CRISE NO CATOLICISMO DO BRASIL (SÓ DO BRASIL?)
Há pelo menos três décadas, o Censo demográfico vem
confirmando com números o que se observa nas ruas: uma intensa movimentação no
ambiente religioso da população brasileira, com destaque para uma redução do número
de católicos, além de um crescimento acelerado do protestantismo pentecostal,
iniciado na década de 1970.
Ao longo da década de 1990-2000, dez por cento dos
católicos migraram para as denominações pentecostais e para o segmento dos
sem-religião; então, o catolicismo abarcava 73,6% da população brasileira. Essa
tendência continuou e, no final da década seguinte 64,6% dos brasileiros
pertenciam a um catolicismo ainda hegemônico, conforme dados divulgados no
final de junho.
A realidade captada pelo Censo de 2010 provocou uma avalanche de questionamentos e
interpretações. Há quem festeje a crescente diversidade e a secularização no
quadro religioso em nosso país; há quem lamente a perda de contingente no seio
do catolicismo, afinal um dos componentes históricos da identidade brasileira.
Internamente à Igreja Católica, não faltam acusações a
torto e a direito. Um lado atribui essa sangria à rigidez doutrinária e moral,
ao centralismo monárquico, ao celibato obrigatório para os padres, à desatenção
para com as questões das mulheres, a recusa do sacerdócio para elas e ao
alijamento do laicato (sobretudo jovens) das decisões. O outro lado debita essa
queda a uma alegada influência marxista da Teologia da Libertação, ao reduzido amor à Igreja, ao relativismo
moral e a um eclipse do senso de Deus. Que lado tem razão? Ambos? Nenhum? Nessa
hora, a atribuição de culpa só serve para exaltar os ânimos e obscurecer o
juízo. Provavelmente o catolicismo brasileiro sofre perda de fiéis tanto quanto
as outras grandes religiões em outras sociedades pelo mundo.
Diante dessa situação, o que resta ao catolicismo fazer? Há
grande perplexidade, o que não é algo a se lamentar, necessariamente. Um
primeiro passo é admitir que a situação é mesmo complexa e não cabem soluções
singelas. O passo seguinte é fugir da tentação de refugiar-se em princípios que
(só aparentemente) são eternos e que, gestados em outras eras, mal e mal dão
conta de desafios que o tempo não se cansa de produzir: é como aplicar remendo
velho em pano novo.
A meu ver, da fixidez – se dogmática ou moralista, pouco
importa – resulta a grave doença que afeta “um certo catolicismo”, doença da
qual a perda de fiéis é apenas um sintoma. Tal enfermidade reúne perdas mais
profundas, como a da capacidade de instilar entusiasmo e de inspirar ações
generosas e duradouras – enfim, a perda de influência e de autoridade no campo
ético. Um catolicismo acomodado no poder imperial e indutor de infantilismo se
descolou de suas bases, tanto clericais quanto laicas, e acabou falando
sozinho. Tendo perdido a capacidade de anunciar boas-novas que vão ao encontro
do inédito da História, acabou propondo “mais do mesmo”. Daí, o crescente
desencanto de fiéis leigos e leigas, de sacerdotes e religiosos(as) e,
consequentemente, seu afastamento. Claro que, se estivesse satisfeita, essa
massa não se apartaria – seu movimento representa um grito a ser decifrado.
Em favor dos dirigentes máximos do catolicismo, reconheço
ser sobre-humana sua tarefa, que os verga sob o peso da instituição. Afinal,
trata-se de um contingente de um bilhão de pessoas e de um patrimônio cultural
e material acumulado durante milênios. Não é de estranhar que gerenciar esse
empreendimento colossal embote um olhar mais sensível para as emergentes
necessidades e urgências humanas. Daí o apelo a um armazém empoeirado, repleto
de indulgências plenárias, de beatificações meio oportunistas e de eventos
espetaculosos.
Mas o catolicismo institucional não é o único tipo de
catolicismo. Há, pelo menos, um outro, que atrai católicos(as) inspirados no
exemplo de seu Mestre na tarefa de tocar de forma digna seu cotidiano familiar,
profissional e cidadão. São leigos, leigas e clérigos “da base”, que se agregam
numa multidão incalculável de comunidades ocupadas em ver a realidade e
interpretá-la para transformá-la. Capilarmente comprometidos com ações
articuladas a favor da humanização, contra o sofrimento humano, ousam demolir as
fábricas de tanta dor. Eles não veem ameaça no esvaziamento demográfico de seu
grupo religioso, pois o fundamental é realizar a tarefa.
Enfim, o que parece estar em xeque no catolicismo não é a
quantidade de fiéis, mas o fulgor da chama. Se conseguir estancar a
desidratação de sua seiva, se não abortar o espírito que o insufla desde sua
origem, então o catolicismo se manterá relevante. O mesmo vale para todas as
religiões e interessa à humanidade
Nenhum comentário:
Postar um comentário