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quinta-feira, 29 de março de 2012

Entrevistando ex-católicos


Estudo investiga por que ex-católicos abandonaram a Igreja

Em um estudo incomum cujos principais resultados foram divulgados em uma conferência na Catholic University of America, em Washington, no dia 22 de março, a Villanova University, na Filadélfia, perguntou aos ex-católicos da diocese de Trenton, Nova Jersey, por que eles abandonaram a Igreja.

A reportagem é de Jerry Filteau, publicada no sítio do jornal National Catholic Reporter, 23-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Embora os resultados em si mesmos não sejam surpreendentes, segundo os pesquisadores, o estudo sugere novas formas pelas quais a Igreja pode se aproximar dos católicos que estão insatisfeitos com o que a Igreja ensina e com a forma como ela atua – incluindo aqueles tão insatisfeitos que decidiram ir embora.

Uma das suas principais recomendações foi que os párocos, bispos e outras autoridades da Igreja respondam, de forma consistente, com diálogo construtivo aos questionamentos de católicos irritados, e não com uma simples reiteração das regras ou políticas eclesiais.

O padre jesuíta William J. Byron, professor de administração da St. Joseph’s University, na Filadélfia – que colaborou no estudo com Charles Zech, fundador e diretor do Center for the Study of Church Management da Villanova’s School of Business –, citou diversas vezes uma resposta de um católico desfiliado que se queixou: "Faça uma pergunta a um padre e você receberá uma regra. Você não recebe uma resposta do tipo 'Vamos sentar e conversar sobre isso'".

Byron e Zech disseram aos participantes da conferência na Catholic University of America que muitas das respostas dos católicos não praticantes ou desfiliados da diocese de Trenton correspondiam ao que os pesquisadores sabiam a partir de outras pesquisas: eles se opõem ao que veem como uma atitude não acolhedora da Igreja com relação aos gays e lésbicas, ou com relação aos divorciados em segunda união; acham as homilias sem inspiração; a paróquia, não acolhedora; o pároco, arrogante; ou a equipe da paróquia, indiferente; ou sofreram terríveis experiências pessoais com um padre ou outra autoridade eclesial, como a rejeição por serem divorciados.

Alguns dos ex-católicos se queixaram do fato de os padres serem muito liberais, enquanto outros citaram "a verborragia extremamente conservadora" que ouviam nas homilias – refletindo as divisões políticas intracatólicas que refletem divisões semelhantes na sociedade norte-americana mais ampla.

Surpreendentemente, disse Byron, embora todos os que responderam à pesquisa abandonaram a Igreja por vários motivos de insatisfação, "apenas metade dos entrevistados foram marcadamente negativos" em sua avaliação do seu pároco mais recente. Havia "muitas respostas entusiastas e positivas" acerca dos pastores mais recentes, relatou.

Byron e Zech observaram que as respostas – às quais a Villanova teve acesso a partir de uma série de anúncio publicitários nas mídias católicas e seculares locais – não tinham a pretensão de representar uma pesquisa sociológica por amostragem aleatória. Elas eram o que Byron chamou de "pesquisa de conveniência", representando apenas as respostas utilizáveis dos 298 ex-católicos da diocese de Trenton que ficaram sabendo da pesquisa através dos anúncios midiáticos locais e sentiram fortemente o convite a ponto de responder por correio ou pela Internet.

Antes da conferência de três horas em Washington, por e-mail ao NCR, o bispo David M. O'Connell, de Trenton, disse que havia convidado Byron e Zech para realizar a pesquisa com os ex-católicos da sua diocese depois de ler um artigo que Byron escreveu no ano passado na revista America, uma revista jesuíta nacional, sugerindo que "entrevistas de saída" com ex-católicos poderiam ajudar a Igreja a entender melhor por que os católicos abandonam a Igreja e a responder de forma mais eficaz às suas preocupações.

"Quando eu me tornei bispo de Trenton, em dezembro de 2010, eu fiquei sabendo que apenas 25% da nossa população católica participava da missa regularmente", escreveu O'Connell. "Essa porcentagem [a média mensal que a maioria das dioceses norte-americanas usam para contabilizar a participação na missas e como norma para medir as tendências locais de participação nas missas] diminuiu um pouco em outubro de 2011. Isso me preocupou muito".

O'Connell, que, como Byron, foi ex-reitor da Catholic University of America (Byron de 1982 a 1992; O'Connell de 1998 a 2010), disse ter perguntado a Byron como explorar na diocese de Trenton a ideia de Byron sobre as "entrevistas de saída" para ver por que os católicos abandonam a Igreja e o que poderia ser feito a respeito.

Byron disse em Washington que seu o artigo na revista America foi motivado por uma conversa que ele tivera com um proeminente líder empresarial católico de Nova Jersey, que sugeriu que, se qualquer loja perdesse clientes, sua primeira resposta deveria ser fazer entrevistas de saída para ver por que os clientes não estavam mais comprando lá.

Resposta pastoral criativa

Em seu e-mail ao NCR, O'Connell destacou uma das conclusões do estudo de Zech-Byron, a saber, que um dos desafios mais imediatos diante da Igreja dos EUA é esclarecer aos católicos a importância central da Eucaristia em suas vidas.

"Se apenas 25% ou menos dos nossos católicos participam da Eucaristia regularmente, eu acho que temos uma séria preocupação", disse. "A média nacional é quase a mesma [que a da diocese de Trenton]. Precisamos engajar os nossos católicos de tal forma que vejamos a Eucaristia como a 'fonte e o ápice' da vida cristã, uma parte necessária do quem somos na Igreja".

Zech e Byron recomendaram que O'Connell se concentre mais imediatamente em "uma explicação renovada da natureza da Eucaristia" e em "uma criativa resposta litúrgica, pastoral, doutrinária e prática" às queixas sobre a qualidade das liturgias católicas do fim de semana, especialmente acerca da música e das homilias.

Uma questão lateral sobre as homilias – nem mesmo observada no estudo ou em sua apresentação na conferência – foi citada depois ao NCR por Mary Gautier, antiga pesquisadora do Centro para Pesquisa Aplicada no Apostolado, com sede na Georgetown University, em Washington. Ela disse ao NCR que, atualmente, um terço dos padres ativos nas dioceses dos EUA – 6.000 de um total de 18.000 sacerdotes – são estrangeiros, e muitas vezes suas homilias não são compreendidas por muitos membros da comunidade.

Mais relacionada com o estudo da Villanova e a conferência é a questão de como as práticas paroquiais convidam ou deixam de convidar os católicos a fazer parte de uma comunidade de fiéis que compartilham um compromisso como discípulos de Cristo.

William Dinges, professor do departamento de teologia e de estudos religiosos da Catholic University, disse que as pesquisas da década de 1940 e 1950 indicavam que os católicos norte-americanos e os aderentes a outras religiões eram bastante idênticos em termos de sua adesão a crenças e práticas religiosas dos seus antepassados.

Isso começou a mudar para os católicos depois do Concílio Vaticano II, na década de 1960, disse ele, embora tenha ressaltado que isso não se deveu só ao Concílio, mas também a uma grande variedade de outros fatores que influenciaram a filiação, a participação e o senso de filiação à Igreja Católica dos EUA nos anos do pós-Concílio.

Byron disse que as descobertas de Trenton exortam as lideranças católicas a serem mais sensíveis às preocupações dos leigos católicos.

Em um certo momento durante a sessão de perguntas e respostas da discussão, quando a crescente escassez de padres foi levantada como um problema, Byron desafiou abertamente as posições católicas oficiais acerca do celibato sacerdotal e da ordenação de mulheres.

Chamando a exclusão de homens e de mulheres casados da ordenação de "barreiras institucionais", ele disse que tais ordenações "podem não acontecer", e muitos argumentariam que "não deveriam acontecer", mas defender que essas coisas são "impossíveis" é negar que "nada é impossível para Deus".

"Podemos estar sufocando o Espírito" com a "nossa resistência para responder" à atual escassez de padres, mediante a recusa da Igreja de expandir suas regras sobre quem pode ser ordenado, disse.

Byron disse ao NCR que ele e Zech já receberam alguns convites para realizar estudos semelhantes em outras dioceses, e ele espera que mais pedidos surjam depois de um artigo que deverá ser publicado na revista America em abril sobre os resultados do estudo de Trenton.


terça-feira, 27 de março de 2012

Brasil potencia religiosa


O Brasil é uma potência religiosa global". José Casanova

Aos 61 anos, José Casanova é um dos mais respeitados sociólogos da religião na atualidade. Autor do clássico “Public Religions in the Modern World” (de 1994), no qual trata da ligação entre o afastamento das pessoas das religiões e a modernidade, o acadêmico nascido na Espanha e naturalizado americano é professor titular do departamento de sociologia da Universidade de Georgetown, em Washington, nos Estados Unidos, e diretor do programa sobre “globalização, religião e o secular” do Center Berkley, na mesma instituição. Casado e com um filho, Casanova esteve no Brasil, no início do mês, para ministrar aulas magnas, ter encontros com pesquisadores e fazer palestras públicas em universidades (Nota da IHU On-Line: José Casanova esteve na última quinta-feira, dia 15 de março, na Unisinos, onde proferiu duas conferências, em evento promovido pelo IHU.) No período em que esteve no País, concedeu uma entrevista à IstoÉ, na qual traçou um panorama da engrenagem religiosa no mundo atualmente – secularismo e ateísmo, a crise de fé na Europa, a politização da religiosidade nos EUA e a religião em países como Brasil, China e Índia.

Qual o futuro do catolicismo?

Entre o protestantismo/pentecostalismo, o islã e o catolicismo – as três grandes religiões globais –, este último vem perdendo espaço e depende de como irá resolver as suas crises fundamentais envolvendo a igualdade das mulheres, o sacerdócio feminino e como irá reconstruir a sua moral sexual diante das transformações radicais da moralidade sexual nas sociedades. Não significa aceitar essas transformações, mas confrontá-las e dar uma nova alternativa moral aos problemas. Há um distanciamento entre a moral sexual das sociedades e a moral proposta pelo catolicismo. E sabemos que isso leva muitas mulheres a se afastar. E, quando uma mulher sai da igreja, a família deixa de ser cristã e os templos se esvaziam.

Qual será a herança do pontificado de Bento XVI?

É um pontificado muito complexo. O de (Karol) Wojtila (João Paulo II) foi muito positivo, carismático, havia uma dinâmica na Igreja Católica, sobretudo nos países em desenvolvimento. Mas ele também era uma pessoa muito autoritária. (Joseph) Ratzinger (Bento XVI) é um teólogo mais técnico do que Wojtila e por isso tem menos sensibilidade à diversidade do catolicismo global. Serve como um pontífice de transição que não quer impor uma linha nova e abre algumas portas, como a decisão definitiva de controlar o problema da pedofilia.

Há uma onda de pessoas abandonando as religiões e mantendo a fé em espaços privados. Por quê?

Durante 300 anos, os países europeus passaram por um processo de religiosidade (confessionalização), em que o Estado impôs a suas populações as religiões luterana, calvinista ou católica. Hoje, associa-se o Estado religioso e a igreja estatal a uma tradição muito velha, que vai contra a modernidade. O Brasil, com a modernização e o crescimento das classes médias, também passa por um processo parecido, embora atenuado, porque a modernidade tem a ver com a pluralização da religião. Na Europa, ou você pertence a uma religião/igreja ou sai dela de vez. Então, a secularidade aparece como a única alternativa à religião – é considerada um estágio mais avançado do que a religião.

Como o sr. enxerga o grupo dos crentes sem religião?

Muitos não encontram nas comunidades religiosas uma experiência criativa, pessoal, que chame sua atenção. Essa gente não é agnóstica, tem uma identidade religiosa particular privada, um sincretismo pessoal. Assim, a pessoa pensa: “Sou católico e bebo do espiritismo, por exemplo, mas sem ser espírita.” É
uma forma de crer sem pertencer, não ter filiação. Nos Estados Unidos, a religião foi de tal forma politizada que a sociedade se polarizou. Muita gente rejeita a forma como a religião se envolve com a política e pretende moldar toda a sociedade, inclusive pessoas sem filiação.

O sr. considera que as religiões ainda intervêm na esfera pública? O que elas ainda têm a dizer para as sociedades?

O Estado europeu moderno nasceu em meio às guerras religiosas. A primeira medida foi tornar o Estado religioso e forçar todos a ter uma única crença para evitar a guerra civil. Aqueles que não queriam seguir a religião nacional deviam partir. Quando chegou a democracia, a religião saiu de cena do âmbito estatal, acompanhada da ideia da necessidade de a fé ser privada, para que a sociedade não se polarizasse. Nos
Estados Unidos, há um outro tipo de privatização da religião, pois o Estado não reconhece oficialmente uma única crença e dá liberdade para que os cidadãos formem a denominação que quiserem. A religião é a mais política das instituições americanas, é o centro da vida política naquele país. Todos os movimentos sociais envolvendo a escravidão, o feminismo ou o aborto foram encabeçados pela religião.

A pluralidade religiosa, algo corriqueiro aqui no Brasil, também existe na Europa e nos EUA?

A imigração inaugurou a diversidade cultural, étnica, racial e religiosa na Europa. A minoria religiosa que desponta na Europa é o islã, por razões étnicas, econômicas e seu passado colonial ante os países europeus. Além disso, ocorre um processo de globalização do islã. Os imigrantes chegaram da Turquia, da Argélia, do Paquistão, mas, de repente, são mais identificados como “muçulmanos globais” do que por sua origem nacional. O islã lhes garantiu uma unidade que não tinham
. Nos Estados Unidos, os imigrantes muçulmanos são normalmente de classe média, eles têm nível educacional alto e estão economicamente integrados.

O desenvolvimento de países como China, Índia e Brasil traz quais consequências para as religiões?

A China é uma sociedade que se modernizou à base de um processo estatal de destruição das religiões. Hoje, com o desenvolvimento econômico chinês, todas as religiões voltam a ressurgir. O caso chinês põe em questão a tese de que a modernização leva à secularidade. A secularização da China foi imposta pelo Estado e agora, com o desenvolvimento econômico, as religiões estão voltando. As religiões reconhecidas na China são minoritárias e oriundas de grupos étnicos não chineses: o islã, o budismo, o taoísmo, o catolicismo e o protestantismo. Estão sendo inaugurados departamentos de antropologia e sociologia nas universidades chinesas, de estudos da religião, o que não havia antes. A Índia, porém, sempre foi muito religiosa. Ela concluiu que, para competir com o Ocidente e se livrar do colonialismo, teria de usar seu componente de fé. São duas respostas anticoloniais bem diferentes: uma enxerga a religião como um obstáculo e a outra a vê como uma ajuda.

E o Brasil?

O Brasil se converteu em um centro mundial de catolicismo global, de pentecostalismo global e de movimentos afro-americanos globais. O Brasil está surgindo como potência econômica global, mas também está surgindo como potência religiosa nessas três religiões.

No Brasil, além do grupo dos católicos não praticantes, assistimos ao crescimento dos pentecostais não praticantes. Haveria um mesmo motivo para esses dois fenômenos?

É um mesmo processo. O individualismo é o princípio mais importante da formação da religião de uma pessoa no mundo moderno. Só tem vitalidade aquela religião que permitir uma escolha individual livre. Quando a religião é uma experiência imposta, pela instituição ou pela família, leva o indivíduo a querer livrar-se dela. Quando o catolicismo se converte simplesmente em uma identidade formal que não confere nenhuma motivação pessoal ao indivíduo, muitos deixam de ser praticantes, tornam-se católicos formais e ocasionalmente podem converter-se a outra religião ou até serem agnósticos e antirreligiosos. À medida que o pentecostalismo se torna mais institucionalizado e surgem novas gerações, esse processo também se dará.

Para estar antenado à modernidade é preciso ser secular?

Na Europa se pensava que a secularidade era um estágio superior à religião. Abandonar uma religião era simplesmente uma condição natural humana. Então, lá, ser secular é considerado algo natural, e ter religião é tido como artificial. Historicamente, o homem amadurecia, tornava-se mais sábio, mais livre e via a religião como algo desnecessário. Essa ideia muito europeia nunca pegou nos Estados Unidos. Os americanos relacionaram sua experiência de modernidade ao renascimento religioso. A religião aparece como uma afirmação da identidade americana sobre o colonialismo do Ocidente. Lá, estamos condenados a ser livres, mas também a renascer religiosamente.

O que é ser ateu no mundo globalizado?

Há uma anedota na Irlanda do Norte que diz que um cidadão, ao atravessar a zona protestante em direção à católica, é abordado: “Mãos para cima. Você é protestante ou católico?” O cidadão respondeu: “Sou ateu.” A indagação seguinte foi: “Mas qual tipo de ateu: protestante ou católico?” É o contexto que define o que significa ser ateu. Na Europa, ser ateu é normal para um jovem, que não precisa fazer nada para se encontrar nessa situação, não precisa dialogar, refletir. É algo natural, espontâneo. Por outro lado, para ser religioso ele tem de fazer algo. Na América é o contrário. Ser ateu exige uma coragem enorme, ser contra toda a sociedade. É estar continuamente lutando e defendendo a sua oposição diante de todos. Uma pesquisa mostrou que nos Estados Unidos o cidadão afirma que votaria em qualquer religioso, até em um muçulmano, mas jamais em um ateu.