sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Islamismo-Cristianismo

''No diálogo com o Islã, é preciso partir do Concílio'' O 50º aniversário do Vaticano II também é "a oportunidade para relançar as relações inter-religiosas", destaca um dos maiores especialistas nas relações entre cristãos e muçulmanos, Khaled Fouad Allam. A reportagem é de Giacomo Galeazzi, publicada no sítio Vatican Insider, 31-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Eis a entrevista. Professor, o Concílio foi uma escola de ecumenismo? O Vaticano II também estabeleceu as bases para um diálogo com o mundo muçulmano. Certamente, nos anos 1960, o período era mais ou menos eufórico, porque grande parte do mundo muçulmano havia iniciado a sua fase de descolonização, de libertação, e, portanto, à libertação política, obviamente também devia se seguir uma liberação das incompreensões entre os mundo cristão e o muçulmano. Há toda uma geração de estudiosos do Islã e de muçulmanos que contribuíram para a elaboração desse maior conhecimento do Islã, em uma dupla direção, seja na do mundo cristão, seja na dos muçulmanos, em uma época em que a taxa de analfabetismo nos países muçulmanos era extremamente alta. Eu poderia citar o islamólogo Muhammed Arkoun, falecido há dois anos, de origem argelina, o islamólogo octogenário Muhammed Talbi, que há alguns anos recebeu o Prêmio Agnelli. Nós temos o dever de contribuir dentro do que é possível para uma memória compartilhada, mas, por enquanto, como ressaltei várias vezes, continuamos mantendo quase intacta uma espécie de divórcio entre história e memória. O Islã é história para os orientalistas e os cultos, mas não é memória compartilhada, permanece distante, apesar da proximidade das distâncias geográficas. Gosto de repetir que Palermo está a uma hora de avião de Túnis. Mas por enquanto não conseguimos. Atenção: isso é recíproco. O mundo muçulmano também deve ser capaz de sair dessa visão do Ocidente como origem de todos os seus males e deve fazer um trabalho em profundidade. Deve ser capaz de recuperar coisas que também fazem parte da sua memória, memória cultural, sobre a qual, no entanto, o Islã, como civilização, reelaborou alguns dados. Não se pode negar a contribuição greco-romana, cristã, judaica e até no Islã da Ásia, com as diversas conexões entre o próprio Islã e o budismo. Um grande islamólogo japonês, Toshihiko Izutsu, foi o primeiro há mais de 50 anos a repassar essas conexões. Mas, no Islã, mesmo lá não conseguimos. Volta à mente a imagem catastrófica da destruição dos Budas no Afeganistão. O choque de civilizações é inevitável? Nos períodos de crise como a que vivemos atualmente, que eu acredito que não é apenas uma crise exclusivamente econômica, mas também uma crise em realidades de civilização, isto é, de como se faz sociedade e de como funcionarão as sociedades nos próximos 30 anos, o pior risco da incomunicabilidade entre cristãos e muçulmanos é o de encontrar em um ou em outro um bode expiatório. Os recentes atentados contra os cristãos no Egito são maus sinais. O atentado de Tolouse perpetrado por franco-argelinos membros da Al Qaeda, matando um rabino e jovens de uma escola judaica, mais alguns soldados franceses de origem mahgrebina, em uma fase como esta, corre o risco de aumentar o medo e o estereótipo da percepção do outro. O estereótipo, quando se torna ingovernável, pode levar à catástrofe. Vem à mente o que aconteceu não muito longe de Trieste, a guerra da ex-Iugoslávia. O risco é sempre a passagem da culpabilidade individual para a culpa coletiva. As guerras nascem justamente sobre essa base. Existe um Islã moderado? O que se destaca no mundo muçulmano é o empobrecimento cultural das novas gerações, mesmo entre aqueles que pertencem a partidos religiosos. Esquecemo-nos do primeiro relatório do PNUD (órgão das Nações Unidas) publicado em 2001 sobre a democracia no mundo árabe, em que os especialistas de origem árabe ou não enfatizavam a regressão desse mundo no plano social e cultural. Em 2001, ele foi traduzido em todo o mundo árabe, menos na Coreia do Norte. Precisamos refundar uma espécie de pacto intelectual, isto é, a necessidade de produzir edições críticas, dar livre curso à liberdade de expressão. Na madrugada desta Primavera Árabe, parece-me evidente enfatizar que uma democracia sem liberdade de expressão é exatamente como um vaso de flores sem água, que pouco a pouco morrerá. Nisso também o papel do intelectual é importante. Mas há uma diferença com o Ocidente, pois aqui vejo os intelectuais cada vez mais resignados em todos os campos. Quando eu volto para o mundo árabe, o ar que se respira é diferente. O intelectual tem a consciência de ser copartícipe do destino não apenas da sua própria história, mas também da sua nação, enquanto, infelizmente, e eu lamento isso, eu vejo muitas vezes os intelectuais no Ocidente passivos, desencantados. Qual a incidência da globalização nisso? A própria globalização, apesar de tudo, vai nos obrigar a um conhecimento recíproco, porque a globalização implicará o fato de viver juntos e, portanto, de tentar se comunicar. Eu também leciono para estudantes norte-americanos em Stanford e todos os anos eu lhes pergunto as suas origens: em 90% dos casos, são todos nascidos de casamentos mistos, de que tem a mãe de origem iraniana e o pai de origem irlandesa, de quem tem a mãe italiana e o pai de origem latino-americana etc. Essa não é apenas uma questão de casamentos mistos, mas também envolve uma busca e uma reformulação das origens e um conhecimento. A complexidade do nosso viver hoje é também esse, mas ainda não temos a consciência disso.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Originalidade do profetea Amos

Profeta Amós, a luta contra a injustiça social e o juízo iminente Provavelmente as composições mais antigas do livro do profeta Amós, na Bíblia obviamente (Amós 1-6; 7-9) datam de meados do século VIII a.C., e surgiram como literatura de protesto e resistência. “O acento principal da mensagem de Amós está na crítica social e no anúncio de um juízo iminente de Deus na história, bem como na tênue, mas clara exigência do restabelecimento da justiça como alicerce das relações sociais”[1]. Amós é um profeta precursor, radical, exemplar e paradigmático. A profecia de Amós é, em certo modo, um divisor de águas na história da profecia no sentido de que instaura um novo jeito de ser profeta. O livro de Amós está organizado em duas grandes unidades literárias: I) Am 1-6: Palavras e II) Am 7-9: Visões. Am 4,4-13 nos ajuda a refletir sobre três aspectos fundamentais da ética profética, intimamente entrelaçados. Esses são: a) a concepção de pecado em relação ao culto; b) em relação à história; c) e os limites de uma possível reconciliação com Deus. A pergunta que se coloca na base e no fim do estudo de Am 4,4-13[2] é: Trata-se de um anúncio de punição in extremis diante da incapacidade de Israel de reagir, ou de uma velada promessa de perdão? Ou existe uma outra interpretação possível? A declaração final de Javé – Deus solidário com os pisados e libertador dos oprimidos - ao ser humano que fecha a unidade Am 4,4-13 constitui-se quase como uma nova revelação do Sinai, que deve por fim ao conflito entre o ser humano e a divindade, em favor do ser humano. As punições didáticas de Javé deixam lugar a um esclarecimento que abre o coração do ser humano para que veja o conjunto da sua história e possa render-se conta do seu processo de endurecimento. Am 4,4-13 evoca, portanto, uma situação na qual há certa semelhança com aquela do relato das pragas do Egito, mas não é obviamente, a recordação daqueles fatos. O discurso de Amós menciona, talvez, um passado histórico não identificável nem pela forma e nem pelo conteúdo do texto. As pragas do tempo do Êxodo feriam o Egito, não Israel, e de uma maneira diferente da relatada no livro de Amós capítulo 4. Além do mais, as tais “pragas” eram no mundo antigo, e são ainda nas culturas rústicas, o resultado obrigado de situações críticas naturais ou políticas: a fome é o resultado de toda estiagem prolongada e peste nas plantações, assim como a morte dos jovens (Am 4,10) é o efeito de toda batalha militar, no mundo antigo e moderno. Às pragas ou punições descritas se reúnem ainda a menção a Sodoma e Gomorra. O discurso de Amós 4 quer, portanto, dar conta de toda a antiga história de Israel, também de Israel patriarcal, para aplicá-la a uma nova situação. Um ponto particular de relação com o Êxodo é a presença do refrão “mas não retornastes a mim” que estrutura o texto de Amós 4,4-13. Assim, como no relato das pragas o endurecimento do coração do Faraó é o motivo estruturante que faz aumentar as pragas. No relato do Êxodo, um primeiro grupo de textos, atribuídos tradicionalmente à fonte Javista (J), apresenta de fato Faraó como responsável pelo seu próprio endurecimento, como havia predito Deus (Cf. Ex 7,14.22; 8,11.15.28; 9,7.34). O outro grupo de textos (os chamados “heloístas”) atribui a obstinação ora a Faraó (Ex 9,35) ora a Deus mesmo (Ex 10,20.27). O relato sacerdotal (P) o atribui habitualmente a Javé. Esta diversidade de concepção no atribuir a responsabilidade pelo pecado aparece também em outros textos fora do Êxodo, com diferente vocabulário e problemática. Em 2º Samuel 24,1, Javé é o responsável direto pelo pecado de Davi devido ao recenseamento. Segundo 1º Crônica 21,1 a responsabilidade é, ao invés, de Satanás. O verbo hebraico usado é o mesmo: swt (= incitar, seduzir). Tanto em Êxodo como em Am 4,4-13 se coloca um grande problema exegético e teológico: É possível e legítimo que Deus continue a aplicar punições que levam a um endurecimento sempre crescente? Não se comporta Javé assim como o pai que exagera, com sua punição, ao seu filho e força-o a se rebelar (Cf. Efésios 6,4)? É necessário reconhecer que por trás dos textos bíblicos de endurecimento há o mistério da liberdade humana e da “onipotência” divina. Em relação a Deus, há uma consciência profética que as obras e a Palavra de Deus não podem permanecer sem efeito (Cf. Isaías 55,11), mas é sempre eficaz (não eficiente). Se não produzem imediatamente a conversão, devem amadurecer o sujeito para uma nova prova, o que, em última análise, não exclui a possibilidade de conversão. Em relação à pessoa punida, há uma consciência do fato que a exortação à conversão, quando não ouvida, se torna uma condenação. Isto é, nada mais, nada menos, que a dinâmica das relações interpessoais. Quando duas pessoas percebem uma mútua existência começa uma comunicação humana, que pode progredir, parar ou, eventualmente, morrer. Mas enquanto existe, cada ação e reação levam à evolução ou diminuição daquela relação. Todo ato (ou omissão) nas relações interpessoais somam e cultivam a relação ou a empobrece descultivando-a. Nenhuma atitude fica neutra. De modo semelhante, na relação do ser humano com Deus, cada ação que não melhora a relação, a piora, mas jamais a deixa igual. Se não se aceita um convite à conversão, como uma oferta de amizade, o recusa. Por um lado, esta recusa tornará mais difícil que aconteça um novo convite.[3] E de outra parte quem recusou dificilmente voltará atrás para aceitar uma nova oferta, o que implicaria em reconhecer o erro precedente, o que é mais difícil. Em relação aos profetas e profetisas, este processo se explica na medita em que os/as “intérpretes de Javé” sabem do paradoxo da missão deles/as. Os profetas e profetisas sabem que a palavra profética conduz, às vezes, à conversão de alguns poucos, mas na maioria das vezes leva ao endurecimento de muitos. Os oráculos de condenação no futuro, pronunciados com absoluta segurança, implicam nos profetas a consciência que a advertência seria inútil. A consciência que os profetas e profetisas têm das três realidades descritas acima se apresenta, de modo muito claro, em Isaías 6,9-11: “Então disse ele: Vai, e dize a este povo: Ouvis, de fato, e não entendeis, e vedes, em verdade, mas não percebeis. Engorda o coração deste povo, e faze-lhe pesados os ouvidos, e fecha-lhe os olhos; para que ele não veja com os seus olhos, e não ouça com os seus ouvidos, nem entenda com o seu coração, nem se converta e seja sarado. Então disse eu: Até quando Senhor? E respondeu: Até que sejam desoladas as cidades e fiquem sem habitantes, e as casas sem moradores, e a terra seja de todo assolada”. Em Am 7,14, o profeta Amós se recusa a ser considerado profeta, nos termos do sacerdote Amasias, cúmplice de um poder político opressor. Amós se define como “vaqueiro” e cultivador de sicômoros. Em Am 7,15, Amós parece ser um pastor que cuida do rebanho miúdo (ovelhas e cabras), mas não um vaqueiro. Em Am 7,10-17[4] não há a intenção primeira de descrever pessoalmente a profissão do profeta, mas enfatiza o fato de que Amós foi retirado da sua vida precedente, do seu mundo, das preocupações domésticas para proclamar a Palavra de Deus. Am 7,10-17 quer legitimar o conteúdo da profecia de Amós e ajudar a comunidade superar todos os preconceitos que possam existir contra o profeta por causa da sua origem humilde, como se fosse um “nordestino”, um sem-terra, um sem-casa, um menor de rua, um portador de HIV, um homossexual etc. O relato de Am 7,10-17 quer nos dizer que a profecia vem da margem, da periferia, do meio dos marginalizados e excluídos. São estes, por excelência, os “intérpretes de Javé”. Na Bíblia este “gênero” é utilizado para descrever de maneira diferente as vocações de Moisés, Gedeão, Eliseu e Saul. Mas uma estreita relação se encontra em 2º Samuel 7,8. Natã transmite a Davi a mensagem de Javé: “Eu te tirei das pastagens, pastoreavas as ovelhas”. O elemento que caracteriza estas situações não é o fato do convocado pertencer a um grupo, mas, ao contrário, o fato dele ser um “de fora”, um excluído. Assim Am 7,14 quer exprimir a distância de Amós das formas institucionais da profecia e dos profetas “da corte”. O relato do confronto entre o sacerdote Amasias e Amós (com a implicada presença do rei) oferece a justificação da decisão de Javé. O povo não somente não ouviu as diversas palavras transmitidas pelo profeta Amós, mas decidiu silenciá-lo, expulsando-o para sua terra. Já não há nada mais a esperar senão o fim definitivo, e diante desse resta somente a lamentação. O profeta anuncia a necessidade de conversão; pede perdão a Deus pelo povo; pede para parar a punição. O rei (e a monarquia) e o Templo expulsam o profeta, silenciando-o. O povo sofrerá muito mais. Ai de um povo que não escuta seus profetas e profetisas, e pior ainda, que os persegue, expulsa e os silencia. A perícope de Am 7,10-17 revela a interpretação que setores da classe dominante tinham do conteúdo da profecia de Amós. Aos olhos da elite, o profeta é um “conspirador”, interessado em “golpe de estado”. Para Javé e o povo empobrecido Amós é um profeta, porta voz do Deus da vida para todos e tudo. Para a elite ele é um “subversivo”, um agitador. Em Am 4,1-3 temos a seguinte profecia: “OUVI esta palavra, vacas de Basã, que estais sobre o monte de Samaria, que oprimis os fracos, que esmagais os excluídos, que dizeis aos vossos senhores: “Trazei-nos o que beber!”. O Senhor Javé jurou, pela sua santidade: sim, dias virão sobre vós, em que vos carregarão com ganchos e a vossos descendentes com arpões (de pesca). E saíreis pelas brechas que cada uma tem diante de si, e sereis empurradas em direção ao Hermon, oráculo de Javé”. Segundo uma interpretação tradicional, Am 4,1-3 seria uma investida do profeta Amós contra as mulheres ricas de Samaria, designadas como “vacas de Basã”, mulheres de personagens importantes, que ocupam o tempo em luxuosos banquetes, e ao mesmo tempo são responsáveis pela opressão e exploração dos empobrecidos. A imagem de um banquete só de madames é, no mínimo, algo curioso em uma sociedade reconhecidamente machista e patriarcal, assim como atribuir às mulheres a responsabilidade pela opressão e pela injustiça. A região de Basã, como o Líbano e o Carmelo, é famosa pela fertilidade do solo. A tristeza causada pela punição divina se manifesta na debilidade do Líbano, do Basã, do Carmelo e do Saron (Cf. Isaías 33,9). Ao contrário, a generosidade divina se expressa no nutrimento do povo com a “manteiga das ovelhas e dos touros de Basã” (Cf. Deuteronômio 32,14). O anúncio messiânico, com o qual se conclui o livro de Miquéias, inclui a promessa de um pasto abundante “em Basã e em Galaad, como nos dias antigos (Cf. Miquéias 7,14). No ambiente de louvor do Salmo 68 o “Basã” são os montes (Sl 68,16) que testemunham, junto com o Sinai e a natureza, a grandeza das obras de Javé. Logo integrar “Basã” em uma imagem depreciativa é algo estranho ao uso corrente de “Basã” na Bíblia. De “vaca de Basã” não se fala em nenhum outro lugar no Primeiro Testamento da Bíblia. As montanhas de Basã são famosas pelos seus touros, cabritos e carneiros (mas não vacas; cf. Dt 32,14). Por isso os touros de Basã podem ser imagens dos inimigos poderosos (cf. Salmo 22,13 e, sobretudo, Ezequiel 39,18). A expressão “vacas de Basã” adquire um sentido mais verdadeiro dentro da cultura bíblica se o termo “vacas” não for utilizado em relação a mulheres, mas a homens, aqueles que quiseram ser como os touros de Basã, pela força deles, autoridade e dignidade se tornaram “vacas”, com as conotações depreciativas que as formas femininas podem ter no Primeiro Testamento. Neste contexto, os “seus senhores” (Am 4,1b, com sufixo masculino) se referem provavelmente não aos “maridos”, como propõem algumas traduções, um uso pelo qual não se tem nenhuma outra ocorrência, mas refere-se a uma pessoa de mais autoridade (política). “Senhor”, além do freqüente uso como título divino, se refere a Acab (2 Reis 10,2.3.6), ao Faraó (Gênesis 40,1), ao Rei da Babilônia (Jeremias 27,4), e em casos isolados a várias pessoas: “outros senhores...” (Isaías 26,13). Na profecia de Amós está “uma crítica veemente e contundente aos agentes e mecanismos de exploração e opressão dos camponeses empobrecidos sob o governo expansionista do rei Jeroboão II e sob as condições de um incremento de relações de empréstimos e dívidas entre pessoas do próprio povo no século VIII a.C.”[5]. Em outros termos, o profeta Amós não apenas critica pessoas corruptas, mas questiona também de modo muito forte o sistema gerador de pessoas corruptas. Não somente as mazelas pessoais estão na mira do “camponês” que entrou para a história como um grande profeta. Amós tem consciência de que o problema fundamental da injustiça reinante na sociedade não é fruto somente de fraquezas e ambigüidades pessoais, mas tem como causa motriz estruturas sócio-econômico-político-cultural e religiosas que engrenam uma máquina de moer pessoas. Na mira do profeta Amós também estão relações comerciais que causam endividamento, aprisionam pessoas e escravizam, retirando a liberdade de ser pessoa humana. Além das denúncias sociais, a profecia de Amós destaca-se com o anúncio de um juízo iminente de Javé na história do seu povo. Amós inverte as expectativas quanto a um tão sonhado “dia de Javé” (Am 5,18-20). Este não será mais uma “ideologia de segurança político-religiosa” pelos fortes de Israel. A perversão da justiça para os pobres, a opressão dos empobrecidos e a exploração das pessoas mais enfraquecidas clama pelo juízo divino. O “dia de Javé” será um “dia mau” sobre os fortes de Israel, sobre o estado tributário, suas instituições e seus agentes. Amós critica com coragem a “corrida armamentista” de Israel. Ele anuncia que serão desmanteladas as forças militares dos estados vizinhos (Amós 1,5.8b.14b; 2,2b) e sobretudo de Israel (Amós 2,13-16; 3,11b; 5,2-3; 6,13-14). O profeta Amós denuncia duramente também as instituições religiosas que estão justificando o processo de extorsão de tributos da população camponesa (Am 4,4-5; 5,21-23). Pelo conluio com a opressão econômica a religião oficial também será dizimada (templos) e seus agentes (Am 5,27; 7,9; 9,1). “Odeiem o mal e amem o bem: restabeleçam no portão a justiça!” (Am 5,15). “Aqui está a exigência positiva por excelência na profecia de Amós. Os israelitas são conclamados a reconstruir as relações sociais baseadas na justiça e no direito (mishpat / sedaqah – em hebraico). Só assim será possível escapar do juízo vindouro anunciado. O futuro de um “resto” passa pela prática de Justiça”[6]. O juízo abre caminho para a justiça. A presença dos profetas e profetizas no meio do povo deixa Javé livre de qualquer responsabilidade diante da punição que o povo merece. Não precisa nem explicitar a atualidade da profecia de Amós. Que cada leitor/a faça as atualizações necessárias. Frei Gilv. ord Carm. Notas: [1] HAROLDO REIMER, “Amós – profeta de juízo e justiça”, em Os livros proféticos: a voz dos profetas e suas releituras, RIBLA 35-36, Ed. Vozes, Petrópolis e Ed. Sinodal, São Leopoldo, 2000, p. 171. [2] Para melhor compreensão sugiro ler na Bíblia Am 4,4-13 (capítulo 4, versículos de 4 a 13) antes de prosseguir a leitura do nosso texto. [3] Gato escaldado com água quente tem medo até de água fria, diz a sabedoria popular. [4] Sugiro ler na Bíblia Am 7,1-17 antes de prosseguir a leitura do nosso texto. [5] HAROLDO REIMER, “Amós – profeta de juízo e justiça”, em Os livros proféticos: a voz dos profetas e suas releituras, RIBLA 35-36, Ed. Vozes, Petrópolis e Ed. Sinodal, São Leopoldo, 2000, p. 188. [6] HAROLDO REIMER, “Amós – profeta de juízo e justiça”, em Os livros proféticos: a voz dos profetas e suas releituras, RIBLA 35-36, Ed. Vozes, Petrópolis e Ed. Sinodal, São Leopoldo, 2000, p. 189.

sábado, 28 de julho de 2012

M.Madalena e a Samaritana

O que Maria Madalena e a samaritana ensinam à Igreja A mulher samaritana é a primeira a reconhecer Jesus como o Messias. Maria Madalena é a primeira a reconhecer o Cristo ressuscitado. Isso não é pouca coisa. O comentário é de Jamie L. Manson, mestre em teologia católica e ética sexual pela Yale Divinity School, em artigo publicado no sítio do jornal National Catholic Reporter, 24-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Eis o texto. Comunidades em todos os Estados Unidos ofereceram liturgias especiais no último fim de semana para homenagear Maria Madalena, cuja festa foi no domingo. Uma comunidade em San Diego me convidou para pregar em sua celebração à "Apóstola dos Apóstolos". Em vez de escolher uma narrativa do Evangelho sobre Maria Madalena, eles optaram pela história da mulher samaritana do capítulo 4 do Evangelho de João. Olhando para esse texto e comparando-o à história de Maria Madalena, eu fiquei impressionada com os paralelos que eu encontrei entre essas mulheres. Aqueles que já ouviram falar de Maria Madalena e da mulher samaritana, ou "da mulher no poço", como ela também é conhecida, com toda a probabilidade já tiveram a impressão de que essas duas mulheres foram resgatadas por Jesus de suas vidas sexualmente imorais. Na verdade, alguns dos melhores biblistas, muitos deles homens, propuseram que os "cinco maridos" da mulher samaritana e "o homem que ela tem agora" podem ser apenas um símbolo dos seis deuses (além de Javé), que os samaritanos eram acusados de adorar. O grande estudioso Raymond Brown indica que a palavra hebraica para "marido" também era usada para divindades pagãs naqueles dias. No tempo de Jesus, os samaritanos eram considerados impuros, tanto que apenas o fato de entrar na Samaria era considerado contaminador. Que Jesus não só fosse para aquela terra, mas também falasse com uma mulher de lá era impensável. Alguns estudiosos acreditam que João, o evangelista, um dos grandes simbologistas das escrituras, pode estar usando o personagem da mulher samaritana como um símbolo para os samaritanos. Essa interpretação faz sentido, porque Jesus nunca julga a mulher samaritana ou lhe diz explicitamente para se afastar do pecado, nem a perdoa por qualquer comportamento ilícito. Tudo o que ele faz é revelar a ela a sua verdadeira natureza, sabendo que no fim ela irá reconhecê-lo. Maria Madalena é outra mulher do Evangelho de João que é famosa por reconhecer Jesus. Tem sido difícil, no entanto, compreender a sua história verdadeira, já que todos, desde o Papa Gregório, no século VI, até Tim Rice e Andrew Lloyd Webber nos anos 1970 fizeram com que acreditássemos que ela era uma adúltera e uma pecadora arrependida. Maria de Magdala é talvez a figura mais deturpada de toda a tradição cristã. Desde o século IV, as histórias, os vitrais e as pinturas têm a retratado como uma prostituta e pecadora pública, que, depois de encontrar Jesus, passou o resto de sua vida em oração e penitência privadas. Essa interpretação não tem fundamentos nas Escrituras. João a descreve como a principal testemunha dos eventos mais centrais da fé cristã. Ela é a primeira a descobrir o túmulo vazio. O Cristo ressuscitado a escolhe para anunciar a boa notícia da sua ressurreição aos outros discípulos, o que levou alguns Padres da Igreja primitiva a declará-la "a Apóstola dos Apóstolos". O fato de a mensagem da ressurreição ter sido confiada em primeiro lugar a mulheres é uma forte prova de que a ressurreição realmente aconteceu. Se os relatos da ressurreição de Jesus fossem mentiras ou fabricações, uma mulher nunca teria sido escolhida como testemunha, já que a lei judaica não reconhecia o testemunho das mulheres. A mulher samaritana é a primeira a reconhecer Jesus como o Messias. Maria Madalena é a primeira a reconhecer o Cristo ressuscitado. Isso não é pouca coisa no Evangelho de João, em que há três tipos de pessoas. Há aqueles que se agitam em torno da história do Evangelho sabendo que Jesus é especial, mas que não têm bem certeza por quê. Os discípulos homens seria um exemplo perfeito. Depois, há aqueles que sabem que Jesus é o Messias e estão dispostos a matá-lo por causa disso. E, por último, há um pequeno grupo de discípulos que, depois de um profundo envolvimento com Jesus, reconhecem-no como o Messias e confessam isso publicamente. A mulher samaritana é a primeira discípula a reconhecer Jesus como o Messias prometido, e o seu testemunho lhe traz muitos seguidores na Samaria. Maria Madalena é a primeira discípula a testemunhar Jesus ressuscitado e a proclamar a ressurreição aos discípulos homens. Elas não foram simplesmente as primeiras mulheres a reconhecer Jesus. Elas foram as primeiras “discípulas” a reconhecê-lo. Não é preciso ler o Evangelho de João através de uma lente feminista para ver exatamente como essas histórias devem ter sido escandalosas para uma audiência do século I. É irônico e trágico que a proeminência de Maria Madalena e da mulher samaritana na história de Jesus tenha forçado os homens "fazedores de tradição" a transformá-las, cada uma, em tipo diferente de mulher escandalosa. Ao invés de honrar seu discipulado modelo, elas foram sexualizadas e transformadas mulheres fracas e pecadoras, necessitadas de redenção. Mas me chama a atenção que muitas pessoas da Igreja institucional continuam fazendo o mesmo hoje com as mulheres e as pessoas LGBT. Ao invés de celebrar os dons extraordinários que as mulheres trouxeram para a Igreja ao longo dos tempos, nos é dito que a anatomia feminina cria um obstáculo intransponível que impede que Deus chame uma mulher ao sacerdócio. Muitos santos, padres, religiosas, teólogos, ativistas da justiça social e ministros LGBT trouxeram e continuam trazendo inúmeras bênçãos para a Igreja. A maioria deles, no entanto, optaram por permanecer no armário, porque a hierarquia tem insistido que os desejos dos seus corpos, emoções e espíritos são intrinsecamente desordenados. Se eles saíssem, a Igreja institucional deixaria de celebrar os dons que eles oferecem à Igreja. Ao invés de olhar honestamente para as inúmeras formas pelas quais as mulheres e as pessoas LGBT trazem a vida de Deus de forma mais plena à nossa Igreja e ao nosso mundo, a Igreja institucional nos reduz à nossa sexualidade e depois torna a nossa sexualidade a razão pela qual não podemos ser o "povo escolhido". Em um momento em que a hierarquia católica romana está fixada sobre a definição de quem são as pessoas privilegiadas na Igreja (como os homens celibatários e os casais heterossexuais) e quem não tem o direito de compartilhar sacramentos como a ordenação e o casamento, as narrativas do Evangelho oferecem um crucial corretivo. Na história da mulher samaritana, por exemplo, Jesus desafia abertamente e escancara duas fronteiras: a fronteira entre o "povo escolhido" e o "povo rejeitado", e a fronteira entre masculino e feminino. Ao ouvir as histórias do Evangelho, a Igreja primitiva entendeu o quão subversivas eram as palavras de Jesus e o quão escandalosa era a sua obra. Eles ouviam em narrativas após narrativas do Evangelho sobre discípulos improváveis, pessoas como Maria Madalena e a mulher samaritana, que viviam às margens da sociedade e que se tornaram modelos de fé. A Igreja institucional parece estar trabalhando em hora extra para colocar barreiras para impedir que o povo de Deus participe da Igreja. As margens da Igreja parecem estar se estendendo a cada dia. É fácil se desesperar com toda essa exclusão. Nesses momentos, é útil lembrar as histórias dos Evangelhos. Jesus constantemente enfrentou rígidos líderes religiosos que estavam tão preocupados em manter a pureza e a ortodoxia que ou não podiam ver ou se recusavam a ver a encarnação de Deus bem no meio deles. Enquanto os 12 discípulos permaneciam confusos sobre a identidade de Jesus e os líderes religiosos estavam ocupados tentando combatê-lo, foram os marginalizados que o reconheceram e ajudaram a trazer a vida de Deus mais plenamente para o mundo. Maria Madalena e a mulher samaritana são dois dos melhores exemplos desse paradoxo evangélico

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Fabricas de armas, Hollywood

Denver, o massacre funcional para o poder “Como expressão última da sociedade burguesa, os EUA são também o lugar onde a alienação dos indivíduos atinge níveis sem paralelo em escala universal”, escreve o cientista político argentino Atilio Boron, em artigo publicado no jornal Página/12, 24-07-2012. Atilio Boron é diretor do PLED, Programa Latino-americano de Educação a Distância em Ciências Sociais. A tradução é do sítio Vermelhos. Eis o artigo. O massacre que aconteceu num teatro de um subúrbio de Denver desencadeou, como tantas vezes após a ocorrência de atrocidades semelhantes, o previsível coro de lamentos que por sua vez se perguntava por que aparecem regularmente nos Estados Unidos monstros capazes de cometer crimes como os do tétrico êmulo do Joker. De fato, uma análise que ponha de lado a habitual complacência com as coisas do império não poderia deixar de notar uma causa de fundo: como expressão última da sociedade burguesa, os EUA são também o lugar onde a alienação dos indivíduos atinge níveis sem paralelo em escala universal. Não deveria surpreender ninguém que comportamentos como o do jovem James E. Holmes - quantos assassinatos indiscriminados ocorreram nos últimos anos? - aflorem periodicamente para espalhar a dor na população norte-americana. Uma sociedade alienada e alienante, que gera milhões de toxicodependentes (sem que exista qualquer programa do governo federal para prevenir e lutar contra o vício), milhões de "vigilantes" dispostos a impor a lei e a ordem por conta própria perseguindo pessoas pela cor da sua pele ou traços faciais; e outros milhões que, assim como Holmes, podem comprar em qualquer loja de armas uma espingarda de assalto, pistolas, revólveres, granadas, bombas de fumo e todos os apetrechos da parafernália militarista e, além disso, obter licenças para usar legalmente todo esse mortífero arsenal. A recorrência deste tipo de massacres evoca um problema estrutural, o que é cuidadosamente evitado nas explicações convencionais que, invariavelmente, falam de um ser perdido, de um louco, mas nunca questionam as causas estruturais que nessa sociedade produzem loucos em série. Uma sociedade que se apresenta com características paradisíacas, como a terra prometida, como o país onde qualquer pessoa pode ter sucesso e ganhar dinheiro em abundância, poder e prestígio, com tudo o que esses atributos trazem como benefícios colaterais e que, na verdade, são metas apenas acessíveis, na melhor das hipóteses, a 5% da população. Os restantes, submetidos a um bombardeio de publicidade incessante e constante, mastiga a sua impotência e frustração. Ocasionalmente, alguns pensam que a solução é sair e matar pessoas a sangue frio e de forma indiscriminada; outros, mais inofensivos, decidem matar-se lentamente com drogas. Mas, se a alienação generalizada da sociedade americana é a causa de fundo, outros fatores contribuem para produzir comportamentos aberrantes como o de Holmes. Primeiro, o grande negócio da venda de armas, protegido sob o pretexto de ser um direito garantido pela Constituição, e que na verdade é o complemento necessário para legitimar, em termos de sociedade civil, o "complexo industrial militar" que domina a vida econômica e política dos Estados Unidos, desde há pouco mais de meio século. Aqueles que fabricam armas devem vendê-las, seja ao governo dos EUA (e, portanto, devem fabricar guerra por todo o mundo, ou montar cenários tendentes a elas), quer para os indivíduos ameaçados pelo espectro da insegurança omnipresente. Vários analistas dizem que apenas nas regiões fronteiriças entre o México e os Estados Unidos existem 17.000 lojas de armas onde se pode comprar uma espingarda de assalto AK47 com a mesma facilidade com que se compra um hambúrguer, o que, além de ser uma grotesca aberração, traduz a coerência da política de governo que cobre tal absurdo. Em segundo lugar, a indústria do entretenimento (Hollywood) permanentemente excita a imaginação de dezenas de milhões de americanos com um fluxo incessante de séries, vídeos e filmes onde a violência mais cruel, atroz e horrenda é exposta com rigor perverso. Antes também havia algo disto, mas agora sua proporção tem crescido exponencialmente e, em determinados dias e horas é quase impossível de se ver na televisão outra coisa que não seja a glorificação subliminar do sadismo em todos as formas que só uma imaginação muito doentia pode conceber. A censura que existe - ora sutilmente, ora de forma completamente descarada - para dificultar ou impedir que se conheça o trabalho de cineastas ou documentaristas críticos do sistema ou que falem bem de países como Cuba, Venezuela - Michael Moore ou Oliver Stone, por exemplo - não existe na hora de preservar a saúde mental da população exposta ao vômito de atrocidades e crueldades produzidas por Hollywood. Por algo será. E esse "algo" é que tanto a venda descontrolada de armas de todos os tipos como a violência induzida de Hollywood são totalmente funcionais para o projeto de dominação da burguesia norte-americana. Noam Chomsky tem mostrado ao longo de décadas como esta tem aperfeiçoado os mecanismos que lhe permitem dominar com terror, sabendo que do medo – o sentimento mais incontrolável dos homens – brota a submissão aos poderosos. Uma burguesia que incute o medo entre a população, fazendo com que todos saibam que ninguém está a salvo e que para proteger as suas vidas pobres e indefesas deve renunciar a mais e mais direitos, dando ao governo a capacidade de vigiar todas as áreas públicas, monitorizar os seus movimentos, interferir nas suas chamadas telefônicas, interceptar e-mails, controlar as suas finanças, saber o que compram, em que gastam o seu dinheiro, o que leem, com quem se reúnem e de falam quando o fazem. Um inimigo externo - agora o "terrorismo internacional", antes o "comunismo" - apresentado como onipotente e de uma crueldade sem limites é complementado internamente com a ameaça encarnada nos milhares de assassinos que se misturam com o resto da população, como Holmes, para cuja neutralização é necessário dar à polícia, ao FBI, à CIA e ao Departamento de Segurança Interna todos os poderes necessários. O que Thomas Hobbes colocava em 1651 no seu Leviatã como uma metáfora heurística, impossível de encontrar na realidade, pelo seu extremismo: a transferência para os indivíduos faziam de quase todos os seus direitos para o soberano em troca de preservar a vida, acabou por se converter numa trágica realidade nos Estados Unidos de hoje.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Mais preparados e sem trabalho...

Jovem sem trabalho e informado é estopim de distúrbios globais O canadense Don Tapscott sempre foi um grande entusiasta da internet e das possibilidades de avanço que uma população conectada e acostumada com as novas tecnologias traria. Mas agora ele se mostra temeroso com um mundo em que a privacidade quase não existe e em que a geração mais bem preparada que já tivemos está sem possibilidade de emprego nos chamados países ricos (Europa e EUA). A entrevista é de Vaguinaldo Marinheiro, no jornal Folha de S. Paulo, 22-07-2012. "Se não conseguirmos reverter e sse problema, viveremos uma época de grandes manifestações. Os eventos da década de 1960 parecerão coisas de criança", afirma. Tapscott, autor de livros como "Wikinomics - Como a Colaboração em Massa Pode Mudar Seu Negócio" e "A Hora da Geração Digital - Como os Jovens Que Cresceram Utilizando a Internet Estão Mudando Tudo, das Empresas ao Governo", falou com a Folha após dar uma palestra no TED Global, evento sobre tecnologia e inovação que aconteceu no mês passado em Edimburgo, na Escócia. Leia abaixo os principais trechos da entrevista. O tema deste TED é abertura, troca de informações, principalmente on-line. Como fica a questão da privacidade? Quando falamos em informação livre, em transparência, falamos de governos, de empresas, não do ser humano comum. As pessoas não têm obrigação de expor seus dados, seus gostos. Ao contrário, elas têm a obrigação de manter a privacidade. Porque a garantia da privacidade é um dos pilares de nossa sociedade. Mas vivemos num mundo em que as informações pessoais circulam, e essas informações formam um ser virtual. Muitas vezes, esse ser virtual tem mais dados sobre você do que você mesmo. Exemplo: você pode não lembrar o que comprou há um ano, o que comeu ou que filme viu há um ano. Mas a empresa de cartão de crédito sabe, o Facebook pode saber. Muitas pessoas defendem toda essa abertura, mas isso pode ser muito perigoso por uma série de razões. Há muitos agentes do mal por aí, pessoas que podem coletar informações a seu respeito para prejudicá-lo. Muitas vezes somos nós que oferecemos essa informação. Por exemplo, 20% dos adolescentes nos Estados Unidos enviam para as namoradas ou namorados fotos em que aparecem nus. Quando uma menina de 14 anos faz isso, ela não tem ideia de onde vai parar essa imagem. O namorado pode estar mal-intencionado ou ser ingênuo e compartilhar a foto. E as informações que não fornecemos, mas que coletam sobre nós por meio da visita a websites ou pelo consumo? Há dois grandes problemas. Um é o que chamo de Big Brother 2.0, que é diferente daquela ideia de ser filmado o tempo todo por um governo. Esse Big Brother 2.0 é a coleta sistemática de informações feita pelos governos. O segundo problema é o "little brother" -as empresas que também coletam informações a nosso respeito por razões econômicas, para definir nosso perfil e nos bombardear com publicidade. Muitas empresas, como o Facebook, querem é que a gente forneça mais e mais informações sobre nós mesmos porque isso tem valor. Às vezes, isso pode até ser vantajoso. Se eu, de fato, estiver procurando um carro, seria ótimo receber publicidade de carros diretamente. Mas e se essas empresas tentarem manipulá-lo? Podem usar sofisticados instrumentos de psicologia para motivá-lo a fazer alguma coisa sobre a qual você nem estava pensando. O que podemos fazer para evitar isso? Precisamos de mais leis sobre como essas informações são usadas. É necessário ficar claro que os dados coletados serão usados apenas para um propósito específico e que esse conjunto de dados não pode ser vendido para outros sem a sua permissão. O sr. sugere criar uma estratégia pessoal para manter a privacidade. Como construí-la? Na questão do consumo, não tenha esses cartões de fidelidade de lojas e supermercados, por exemplo, que definem um perfil de compras. Eu não tenho. Na internet, não permita os "cookies". Algumas pessoas falam que é impossível manter a privacidade. Digo que é. Isso é uma questão de escolha. O sr. escreveu sobre a "net generation", pessoas que nasceram nessa era multiconectada e que estariam mais preparadas para o mundo atual do que os mais velhos. Ao mesmo tempo, essa geração está sem emprego nos países ricos. Não é um contrassenso ter uma geração tão preparada e sem oportunidade? Sim. Nós dissemos para as pessoas dessa geração: estudem, evitem problemas e vocês terão um futuro brilhante. Não foi o que aconteceu. Hoje temos a geração mais preparada de todos os tempos em busca de trabalho num mundo sem empregos. Na Espanha, mais de 50% dos jovens estão desempregados. O problema é parecido em outros países. Isso é uma fórmula para grandes distúrbios em escala global. Acredito que vamos ver isso. Há duas semanas, houve manifestações em Québec, no Canadá. Foram as maiores manifestações de jovens na história do país. Protestavam contra mensalidades do ensino superior. Mas há algo mais profundo. Os jovens não estão felizes com o mundo atual. Qual será a consequência dessa geração sem emprego? Será uma geração de radicais, de revolucionários se a gente não resolver esse problema. As demonstrações pelo mundo farão os acontecimentos dos anos 1960 parecerem coisas de criança. O sr. parece bem pessimista... Não. Sou até otimista. Acho que o futuro não é algo que se possa prever, mas algo que precisamos construir, alcançar. Acho que há muita coisa que podemos fazer para transformar o mundo em algo melhor.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Boff - Crise terminal

Crise terminal de nosso modo de viver? "Há que reconhecer que estamos dentro de um círculo vicioso do qual não sabemos como sair. Devemos produzir para atender o consumo e criar postos de trabalho. Quanto mais consumimos, mais empobrecemos a natureza. Mas chegará o momento em que ela não aguentará mais. Por outro lado, se pararmos de consumir, fecham-se fábricas, cria-se desemprego, surge fome e miséria e estoura a convulsão social. Para onde vamos? Quem o saberá exatamente?", escreve Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor, em artigo publicado no Jornal do Brasil, 22-07-2012. E citando Edgar Morin, Leonardo Boff conclui: "Cada pessoa constitui uma república, dizia Edgar Morin, de 30 bilhões de células que se põem de acordo para manter o equilíbrio do sistema-vida. Como não será possível uma sociedade humana que conta com apenas 7 bilhões de seres humanos não pode colocar-se de acordo para viver em paz com a Terra, com todos os povos e com o próprio coração?" Eis o artigo. Das muitas crises pelas quais a humanidade passou, essa, seguramente, possui uma singularidade. Ela pode significar o fim de nossa existência sobre este planeta ou um salto para um novo patamar de civilização, ecoamigável, justa, compassiva e fraterna. A grande maioria da humanidade e os tomadores de decisões dos povos não se conscientizaram ainda desta nova situação. A Rio+20 foi escandalosamente cega e muda. Não se tomaram decisões. Foram proteladas para 2015. Não obstante esta atitude insana, alguns fatos estão produzindo um novo estado de consciência na Humanidade. Podem ocasionar mudanças radicais. Eis alguns deles. O primeiro, é a consciência de que podemos nos auto-destruir. O fim do mundo humano não precisa ser mais obra divina, mas consequência de atos humanos. Hoje os países militaristas dispõem de uma máquina de morte com armas nucleares, químicas e biológicas, capazes de destruir, por 25 formas diferentes, toda a espécie humana. Podemos ser não só homicidas e ecocidas mas também biocidas e geocidas. O segundo, é a descoberta da unidade Terra e Humanidade. É o legado que os astronautas nos deixaram. Eles testemunharam: a partir de suas naves espaciais se comprova que não há separação entre Terra e Humanidade. Formam uma única entidade. Nós somos a porção da Terra que sente, pensa, ama e cuida. Humanidade e Terra são interdependentes e indivisíveis. Posteriormente, os cientistas demonstraram que a Terra é um sistema biofísico que regula os climas, garante a fertilidade dos solos e rege as corrente marítimas. Chamaram-na de Gaia, a Pacha Mama dos andinos. O terceiro, são as mudanças climáticas com seus eventos extremos, coisa que os céticos não podem negar. Parte delas pertence à geofísica da Terra, mas a outra, acelerada, é em grande parte, produzida pela atividade humana. A roda já está girando e não há como pará-la. Ao alcançar dois graus Celsius, o aquecimento será ainda admnistrável. Com a entrada do metano e do nitrato, o clima poderá acercar-se a quatro e a cinco graus Celsius. Isso tornará grande parte da vida conhecida no planeta impossível. Milhões de seres humanos correriam risco de desaparecer. O quarto fato é o fim da matriz energética baseada nos produtos fósseis como o petróleo, o gás e o carvão. Temos consciência de que não podemos mais sustentar este tipo de civilização altamente energívora. Precisamos desenvolver fontes alternativas limpas, baseadas na água, no sol, no vento, nas marés e na biomassa. Mas todas juntas são insuficientes para sustentar o nosso tipo de civilização. Forçosamente devemos mudar nossas formas de produção e de locomoção. O quinto fato é a a tragédia social que afeta grande parte da Humanidade. As três pessoas mais ricas do mundo possuem ativos superiores à toda riqueza de 48 países mais pobres onde vivem 600 milhões de pessoas; 257 pessoas sozinhas acumulam mais riqueza que 3 bilhões de pessoas o que equivale a 45% da humanidade. O resultado é que 1,2 bilhões de pessoas passam fome e outros tantos vivem na miséria; no Brasil, segundo M. Pochmann, mais ou menos 5 mil famílias possuem 46% da riqueza nacional. Que dizem esses dados senão expressar uma aterradora desumanidade? Por fim, o sexto fato, é a consciência de que um outro mundo não é só possível mas necessário. Esta consciência ganhou expressão e visibilidade nos Fórums Sociais Mundiais e na Cúpula dos Povos como agora durante a Rio+20. A nova ordem nascerá a partir de baixo, da contribuição de todos os povos e culturas e marcará uma nova etapa da Humanidade e da própria Terra. Uma superdemocracia planetária deverá forçosamente surgir que englobará vida, Terra e Humanidade num único destino comum. Ou então vamos ao colapso total. Há que reconhecer que estamos dentro de um círculo vicioso do qual não sabemos como sair. Devemos produzir para atender o consumo e criar postos de trabalho. Quanto mais consumimos, mais empobrecemos a natureza. Mas chegará o momento em que ela não aguentará mais. Por outro lado, se pararmos de consumir, fecham-se fábricas, cria-se desemprego, surge fome e miséria e estoura a convulsão social. Para onde vamos? Quem o saberá exatamente? O certo é que assim como está, a sociedade mundial não poderá continuar. A prosseguir por este caminho, nos acercaremos do abismo. O ideal que se impõe é: como produzir o que necessitamos em harmonia com os limites e os ritmos da natureza, com sentido de distribuição equitativa entre todos e solidários para com nossos filhos e netos que virão. Uma saída possível seria passar do capital material para o capital humano e espiritual. Nele ganhariam centralidade o ganha-ganha, a solidariedade, o cuidado que levarão a outras formas de produção de consumo e de respeito aos limites. Cada pessoa constitui uma república, dizia Edgar Morin, de 30 bilhões de células que se põem de acordo para manter o equilíbrio do sistema-vida. Como não será possível uma sociedade humana que conta com apenas 7 bilhões de seres humanos não pode colocar-se de acordo para viver em paz com a Terra, com todos os povos e com o próprio coração?

domingo, 22 de julho de 2012

Nunca renunciaremos ao sonho. Pedro Casaldaliga

“La Iglesia será una red de comunidades orantes, servidoras, proféticas, testigos de la Buena Nueva: una Buena Nueva de vida, de libertad, de comunión feliz. Una Buena Nueva de misericordia, de acogida, de perdón, de ternura, samaritana a la vera de todos los caminos de la Humanidad. Seguiremos haciendo que se viva en la práctica eclesial la advertencia de Jesús: «No será así entre vosotros» (Mt 21,26). Sea la autoridad servicio. El Vaticano dejará de ser Estado y el Papa no será más Jefe de Estado. La Curia habrá de ser profundamente reformada y las Iglesias locales cultivarán la inculturación del Evangelio y la ministerialidad compartida. La Iglesia se comprometerá, sin miedo, sin evasiones, en las grandes causas de la justicia y de la paz, de los derechos humanos y de la igualdad reconocida de todos los pueblos. Será profecía de anuncio, de denuncia, de consolación. La política vivida por todos los cristianos y cristianas será aquella «expresión más alta del amor fraterno» (Pío XI). Nos negamos a renunciar a estos sueños aunque puedan parecer quimera. «Todavía cantamos, todavía soñamos». Nos atenemos a la palabra de Jesús: «Fuego he venido a traer a la Tierra; y qué puedo querer sino que arda» (Lc 12,49). Con humildad y coraje, en el seguimiento de Jesús, miraremos de vivir estos sueños en el cada día de nuestras vidas. Seguirá habiendo crisis y la Humanidad, con sus religiones y sus iglesias, seguirá siendo santa y pecadora. Pero no faltarán las campañas universales de solidaridad, los Foros Sociales, las Vías Campesinas, los Movimientos populares, las conquistas de los Sin Tierra, los pactos ecológicos, los caminos alternativos de Nuestra América, las Comunidades Eclesiales de Base, los procesos de reconciliación entre el Shalom y el Salam, las victorias indígenas y afro y, en todo caso, una vez más y siempre «yo me atengo a lo dicho: la Esperanza».” Así nos dice don Pedro Casaldáliga.