador romano pensava ser o dono do mundo. Na realidade, ele não passava de um empregado. Sem saber e sem querer, ele executava os planos de Deus, pois o decreto imperial fez com que Jesus pudesse nascer em Belém e realizar a profecia (Lc 2,1-7).
O que chama a atenção neste texto são os contrastes:
  • Na escuridão da noite brilho uma luz (2,8-9)
  • O mundo lá de cima, o céu, parece desabar e envolver  nosso mundo cá de baixo (2, 13).
  • A grandeza de Deus se manifesta na fraqueza de uma criança (2,7)
  • A glória de Deus se faz presente numa manjedoura de animais (2,16)
  • O medo provocado pela repentina aparição do anjo dá lugar à alegria (2,9-10)
  • Pessoas que vivem marginalizadas de tudo são as primeiras convidadas (2,8)
  • Os pastores reconheceram Deus presente numa criança (2,20)
Outro dia, foi dado o aviso: "O celebrante de hoje será o senhor João!" Muitas pessoas não aceitaram e saíram. Diziam: "O João nem sabe ler direito!" Qual a mensagem de Natal para estas pessoas que recusam o senhor João?

Natal.Marcelo Barros OSB

Irmãs e irmãos da comunidade de Mateus,
Quero conversar com vocês como se estivéssemos uns diante dos outros e vocês fossem conterrâneos deste final de século conturbado e tão carente de esperanças. No começo, pensei em escrever uma carta pessoal a Mateus, mas nenhum livro da Bíblia é de cunho somente individual. Além disso, embora desde os tempos mais antigos todos atribuam a Mateus a honra de ser o redator deste livro, nem ele assinou nem chama o texto de Evangelho (como Marcos inicia dizendo: "Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus"). Então, escrevo a vocês da comunidade, que participaram da experiência que gerou o texto de Mateus.
(...)
Ao contar a visita dos magos a Jesus Menino, vocês não pretendiam narrar um relato histórico ou um fato jornalístico. Quiseram significar o encontro de Jesus com os outros povos e culturas. Fizeram isso comentando textos bíblicos como Isaías 60, o salmo 72 e a profecia de Balaão (Nm 22-24). Vocês os comentam como os rabinos faziam, contando histórias (midrash), e nos presen­tearam esse relato tão bonito.
O poema do discípulo de Isaías (Is 60) e, talvez, mesmo o salmo vêm de uma época na qual Jerusalém estava sendo reconstruí­da. Os recursos eram poucos e, em comparação ao que era antes de ser destruída pelos babilônios, era uma aldeia. O profeta vê o sol nascer sobre a cidade e proclama a promessa de Deus de que, um dia, Jerusalém será luminosa e cheia de glória e os reis das nações a ela acorrerão trazendo presentes. Num contexto de sofrimento e de revalorização da identidade do povo pobre, aquela visão nada tinha de etnocentrismo. Era universalista. Aplicando essa profecia aos magos que vêm homenagear a criança pobre que nasceu em Belém, vocês a tornam mais universal ainda.
Embora não tenham dito que os magos eram reis e santos, como a tradição soube acrescentar, vocês contaram que eles gostavam das estrelas e vieram de longe, do oriente, atrás de uma estrela e em busca do Rei dos judeus que acabara de nascer neste mundo.
Com esse novo comentário narrativo de textos bíblicos (mídrash), desde o início do Evangelho, vocês associam as culturas e religiões diferentes à busca de Deus, ao reconhecimento de Jesus como "Rei dos Judeus" e ao acolhimento do Reino de Deus (ou dos céus, como vocês o chamam).
Na cultura judaica na qual a comunidade estava inserida, não deve ter sido fácil para vocês reconhecerem que até a astrologia e a interpretação dos sonhos podem conduzir pessoas como os magos ao Senhor. (Chouraqui chama os magos de "astrólogos'' ¹¹). Na região da Síria e da Ásia Menor era praticada a religião do deus Mitra. Era um sincretismo de antigos cultos ao sol. Os fiéis de Mitra contavam que o seu deus nasceu numa caverna na noite de 25 de dezembro (solstício do inverno e festa do sol que renasce do frio e da escuri­dão das noites cada vez mais longas). Aliás, por acaso, os sacerdotes de Mitra se chamavam "magos", porque eram homens que lidavam com os astros e com os mistérios da vida.
Será que, ao contar a bela história dos magos que vieram a Belém adorar o menino Jesus, vocês quiseram assumir algo da história de Mitra e transpô-la para o contexto cristão? Hoje, falamos muito de inculturação. Mas ainda há muitos bispos e pastores que têm preconceito contra sincretismo. Será que, nessa história, vocês da comunidade de ‘Mateus queriam nos ensinar que há um tipo de sincretismo que é válido e compreensível?

Natal, Luigi Ceppi

Outro Natal é possível!
Onde o Menino Jesus não fique envergonhado,
Ao ser escanteado e substituído pelo Papai Noel,
Verdadeiro mascote de vendas e lucros.

Onde as crianças, além de brinquedos,
Ganhem oportunidades de saúde, escola e lazer,
E possam exibir o sorriso largo e o olhar luminoso.

Onde os pais de crianças pobres não sejam inferiorizados
Diante dos apelos do marketing e da propaganda,
Com a tirania da última novidade em brinquedos;

Onde, além da mesa e da ceia natalina,
Estejam recheados o coração e o espírito,
Dos que buscam a justiça, o direito e a paz.

Onde as luzes e cores, presentes e enfeites,
Não formem um verniz de falsidade e ilusão,
Mas expressem um clima de alegria fraterna.

Onde o presépio relembre a cada pessoa e família,
O valor dos laços primários, sólidos, duradouros,
Alicerce de um edifício social sadio e saudável.

Onde o planeta Terra, casa de Deus e casa de todos,
Seja livre da devastação, corrupção e poluição,
Sonho eterno do bem viver e da terra sem males!

Onde os olhos brilhem e os corpos dancem,
Embriagados não pelo prazer e as drogas do egoísmo,
Mas pelas mãos e braços abertos à solidariedade.

Onde o Deus do caminho prevaleça sobre o Deus do templo,
Verbo que se faz carne e arma sua tenda entre nós.
Vem, Senhor Jesus, fica e caminha conosco!