domingo, 3 de março de 2013

catolicismo do Brasil


CRISE NO CATOLICISMO DO BRASIL (SÓ DO BRASIL?)

Há pelo menos três décadas, o Censo demográfico vem confirmando com números o que se observa nas ruas: uma intensa movimentação no ambiente religioso da população brasileira, com destaque para uma redução do número de católicos, além de um crescimento acelerado do protestantismo pentecostal, iniciado na década de 1970.

Ao longo da década de 1990-2000, dez por cento dos católicos migraram para as denominações pentecostais e para o segmento dos sem-religião; então, o catolicismo abarcava 73,6% da população brasileira. Essa tendência continuou e, no final da década seguinte 64,6% dos brasileiros pertenciam a um catolicismo ainda hegemônico, conforme dados divulgados no final de junho.

A realidade captada pelo Censo de 2010 provocou uma avalanche de questionamentos e interpretações. Há quem festeje a crescente diversidade e a secularização no quadro religioso em nosso país; há quem lamente a perda de contingente no seio do catolicismo, afinal um dos componentes históricos da identidade brasileira.

Internamente à Igreja Católica, não faltam acusações a torto e a direito. Um lado atribui essa sangria à rigidez doutrinária e moral, ao centralismo monárquico, ao celibato obrigatório para os padres, à desatenção para com as questões das mulheres, a recusa do sacerdócio para elas e ao alijamento do laicato (sobretudo jovens) das decisões. O outro lado debita essa queda a uma alegada influência marxista da Teologia da Libertação, ao reduzido amor à Igreja, ao relativismo moral e a um eclipse do senso de Deus. Que lado tem razão? Ambos? Nenhum? Nessa hora, a atribuição de culpa só serve para exaltar os ânimos e obscurecer o juízo. Provavelmente o catolicismo brasileiro sofre perda de fiéis tanto quanto as outras grandes religiões em outras sociedades pelo mundo.

Diante dessa situação, o que resta ao catolicismo fazer? Há grande perplexidade, o que não é algo a se lamentar, necessariamente. Um primeiro passo é admitir que a situação é mesmo complexa e não cabem soluções singelas. O passo seguinte é fugir da tentação de refugiar-se em princípios que (só aparentemente) são eternos e que, gestados em outras eras, mal e mal dão conta de desafios que o tempo não se cansa de produzir: é como aplicar remendo velho em pano novo.

A meu ver, da fixidez – se dogmática ou moralista, pouco importa – resulta a grave doença que afeta “um certo catolicismo”, doença da qual a perda de fiéis é apenas um sintoma. Tal enfermidade reúne perdas mais profundas, como a da capacidade de instilar entusiasmo e de inspirar ações generosas e duradouras – enfim, a perda de influência e de autoridade no campo ético. Um catolicismo acomodado no poder imperial e indutor de infantilismo se descolou de suas bases, tanto clericais quanto laicas, e acabou falando sozinho. Tendo perdido a capacidade de anunciar boas-novas que vão ao encontro do inédito da História, acabou propondo “mais do mesmo”. Daí, o crescente desencanto de fiéis leigos e leigas, de sacerdotes e religiosos(as) e, consequentemente, seu afastamento. Claro que, se estivesse satisfeita, essa massa não se apartaria – seu movimento representa um grito a ser decifrado.

Em favor dos dirigentes máximos do catolicismo, reconheço ser sobre-humana sua tarefa, que os verga sob o peso da instituição. Afinal, trata-se de um contingente de um bilhão de pessoas e de um patrimônio cultural e material acumulado durante milênios. Não é de estranhar que gerenciar esse empreendimento colossal embote um olhar mais sensível para as emergentes necessidades e urgências humanas. Daí o apelo a um armazém empoeirado, repleto de indulgências plenárias, de beatificações meio oportunistas e de eventos espetaculosos.

Mas o catolicismo institucional não é o único tipo de catolicismo. Há, pelo menos, um outro, que atrai católicos(as) inspirados no exemplo de seu Mestre na tarefa de tocar de forma digna seu cotidiano familiar, profissional e cidadão. São leigos, leigas e clérigos “da base”, que se agregam numa multidão incalculável de comunidades ocupadas em ver a realidade e interpretá-la para transformá-la. Capilarmente comprometidos com ações articuladas a favor da humanização, contra o sofrimento humano, ousam demolir as fábricas de tanta dor. Eles não veem ameaça no esvaziamento demográfico de seu grupo religioso, pois o fundamental é realizar a tarefa.

Enfim, o que parece estar em xeque no catolicismo não é a quantidade de fiéis, mas o fulgor da chama. Se conseguir estancar a desidratação de sua seiva, se não abortar o espírito que o insufla desde sua origem, então o catolicismo se manterá relevante. O mesmo vale para todas as religiões e interessa à humanidade

 

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