Teenagers: da informação ao conhecimento
Os Ys têm mais metas pessoais do que profissionais, querem trabalhar menos, ter mais liberdade e flexibilidade, constata Zilda Knoploch
Por: Patricia Fachin
Eles nasceram em um mundo tecnológico sem fronteiras, onde é possível ter acesso a qualquer lugar do mundo sem sair de casa. Apesar destas facilidades, os teenagers enfrentam uma necessidade maior de adaptação à vida real. Isso porque, segundo Zilda Knoploch, os Ys e os Zs vivem em um período de contradição em diversos aspectos da vida humana. Ela cita como exemplo a liberdade sexual em um mundo “assombrado pela Aids, onde a vivência desta liberdade não é mais possível como foi para os Baby Boomers”. Além do mais, as referências familiares não são as mesmas, as experiências pessoais são descartáveis e superficiais, refletindo na vida profissional. Esse paradoxo se reflete na “ansiedade constante por mudar de trabalho, de amizades, de relacionamentos, de atividades”, constata.
Mestre em Antropologia, Zilda estuda o comportamento dos teenagers, jovens da geração Y e Z, e enfatiza que, apesar de serem considerados “multitarefas” por usarem simultaneamente vários itens tecnológicos e bastante informados, “ainda não aprenderam como transformar esta hiperexposição embriagante em conhecimento”. Em função disto, a pesquisadora aposta na retomada de valores preponderantes em outras gerações. “Há movimentos cíclicos ao longo da história que nos mostram que, em certos momentos, os jovens sentem necessidade de retornar a alguns valores mais tradicionais, como forma de terem mais segurança”, aponta, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail.
Mestre em Antropologia Social pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Zilda Knoploch é pós-graduada em Marketing pela Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM e membro da Enfoque Pesquisa de Marketing.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como as gerações Y e Z lidam com o consumo?
Zilda Knoploch - As novas gerações – aqui considero a geração Y, que hoje tem entre 18 e 30 anos, e a “@” ou Z como alguns a chamam, que é ainda adolescente, não está no mercado de trabalho, mas nas escolas – são gerações com mais poder em relação às marcas. Estes jovens são mais marketing literate, ou seja, conhecem mais sobre comunicação e são mais críticos em relação às mensagens que as propagandas lhes remetem. Eles não são diferentes das gerações anteriores no tocante a terem no consumo uma das suas formas de expressão. No entanto, eles interagem com as marcas, não desejam mais serem meros receptores de mensagens, como foram os consumidores da época anterior às redes sociais e às tecnologias de informação. Cada um dos jovens é potencialmente um formador de opinião. E isto afeta suas relações de consumo.
IHU On-Line – Quais eram e quais são hoje as principais diferenças entre as gerações? Percebe uma diferença mais acentuada entre as gerações de hoje e as de trinta, quarenta anos atrás?
Zilda Knoploch - As principais diferenças entre estas gerações, como é o caso de qualquer outro período histórico, baseiam-se em dois conjuntos de circunstâncias: o contexto (social, econômico, político e tecnológico) e as suas aspirações, que são fortemente influenciadas por este contexto.
Assim, se olharmos os fatos a partir destes respectivos contextos, iremos notar que a geração X se caracterizou por um individualismo em função de terem metas em vez dos ideais da geração Baby Boomer, e assim o trabalho é a sua ferramenta para atingir um objetivo de estabilidade material. Esta geração já recebeu influência dos novos papéis feminino e masculino, que começaram a se redefinir a partir do advento da pílula anticoncepcional, que tornou possível a mulheres da geração anterior (Baby Boomers) decidirem se queriam mesmo ser apenas mães de família ou se desejavam controlar a vinda de seus filhos, para se tornarem mais realizadas no mercado de trabalho. Nesta geração, cresceu o número de divórcios e a adaptação a um mundo com famílias menos tradicionais fez parte do contexto.
Já a geração Y, que hoje está com 18 a 30 anos, vive uma necessidade ainda maior de adaptação. Além de viver num mundo mais violento do que seus pais viveram, as novas tecnologias nasceram quando eles estavam saindo da adolescência e eles passam a usufruir dessas vantagens na fase de “adultecência”, quando já estão com um pé na vida adulta, mas o outro, ainda não. Eles vivem a contradição de terem total liberdade sexual, mas num mundo assombrado pela Aids, em que a vivência desta liberdade não é mais possível como o foi entre seus avós, os Baby Boomers, livres para exercer sua sexualidade, e o faziam sem medo. Suas referências familiares já não são mais as mesmas. As famílias tradicionais já são exceção para esta geração. E os novos papéis femininos e masculinos estão trazendo muitas opções até para os relacionamentos. Estes últimos, cada vez mais superficiais e descartáveis tanto se exercitam na vida pessoal como na vida profissional: uma ansiedade constante por mudar de trabalho, de amizades, de relacionamentos, de atividades.
Sobre a mais nova geração @, há muito pouco ainda para sermos assertivos: eles ainda não saíram da adolescência e, sim, são nativos digitais: sua relação com a tecnologia é natural. Eles nasceram e cresceram junto com as tecnologias. E isto já faz toda a diferença em suas jovens vidas.
IHU On-Line – Em que aspectos elas se assemelham?
Zilda Knoploch - Quando olhamos para os momentos em que estas gerações estavam na mesma idade, ou seja, quando eram crianças e ou adolescentes, o que há e sempre haverá em comum é a necessidade de construir sua identidade, de se desligar do domínio da sua família, criar sua independência. O que diferencia estas gerações, entretanto, é o contexto das famílias – maior ou menor tradicionalismo, relações de poder ou de autoridade – e as formas de que eles dispõem para exercer esta conquista de espaço pessoal, independência e sua própria identidade. Neste caso, a tecnologia tem tido um papel excepcionalmente diferenciador. Basta pensar nas formas que cada uma destas gerações tinha para se comunicar, se educar e vivenciar seu meio. Juventude da geração X: sem celular, sem internet, sem cartão de crédito, sem TV fechada, sem games; geração Y, como os itens anteriores, porém na sua maioria vivendo na casa dos seus pais até bem mais tarde, sem seu espaço privativo, o qual passaram a criar dentro da sua casa, no seu quarto, com sua TV, seus games, seus celulares. E a geração @, que chega com tudo isso à sua disposição, sendo, inclusive a que ensina seus pais e avós (das gerações X e Baby Boomers) a usar estes recursos.
IHU On-Line – Quais são os valores dos teenagers?
Zilda Knoploch - Os teenagers de hoje ainda estão num processo de formar seus valores. Neste sentido ainda são muito influenciados pela geração anterior, Y, com a qual ainda dividem muitas características e, possivelmente, da qual absorverão ainda muitos dos valores. Estes teenagers são, igualmente, multitarefas, podem usar – e usam – simultaneamente vários itens de conteúdo e comunicação (TV, computador, celular, iPod). Mas com o fenômeno da convergência, eles tenderão a se expressar pela telas dos tablets. Eles são um tanto egocêntricos e autocentrados, um tanto exibicionistas e encontram nas redes sociais sua possibilidade de viver uma cultura de microcelebridades. Eles têm uma forma mais natural de sexualidade, estimulada pelo conteúdo a que são expostos, quase sempre sem supervisão dos seus pais. E esta nova sensualidade é uma das bases do sucesso de ícones como Lady Gaga , Shakira , e outros pop stars que entram em suas telas sem qualquer restrição. Eles são impacientes, como a geração Y, e acreditamos que serão ainda mais, pois sua noção de tempo e de velocidade, cunhada pela velocidade da internet banda larga, os torna mais exigentes e mais angustiados em consumir e produzir mais e mais informação: seja vídeos, fotos e diálogos em “real time”.
Por isto tudo, sua relação com seus avós, da Geração X ou Baby Boomer, causa a estes crescente angústia: o que posso ensinar para estes netos? Como entender o que eles falam? Como estabelecer um diálogo? Como traçar limites?
IHU On-Line – Quem são os heróis e os mitos destas novas gerações?
Zilda Knoploch - Os heróis e mitos das novas gerações (Y e @) são as celebridades do mundo musical e dos esportes. Não são os políticos, nem os cientistas, nem os empresários. E o herói máximo (heroína) é a Mãe. Há uma crescente descrença em relação a figuras públicas, governantes, legisladores. Um vazio de lideranças. Um culto a realização rápida, sem tanto esforço, talvez com algum talento, mas não necessariamente. Vide as celebridades geradas pelo BBB.
IHU On-Line – Como as antigas gerações podem compreender e se comunicar com a juventude?
Zilda Knoploch - Esta é uma resposta que vale muitos milhões de dólares, não é? Não há uma fórmula. Temos que acompanhar estas gerações através de pesquisas, como empresas vêm fazendo ao longo de pelo menos 20 anos. Hoje, ao pesquisar as várias gerações que convivem na nossa sociedade, observamos como elas se relacionam, e que desafios cada uma tem tido para manter um diálogo produtivo. Da mesma forma, as marcas precisam deste acompanhamento a fim de poder serem relevantes para estes jovens de hoje. E isto quer dizer: estabelecer conversas, diálogos, em vez dos monólogos que eram não só aceitáveis, como a única forma possível antes das novas tecnologias. E acompanhar como as tecnologias afetam estas relações, como venho fazendo e orientando muitos dos meus clientes no meio empresarial.
IHU On-Line – Como o comportamento das gerações X e Y refletem no mercado de trabalho? Quais os limites e as possibilidades dessa relação?
Zilda Knoploch - As gerações X e Y são muito diferentes quando o tema é o mercado de trabalho. Há grandes conflitos decorrentes deste gap. Se para a geração X, a produtividade e a objetividade são valores predominantes para atingir metas, para a geração Y, as metas no trabalho não as sensibilizam. Eles têm mais metas pessoais, querem trabalhar menos, ter mais liberdade, mais flexibilidade. E, principalmente, não aceitam bem as hierarquias tradicionais no trabalho. Isto gera um imenso conflito no ambiente funcional e uma grande insegurança – por parte da geração X – de como lidar com estes jovens, que, em grande parte, têm excesso de autoconfiança e pouca noção de circunstâncias. Eles são, quase sempre, vistos como difíceis de liderar. Eles não querem lideres no ambiente de trabalho, nem querem liderar. Querem relações de igual para igual. Por outro lado, falta-lhes o conhecimento que a geração X detém, e este é o trunfo desta geração neste relacionamento delicadíssimo. Afinal, as empresas precisam destes jovens Y, pois eles serão os futuros gestores, quando a geração X começar a se retirar.
IHU On-Line – A senhora menciona que a sociedade ainda não assimilou como entender os teenagers, como entrar no seu mundo e projetar seu comportamento quando assumirem o papel adulto. O que podemos esperar desta geração nos próximos anos?
Zilda Knoploch - Eles vão crescer e viver seus próprios desafios, de crescer num mundo mais dominado pela tecnologia, que deixa de ser vantagem competitiva, já que todos a dominarão. Eles vivem numa era que já classifico como a era do conhecimento, e não mais da informação. Os Y são superinformados, mas ainda não aprenderam como transformar esta hiperexposição embriagante em conhecimento. Creio que os atuais teenagers deverão se encaminhar mais nesta direção. Há movimentos cíclicos ao longo da história que nos mostram que, em certos momentos, os jovens sentem necessidade de retornar a alguns valores mais tradicionais, como forma de terem mais segurança. Isto já se delineia um pouco, ao vermos um movimento meio “retrô” em vários aspectos do consumo. A música é um deles (os jovens estão curtindo os Rolling Stones e Paul McCartney, sexagenários, junto de seus pais e avós). De toda a forma, vejo que o ambiente social como um todo (família, escola, empresas, política, economia) será afetado e afetará as novas possibilidades que a tecnologia disponibiliza às novas gerações, acelerando seu processo de educação, de informação, de formação e até, infelizmente, de deformação. Todos teremos que reinventar muitas das nossas práticas de relacionamento com os jovens, tanto no plano da família quanto nas outras instâncias da sociedade que estão em mutação a cada geração. Só reforço que tudo com eles é muito mais rápido. A sociedade, entretanto, em muitas coisas, como a infraestrutura, os programas educacionais, as ferramentas de inserção tecnológica, não tem se mostrado ágil e daí decorrem e decorrerão muitos abismos a serem vencidos.
IHU On-Line – Quais são as pretensões profissionais das novas gerações?
Zilda Knoploch - Os jovens Y querem menos rigidez, mais liberdade, e não darão o sangue para crescer nas empresas como a geração anterior fazia. Eles são superficiais e impacientes e sua vida pessoal tem prioridade sobre a vida empresarial. Isto já causa grandes conflitos. A geração @ tenderá a aumentar este tipo de comportamento. Porém, à medida que vai encontrar superiores da geração Y, o conflito que hoje existe no ambiente de trabalho tende a ser menor. Vamos vivenciar cada vez mais trabalhos remotos, flexibilidade de horário, bancos de horas, remuneração baseada em cumprimento de metas e não de horário. O resto é um pouco de futurologia.
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012
Maria Magdalena, capítulo III e último
Mística, erotismo e sensualidade
Minha opinião sobre a conexão entre erotismo e mística não se inspira naquilo que se pode saber da relação de Maria de Magdala com Jesus, já que os dados históricos sobre um relacionamento romântico é, no máximo, tênue.
Dito isso, eu acredito que há, de fato, uma conexão entre erotismo e mística, e essa conexão pode ser facilmente vista em muitos dos escritos e das experiências dos grandes místicos, como João da Cruz e Teresa de Ávila.
A experiência do mistério do amor de Deus é uma experiência profundamente humana. Somos Espíritos encarnados. Outra forma de dizer isso, como um fisioterapeuta amigo meu disse uma vez, é perceber que “nossos corpos são a parte mais densa do nosso Espírito”. Disso segue-se que, em qualquer encontro com o divino, nossos corpos vão refletir isso de alguma forma.
Para aqueles abençoados com experiências consoladoras do amor de Deus, pode não ser incomum encontrar nossos sentidos corporais tão cheios e consumados quanto depois de uma expressão amorosa do amor sexual íntimo. Isso não quer dizer que a experiência mística é o mesmo que o orgasmo sexual, mas sim que há uma satisfação na totalidade do nosso eu que se parece com o grande mistério e prazer da satisfação sexual humana. Alguns acham que essa satisfação divina é ainda mais profundamente satisfatória.
As escrituras geralmente usam metáforas esponsais para descrever o amor de Deus pelo seu povo. Certamente, esse amor mais poderoso dos amores humanos é uma metáfora apropriada para descrever o amor insuperável de Deus por cada pessoa e pelo mundo.
IHU On-Line – Você é diretora-executiva da FutureChurch, com sede em Cleveland, que iniciou em 1997 uma celebração especial da festa de Maria de Magdala, no dia 22 de julho. Por que essa data? Como é essa celebração e quais são seu significado e seu propósito mais profundos?
Chris Schenk – Nós escolhemos o dia 22 de julho porque é o dia da festa de Santa Maria de Magdala, celebrada pela Igreja universal. As celebrações surgiram por causa da minha paixão por esclarecer de uma vez por todas que Maria de Magdala não foi uma prostituta, mas sim a primeira testemunha da Ressurreição.
As celebrações são organizadas para apresentar aos católicos comuns o estudo bíblico contemporâneo sobre Santa Maria de Magdala e de outras mulheres nas Escrituras. As definições da cerimônia de oração também proporcionam um lugar em que mulheres competentes podem pregar e presidir em funções litúrgicas visíveis.
O significado e propósito mais profundos dessas celebrações é que tanto homens como mulheres aprendam sobre a liderança das mulheres nos Evangelhos e experimentem o fato de mulheres servirem em papéis de liderança sagrada, alguns pela primeira vez. Quando começamos essas celebrações em Cleveland, Ohio, uma amiga trouxe o seu grupo de mulheres das Alcoólicas Anônimas. Algumas dessas mulheres estavam em lágrimas durante toda a celebração, porque era a primeira vez que se experimentavam como igualmente santas e amadas por Deus em comparação com seus irmãos.
Foi assim que eu soube que estávamos tocando algo muito profundo na psique feminina e, por extensão, na psique masculina. Como nós, mulheres, raramente nos vemos nas Escrituras e quase nunca vemos mulheres servindo em papéis sagrados no altar, nós muitas vezes inconscientemente interiorizamos que temos menos valor e somos menos amadas por Deus do que os nossos irmãos.
Eu acho que a Igreja Católica jamais será curada do sexismo e da misoginia enquanto tanto as mulheres como os homens experimentem o ministério a partir de mulheres e de homens. Todos nós precisamos do ministério de ambos os gêneros.
IHU On-Line – Que outras mulheres místicas você destacaria a partir das Escrituras ou da história do cristianismo? Como essas mulheres nos ajudam a pensar a mística feminina na contemporaneidade?
Chris Schenk – Esse é um assunto muito extenso para abordar em profundidade aqui. Mas basta dizer que, ao longo da história, as mulheres muitas vezes exerceram a liderança espiritual que lhes era negada na Igreja institucional escrevendo sobre seus encontros místicos com um Deus amoroso que conforta, consola e traz justiça.
Vemos isso nos escritos do século XII de Hildegard de Bingen, que era uma visionária, vidente e curadora. Ela ficava assombrada com a corrupção do seu próprio tempo: “Este tempo é um tempo afeminado, porque a revelação da justiça de Deus é fraca. Mas a força da justiça de Deus está se manifestando, uma guerreira lutando contra a injustiça, para que esta possa cair derrotada” (Carta 23). Hildegard entendeu-se como essa guerreira feminina, a personificação da justiça de Deus.
Teresa de Ávila foi uma proeminente mística espanhola do século XVI que foi ameaçada pela Inquisição por três vezes. Quando as pessoas citavam a prescrição paulina de que as mulheres devem ficar em silêncio e nunca ter a pretensão de ensinar na Igreja (1 Tim 2, 11-14), ela contestava com palavras que ela havia recebido de Jesus em oração: “Diga-lhes que não sigam apenas uma parte da Escritura sozinha (…) e pergunte-lhes se poderão, por ventura, atar minhas mãos” (Testemunhos Espirituais, 15).
No final do século XIV, em um tempo em que a guerra e a peste assolavam toda a Europa, Julian de Norwich trouxe uma mensagem reconfortante para as pessoas aterrorizadas pela morte súbita: Deus não odeia os pecadores, mas só tem amor e compaixão por eles. Julian foi uma mística que experimentou uma cura milagrosa e teve visões que lhe deram intuições sobre o amor de Jesus. Ela escreveu sobre isso em um livro chamado Showings. Era um risco escrever sobre o amor de Deus em vez dos pecados das pessoas, porque, naqueles dias, a Igreja considerava a minimização do pecado uma heresia punível com a morte. Grande estudiosa e teóloga, Julian também foi uma mulher corajosa e criativa que confiava completamente em um Deus amoroso.
As mulheres de hoje têm acesso à mesma formação teológica e bíblica que os homens. Isso permite que os fiéis dos nossos dias apreendam o Deus-mistério através das lentes da experiência feminina em uma linguagem que possa ser entendida tanto por homens como por mulheres. Esse é um grande dom para a Igreja e está, de fato, abrindo novas formas de compreensão e de apreciação do Mistério divino que, afinal de contas, sempre será um mistério. Essa é para mim uma das coisas favoritas sobre Deus... Sempre haverá mais para aprender, explorar e amar.
IHU On-Line – Em sua opinião, considerando a atual situação social, socioeconômica e política, qual é o papel da mística e da espiritualidade, especialmente feminina?
Chris Schenk – Eu acredito que, como as mulheres muitas vezes têm experiência pessoal do que significa ser suprimidas, oprimidas e deprimidas (para citar uma amiga minha), elas entendem muito bem a importância de testemunhar o Deus de justiça e Jesus, que veio para exaltar os humildes e libertar os oprimidos.
Se alguma vez for dada às mulheres a oportunidade de pregar regularmente, eu suspeito que poderemos ouvir muito mais sobre a paixão de Jesus pelo reino justo de Deus do que nós atualmente ouvimos a partir da maioria dos púlpitos, em que os homilistas muitas vezes pregam chavões piedosos, em vez de proclamar boas novas aos pobres.
A mística feminina, como qualquer mística (e a mística é a experiência da maioria dos cristãos mais comprometidos, embora eles nunca a nomeiem dessa forma), é chamada a ajudar a trazer o reino justo de Deus aqui na terra, como no céu. Se você não acredita em mim, apenas reveja a própria oração de Jesus, o Pai Nosso, que diz isso de forma mais eloquente do que eu jamais poderia dizer.
A mística, então, também é chamada a ser profeta. E o profeta não pode sobreviver sem uma comunicação mística regular com Aquele que nos ama para além de toda a nossa compreensão e que nos fortalece para além de todas as nossas fraquezas.
Minha opinião sobre a conexão entre erotismo e mística não se inspira naquilo que se pode saber da relação de Maria de Magdala com Jesus, já que os dados históricos sobre um relacionamento romântico é, no máximo, tênue.
Dito isso, eu acredito que há, de fato, uma conexão entre erotismo e mística, e essa conexão pode ser facilmente vista em muitos dos escritos e das experiências dos grandes místicos, como João da Cruz e Teresa de Ávila.
A experiência do mistério do amor de Deus é uma experiência profundamente humana. Somos Espíritos encarnados. Outra forma de dizer isso, como um fisioterapeuta amigo meu disse uma vez, é perceber que “nossos corpos são a parte mais densa do nosso Espírito”. Disso segue-se que, em qualquer encontro com o divino, nossos corpos vão refletir isso de alguma forma.
Para aqueles abençoados com experiências consoladoras do amor de Deus, pode não ser incomum encontrar nossos sentidos corporais tão cheios e consumados quanto depois de uma expressão amorosa do amor sexual íntimo. Isso não quer dizer que a experiência mística é o mesmo que o orgasmo sexual, mas sim que há uma satisfação na totalidade do nosso eu que se parece com o grande mistério e prazer da satisfação sexual humana. Alguns acham que essa satisfação divina é ainda mais profundamente satisfatória.
As escrituras geralmente usam metáforas esponsais para descrever o amor de Deus pelo seu povo. Certamente, esse amor mais poderoso dos amores humanos é uma metáfora apropriada para descrever o amor insuperável de Deus por cada pessoa e pelo mundo.
IHU On-Line – Você é diretora-executiva da FutureChurch, com sede em Cleveland, que iniciou em 1997 uma celebração especial da festa de Maria de Magdala, no dia 22 de julho. Por que essa data? Como é essa celebração e quais são seu significado e seu propósito mais profundos?
Chris Schenk – Nós escolhemos o dia 22 de julho porque é o dia da festa de Santa Maria de Magdala, celebrada pela Igreja universal. As celebrações surgiram por causa da minha paixão por esclarecer de uma vez por todas que Maria de Magdala não foi uma prostituta, mas sim a primeira testemunha da Ressurreição.
As celebrações são organizadas para apresentar aos católicos comuns o estudo bíblico contemporâneo sobre Santa Maria de Magdala e de outras mulheres nas Escrituras. As definições da cerimônia de oração também proporcionam um lugar em que mulheres competentes podem pregar e presidir em funções litúrgicas visíveis.
O significado e propósito mais profundos dessas celebrações é que tanto homens como mulheres aprendam sobre a liderança das mulheres nos Evangelhos e experimentem o fato de mulheres servirem em papéis de liderança sagrada, alguns pela primeira vez. Quando começamos essas celebrações em Cleveland, Ohio, uma amiga trouxe o seu grupo de mulheres das Alcoólicas Anônimas. Algumas dessas mulheres estavam em lágrimas durante toda a celebração, porque era a primeira vez que se experimentavam como igualmente santas e amadas por Deus em comparação com seus irmãos.
Foi assim que eu soube que estávamos tocando algo muito profundo na psique feminina e, por extensão, na psique masculina. Como nós, mulheres, raramente nos vemos nas Escrituras e quase nunca vemos mulheres servindo em papéis sagrados no altar, nós muitas vezes inconscientemente interiorizamos que temos menos valor e somos menos amadas por Deus do que os nossos irmãos.
Eu acho que a Igreja Católica jamais será curada do sexismo e da misoginia enquanto tanto as mulheres como os homens experimentem o ministério a partir de mulheres e de homens. Todos nós precisamos do ministério de ambos os gêneros.
IHU On-Line – Que outras mulheres místicas você destacaria a partir das Escrituras ou da história do cristianismo? Como essas mulheres nos ajudam a pensar a mística feminina na contemporaneidade?
Chris Schenk – Esse é um assunto muito extenso para abordar em profundidade aqui. Mas basta dizer que, ao longo da história, as mulheres muitas vezes exerceram a liderança espiritual que lhes era negada na Igreja institucional escrevendo sobre seus encontros místicos com um Deus amoroso que conforta, consola e traz justiça.
Vemos isso nos escritos do século XII de Hildegard de Bingen, que era uma visionária, vidente e curadora. Ela ficava assombrada com a corrupção do seu próprio tempo: “Este tempo é um tempo afeminado, porque a revelação da justiça de Deus é fraca. Mas a força da justiça de Deus está se manifestando, uma guerreira lutando contra a injustiça, para que esta possa cair derrotada” (Carta 23). Hildegard entendeu-se como essa guerreira feminina, a personificação da justiça de Deus.
Teresa de Ávila foi uma proeminente mística espanhola do século XVI que foi ameaçada pela Inquisição por três vezes. Quando as pessoas citavam a prescrição paulina de que as mulheres devem ficar em silêncio e nunca ter a pretensão de ensinar na Igreja (1 Tim 2, 11-14), ela contestava com palavras que ela havia recebido de Jesus em oração: “Diga-lhes que não sigam apenas uma parte da Escritura sozinha (…) e pergunte-lhes se poderão, por ventura, atar minhas mãos” (Testemunhos Espirituais, 15).
No final do século XIV, em um tempo em que a guerra e a peste assolavam toda a Europa, Julian de Norwich trouxe uma mensagem reconfortante para as pessoas aterrorizadas pela morte súbita: Deus não odeia os pecadores, mas só tem amor e compaixão por eles. Julian foi uma mística que experimentou uma cura milagrosa e teve visões que lhe deram intuições sobre o amor de Jesus. Ela escreveu sobre isso em um livro chamado Showings. Era um risco escrever sobre o amor de Deus em vez dos pecados das pessoas, porque, naqueles dias, a Igreja considerava a minimização do pecado uma heresia punível com a morte. Grande estudiosa e teóloga, Julian também foi uma mulher corajosa e criativa que confiava completamente em um Deus amoroso.
As mulheres de hoje têm acesso à mesma formação teológica e bíblica que os homens. Isso permite que os fiéis dos nossos dias apreendam o Deus-mistério através das lentes da experiência feminina em uma linguagem que possa ser entendida tanto por homens como por mulheres. Esse é um grande dom para a Igreja e está, de fato, abrindo novas formas de compreensão e de apreciação do Mistério divino que, afinal de contas, sempre será um mistério. Essa é para mim uma das coisas favoritas sobre Deus... Sempre haverá mais para aprender, explorar e amar.
IHU On-Line – Em sua opinião, considerando a atual situação social, socioeconômica e política, qual é o papel da mística e da espiritualidade, especialmente feminina?
Chris Schenk – Eu acredito que, como as mulheres muitas vezes têm experiência pessoal do que significa ser suprimidas, oprimidas e deprimidas (para citar uma amiga minha), elas entendem muito bem a importância de testemunhar o Deus de justiça e Jesus, que veio para exaltar os humildes e libertar os oprimidos.
Se alguma vez for dada às mulheres a oportunidade de pregar regularmente, eu suspeito que poderemos ouvir muito mais sobre a paixão de Jesus pelo reino justo de Deus do que nós atualmente ouvimos a partir da maioria dos púlpitos, em que os homilistas muitas vezes pregam chavões piedosos, em vez de proclamar boas novas aos pobres.
A mística feminina, como qualquer mística (e a mística é a experiência da maioria dos cristãos mais comprometidos, embora eles nunca a nomeiem dessa forma), é chamada a ajudar a trazer o reino justo de Deus aqui na terra, como no céu. Se você não acredita em mim, apenas reveja a própria oração de Jesus, o Pai Nosso, que diz isso de forma mais eloquente do que eu jamais poderia dizer.
A mística, então, também é chamada a ser profeta. E o profeta não pode sobreviver sem uma comunicação mística regular com Aquele que nos ama para além de toda a nossa compreensão e que nos fortalece para além de todas as nossas fraquezas.
Maria Magdalena, capítulo II
IHU On-Line – Como Maria Madalena nos ajuda a pensar a liderança das mulheres na Igreja e na sociedade de hoje? É possível chegar à igualdade de gênero na Igreja Católica?
Chris Schenk – Talvez o aspecto mais importante da recuperação da memória histórica da liderança de Santa Maria de Magdala é que as fiéis contemporâneas podem, pela primeira vez, se ver nas histórias do Evangelho e na história da Igreja primitiva.
Quando eu era criança, eu tinha a impressão, assim como quase todo mundo que eu conhecia, que era Jesus e os 12 homens que viajavam ao redor da Galileia fazendo o bem. Eu nunca via ninguém que se parecesse comigo nos Evangelhos. As mulheres pareciam ser todas as prostitutas, pecadoras, habitadas por demônios ou uma Mãe virgem. Nenhum desses modelos a serem seguidos era muito atraente. Fiquei escandalizada quando eu descobri, por meio dos meus estudos bíblicos, que Maria de Magdala foi a primeira testemunha da Ressurreição e que não há nada nas Escrituras que sustente a ideia de que ela era uma prostituta. Parecia uma grande injustiça o fato de ser assim que uma grande mulher de fé como ela era lembrada na história da Igreja, pelo menos na Igreja latina. E eu resolvi fazer algo a respeito.
Então, se nós, como Igreja, podemos começar a ver que Jesus (e mais tarde São Paulo) incluiu mulheres que eram líderes no seu discipulado mais próximo, isso leva à pergunta: “Bem, por que a Igreja não pode incluir mulheres como líderes hoje?”. Atualmente, a Igreja ensina que as mulheres são iguais. No entanto, nenhuma estrutura da Igreja lhes permite exercer essa igualdade de forma alguma. Só homens podem eleger o Papa, liderar dioceses, pastorear paróquias e pregar na Missa. Isso é uma grande perda para a comunidade de fiéis, já que necessariamente sempre ouvimos o Evangelho através da lente da experiência masculina. Estamos perdendo a oportunidade de ouvir as grandes verdades da nossa fé através das lentes da experiência feminina.
Todas as decisões na governança da Igreja exigem a ordenação, e a Igreja ensina que as mulheres não podem ser ordenadas. Portanto, temos ensinamentos conflitantes aqui. Eles não podem estar ambos certos. É por isso que eu acredito que, no fim, teremos a igualdade feminina na Igreja. Mas será uma longa luta e ela só virá através da graça de Deus em ação, convertendo os homens tomadores de decisão (lembre-se, até São Paulo se converteu) e sustentando as dezenas de milhares de mulheres e homens que trabalham para essa igualdade de muitas e variadas formas nos nossos dias.
IHU On-Line – Como vimos, é impossível entender Maria Madalena sem levar em conta sua relação com Jesus. O que sabemos sobre a relação de Jesus com as mulheres em geral? Que sementes de “mística feminina” já estão presentes na vida de Jesus ou na vida das mulheres que o seguiram?
Chris Schenk – Isso é algo interessante para se refletir. A partir dos Evangelhos, vemos que Jesus tinha muitas amizades com mulheres, e não apenas com Maria de Magdala. Certamente, Maria e Marta de Betânia eram amigas queridas, semelhante a uma família para ele. Maria de Betânia assumiu o papel de estudante rabínico (tradicionalmente reservado aos homens), sentando-se aos pés de Jesus para ouvir e aprender. Ele se recusou a mandá-la embora, não obstante Marta tenha protestado. “Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada”, diz Jesus (Lucas 10, 38-42). O Evangelho de João mostra Marta fazendo uma profissão de fé semelhante à de Pedro quando Jesus a ordena a acreditar que seu irmão vai ressuscitar: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Cristo, o Filho de Deus, aquele que deve vir ao mundo” (João 11, 27).
O autor joanino também mostra que Jesus se alimentou com a conversa teológica e a subsequente conversão da mulher samaritana: “Eu tenho um alimento para comer, que vós não conheceis” (João 4, 32).
A mulher da unção – seja ela Maria de Betânia, no Evangelho de João, ou a discípula anônima vista em Mateus e Marcos – certamente entendeu a missão messiânica de Jesus melhor do que os discípulos homens que a criticaram. A fé da mulher de que Jesus estava de fato entrando em seu reino se mostrou pelo fato de ela ungir a cabeça de Jesus, um ato semelhante à unção realizada pelo profeta Samuel, significando a realeza de Davi. O gesto profético e amoroso dessa mulher deve ter sido muito reconfortante para Jesus enquanto ele enfrentava a sua paixão e morte.
Não me sinto confortável com a frase “mística feminina” neste contexto, já que a mística é mística e, em si mesma, não tem gênero. Dito isso, o encontro humano com o divino provavelmente pode ser influenciado pelo gênero do ser humano que só pode expressar tal encontro por meio do veículo da sua humanidade masculina ou feminina. Por exemplo, a mística de São João da Cruz é expressa de forma diferente do que a de Santa Teresa de Ávila. Ambos têm encontros místicos com o divino que expressam em uma linguagem única, influenciada pela totalidade da sua humanidade, o que inclui o seu gênero.
Nos Evangelhos, vemos muitos exemplos de encontros de Jesus com o Divino. O Evangelho de Lucas (Lucas 4, 18-19) revela que Jesus modelou a sua missão a partir dos escritos dos profetas. Primeiro, ele anuncia a sua missão de Deus na sinagoga da sua cidade natal de Nazaré, citando Isaías 61, 1,2: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Nova aos pobres: enviou-me para proclamar a libertação aos presos (…) para dar liberdade aos oprimidos”. Isso nos diz que Jesus foi profundamente influenciado pelos ensinamentos religiosos da sua própria tradição e encontrou a sua verdadeira identidade por meio do que poderia ser chamado de um encontro místico com a Justiça Divina, mediada pelos escritos de Isaías. Jesus passou o resto de sua vida pública sendo fiel ao seu chamado a proclamar o reino de Deus onde a justiça e a relação justa prevalecem, por fim, entre pobres e ricos, homens e mulheres, soberano e sujeito, forte e fraco.
IHU On-Line – Outra figura de destaque na história do cristianismo é Paulo de Tarso. Em sua opinião, quais as semelhanças ou diferenças entre esse grande apóstolo da Igreja primitiva e a “apóstola dos apóstolos”, Maria Madalena?
Chris Schenk – Tanto Maria de Magdala quanto Paulo tiveram experiências do Cristo Ressuscitado que mudaram as suas vidas. Essa é a grande semelhança.
A diferença é que as viagens e as cartas missionárias de Paulo às primeiras comunidades em todo o mundo mediterrâneo foram preservadas e fornecem um excelente retrato dos desafios reais enfrentados pelos primeiros cristãos. Eles são os primeiros escritos cristãos que temos.
Infelizmente, não temos nenhum registro direto semelhante do que aconteceu na vida e no testemunho subsequentes de Santa Maria de Magdala. Só podemos deduzir de fontes extracanônicas que ela era lembrada em algumas comunidades primitivas como uma proeminente líder mulher e discípula que compreendeu a missão de Jesus melhor do que os seus irmãos.
As cartas de Paulo também fornecem informações valiosas sobre a liderança coigual nas comunidades cristãs primitivas. Romanos 16 nos fala sobre os “colaboradores em Cristo” de Paulo, o casal Prisca e Áquila. O fato de Prisca ser nomeada primeira em quatro das seis vezes em que o casal é citado no Novo Testamento nos diz que ela provavelmente era a mais proeminente da dupla. Prisca e Áquila fundaram comunidades em Corinto, Éfeso e Roma que serviram como base de evangelização em cada uma dessas grandes cidades. Com Paulo, eles podem ser legitimamente chamados de “apóstolos aos gentios”, porque, como o próprio Paulo diz: “Eu lhes sou agradecido, e não somente eu, mas também todas as Igrejas fundadas entre os gentios” (Romanos 16, 04). Paulo louva outro casal de missionários, Júnias e seu marido Andrônico, como “apóstolos notáveis” (Romanos 16, 7). Júnia é a única mulher no Novo Testamento a quem é dado o título de “apóstola”.
IHU On-Line – Maria Madalena e Jesus coexistem no imaginário coletivo como um exemplo de um “amor proibido”, especialmente devido ao “beijo na boca” narrado nos Evangelhos apócrifos ou à dúvida sobre quem é a mulher que derrama “um perfume de nardo puro” nos pés de Jesus. Como você analisa, inspirada em Madalena, a conexão entre erotismo, sensualidade e mística?
Chris Schenk – Como disse anteriormente, a minha interpretação dos textos sobre a unção não se baseia em um erotismo místico, mas no significado profético da unção sobre a cabeça, como Samuel fez quando ungiu o rei Davi.
Todos os quatro Evangelhos falam sobre uma mulher que unge Jesus com um caro unguento perfumado. Em Mateus e Marcos, a mulher unge a cabeça de Jesus, evocando o profeta Samuel. Quando ela é criticada, Jesus a defende: “Onde for anunciado o Evangelho, no mundo inteiro, será mencionado também, em sua memória, o que ela fez” [Marcos 14, 9]. Infelizmente, essa mulher jamais é lembrada, já que, nas leituras do Domingo de Ramos, onde esse texto se encontra, ele é ou omitido ou tornado opcional.
Lucas retrata a mulher como uma pecadora pública, cuja unção dos pés de Jesus significa a sua grande fé e perdão. João mostra Maria ungindo os pés de Jesus no ambiente íntimo de Betânia. Como o lava-pés era um ritual devocional central na comunidade joanina, não é de se estranhar que João combina a história de Lucas da unção dos pés de Jesus com antigas tradições de unção da sua cabeça. Em Mateus, Marcos e João, a unção acontece pouco antes da prisão e paixão de Jesus.
Mas o que a unção significa? A tradição mais antiga, que evoca a unção profética de Samuel, é a pista. Essa discípula fiel entendeu a passagem de Jesus pela paixão e morte como a sua entrada real ao reino messiânico onde a liderança servidora reinará para sempre. O ato dela deve ter sido profundamente consolador para Jesus, enquanto ele enfrentava a efusão final para a vida do mundo.
Nas palavras de Isaías: “Eis o meu servo, dou-lhe o meu apoio. É o meu escolhido, alegria do meu coração. Pus nele o meu espírito, ele vai levar o direito às nações”. Para os seguidores de Jesus, a lavagem e a unção dos pés é uma estrada real que leva à vitória da Justiça.
A publicação em 2002 de O Código Da Vinci inflamou uma ampla polêmica em torno do verdadeiro papel de Maria de Magdala. Infelizmente, o livro de Dan Brown, embora sendo uma narrativa ficcional envolvente, fez um desserviço à Maria de Magdala histórica e a outras líderes mulheres da Igreja primitiva. Apesar de O Código Da Vinci transmitir um belo ideal da unidade essencial do masculino e feminino, ele é, em última análise, subversivo à liderança plena e igualitária das mulheres na Igreja, porque se centra na ficção do estado marital de Maria, em vez de se centrar no fato da sua liderança em proclamar a Ressurreição de Jesus.
Não há dados históricos ou bíblicos para sustentar a especulação de que Maria de Magdala era casada com Jesus. A controvérsia de que os escritores antigos não mencionam o seu casamento e sua prole por medo da perseguição judaica realmente não se sustenta, porque o Evangelho de João e grande parte da literatura apócrifa foram escritos depois da queda de Jerusalém, quando não haveria nada a temer das autoridades judaicas. Se Maria de Magdala fosse a esposa de Jesus e a mãe de seu filho, é altamente improvável que esses textos teriam omitido esses fatos importantes, especialmente porque ela é retratada proeminentemente tanto como a principal testemunha da Ressurreição quanto uma líder feminina que, de muitas formas, entendeu a missão de Jesus melhor do que os discípulos homens.
Se Jesus foi casado, não foi com Maria de Magdala, porque então ela teria sido conhecida como “Maria, a esposa de Jesus”, e não Maria de Magdala. Como vimos, convenções literárias e sociais na Antiguidade ditavam que, quando as mulheres eram mencionados (uma ocorrência muito rara), elas eram quase sempre nomeadas pela sua relação com a família patriarcal, por exemplo: “Joana, mulher de Cuza, alto funcionário de Herodes” (Lucas 8, 1-3). De forma atípica, Maria de Magdala foi nomeada de acordo com a cidade da qual ela provinha (não pela sua relação com um homem).
Chris Schenk – Talvez o aspecto mais importante da recuperação da memória histórica da liderança de Santa Maria de Magdala é que as fiéis contemporâneas podem, pela primeira vez, se ver nas histórias do Evangelho e na história da Igreja primitiva.
Quando eu era criança, eu tinha a impressão, assim como quase todo mundo que eu conhecia, que era Jesus e os 12 homens que viajavam ao redor da Galileia fazendo o bem. Eu nunca via ninguém que se parecesse comigo nos Evangelhos. As mulheres pareciam ser todas as prostitutas, pecadoras, habitadas por demônios ou uma Mãe virgem. Nenhum desses modelos a serem seguidos era muito atraente. Fiquei escandalizada quando eu descobri, por meio dos meus estudos bíblicos, que Maria de Magdala foi a primeira testemunha da Ressurreição e que não há nada nas Escrituras que sustente a ideia de que ela era uma prostituta. Parecia uma grande injustiça o fato de ser assim que uma grande mulher de fé como ela era lembrada na história da Igreja, pelo menos na Igreja latina. E eu resolvi fazer algo a respeito.
Então, se nós, como Igreja, podemos começar a ver que Jesus (e mais tarde São Paulo) incluiu mulheres que eram líderes no seu discipulado mais próximo, isso leva à pergunta: “Bem, por que a Igreja não pode incluir mulheres como líderes hoje?”. Atualmente, a Igreja ensina que as mulheres são iguais. No entanto, nenhuma estrutura da Igreja lhes permite exercer essa igualdade de forma alguma. Só homens podem eleger o Papa, liderar dioceses, pastorear paróquias e pregar na Missa. Isso é uma grande perda para a comunidade de fiéis, já que necessariamente sempre ouvimos o Evangelho através da lente da experiência masculina. Estamos perdendo a oportunidade de ouvir as grandes verdades da nossa fé através das lentes da experiência feminina.
Todas as decisões na governança da Igreja exigem a ordenação, e a Igreja ensina que as mulheres não podem ser ordenadas. Portanto, temos ensinamentos conflitantes aqui. Eles não podem estar ambos certos. É por isso que eu acredito que, no fim, teremos a igualdade feminina na Igreja. Mas será uma longa luta e ela só virá através da graça de Deus em ação, convertendo os homens tomadores de decisão (lembre-se, até São Paulo se converteu) e sustentando as dezenas de milhares de mulheres e homens que trabalham para essa igualdade de muitas e variadas formas nos nossos dias.
IHU On-Line – Como vimos, é impossível entender Maria Madalena sem levar em conta sua relação com Jesus. O que sabemos sobre a relação de Jesus com as mulheres em geral? Que sementes de “mística feminina” já estão presentes na vida de Jesus ou na vida das mulheres que o seguiram?
Chris Schenk – Isso é algo interessante para se refletir. A partir dos Evangelhos, vemos que Jesus tinha muitas amizades com mulheres, e não apenas com Maria de Magdala. Certamente, Maria e Marta de Betânia eram amigas queridas, semelhante a uma família para ele. Maria de Betânia assumiu o papel de estudante rabínico (tradicionalmente reservado aos homens), sentando-se aos pés de Jesus para ouvir e aprender. Ele se recusou a mandá-la embora, não obstante Marta tenha protestado. “Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada”, diz Jesus (Lucas 10, 38-42). O Evangelho de João mostra Marta fazendo uma profissão de fé semelhante à de Pedro quando Jesus a ordena a acreditar que seu irmão vai ressuscitar: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Cristo, o Filho de Deus, aquele que deve vir ao mundo” (João 11, 27).
O autor joanino também mostra que Jesus se alimentou com a conversa teológica e a subsequente conversão da mulher samaritana: “Eu tenho um alimento para comer, que vós não conheceis” (João 4, 32).
A mulher da unção – seja ela Maria de Betânia, no Evangelho de João, ou a discípula anônima vista em Mateus e Marcos – certamente entendeu a missão messiânica de Jesus melhor do que os discípulos homens que a criticaram. A fé da mulher de que Jesus estava de fato entrando em seu reino se mostrou pelo fato de ela ungir a cabeça de Jesus, um ato semelhante à unção realizada pelo profeta Samuel, significando a realeza de Davi. O gesto profético e amoroso dessa mulher deve ter sido muito reconfortante para Jesus enquanto ele enfrentava a sua paixão e morte.
Não me sinto confortável com a frase “mística feminina” neste contexto, já que a mística é mística e, em si mesma, não tem gênero. Dito isso, o encontro humano com o divino provavelmente pode ser influenciado pelo gênero do ser humano que só pode expressar tal encontro por meio do veículo da sua humanidade masculina ou feminina. Por exemplo, a mística de São João da Cruz é expressa de forma diferente do que a de Santa Teresa de Ávila. Ambos têm encontros místicos com o divino que expressam em uma linguagem única, influenciada pela totalidade da sua humanidade, o que inclui o seu gênero.
Nos Evangelhos, vemos muitos exemplos de encontros de Jesus com o Divino. O Evangelho de Lucas (Lucas 4, 18-19) revela que Jesus modelou a sua missão a partir dos escritos dos profetas. Primeiro, ele anuncia a sua missão de Deus na sinagoga da sua cidade natal de Nazaré, citando Isaías 61, 1,2: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Nova aos pobres: enviou-me para proclamar a libertação aos presos (…) para dar liberdade aos oprimidos”. Isso nos diz que Jesus foi profundamente influenciado pelos ensinamentos religiosos da sua própria tradição e encontrou a sua verdadeira identidade por meio do que poderia ser chamado de um encontro místico com a Justiça Divina, mediada pelos escritos de Isaías. Jesus passou o resto de sua vida pública sendo fiel ao seu chamado a proclamar o reino de Deus onde a justiça e a relação justa prevalecem, por fim, entre pobres e ricos, homens e mulheres, soberano e sujeito, forte e fraco.
IHU On-Line – Outra figura de destaque na história do cristianismo é Paulo de Tarso. Em sua opinião, quais as semelhanças ou diferenças entre esse grande apóstolo da Igreja primitiva e a “apóstola dos apóstolos”, Maria Madalena?
Chris Schenk – Tanto Maria de Magdala quanto Paulo tiveram experiências do Cristo Ressuscitado que mudaram as suas vidas. Essa é a grande semelhança.
A diferença é que as viagens e as cartas missionárias de Paulo às primeiras comunidades em todo o mundo mediterrâneo foram preservadas e fornecem um excelente retrato dos desafios reais enfrentados pelos primeiros cristãos. Eles são os primeiros escritos cristãos que temos.
Infelizmente, não temos nenhum registro direto semelhante do que aconteceu na vida e no testemunho subsequentes de Santa Maria de Magdala. Só podemos deduzir de fontes extracanônicas que ela era lembrada em algumas comunidades primitivas como uma proeminente líder mulher e discípula que compreendeu a missão de Jesus melhor do que os seus irmãos.
As cartas de Paulo também fornecem informações valiosas sobre a liderança coigual nas comunidades cristãs primitivas. Romanos 16 nos fala sobre os “colaboradores em Cristo” de Paulo, o casal Prisca e Áquila. O fato de Prisca ser nomeada primeira em quatro das seis vezes em que o casal é citado no Novo Testamento nos diz que ela provavelmente era a mais proeminente da dupla. Prisca e Áquila fundaram comunidades em Corinto, Éfeso e Roma que serviram como base de evangelização em cada uma dessas grandes cidades. Com Paulo, eles podem ser legitimamente chamados de “apóstolos aos gentios”, porque, como o próprio Paulo diz: “Eu lhes sou agradecido, e não somente eu, mas também todas as Igrejas fundadas entre os gentios” (Romanos 16, 04). Paulo louva outro casal de missionários, Júnias e seu marido Andrônico, como “apóstolos notáveis” (Romanos 16, 7). Júnia é a única mulher no Novo Testamento a quem é dado o título de “apóstola”.
IHU On-Line – Maria Madalena e Jesus coexistem no imaginário coletivo como um exemplo de um “amor proibido”, especialmente devido ao “beijo na boca” narrado nos Evangelhos apócrifos ou à dúvida sobre quem é a mulher que derrama “um perfume de nardo puro” nos pés de Jesus. Como você analisa, inspirada em Madalena, a conexão entre erotismo, sensualidade e mística?
Chris Schenk – Como disse anteriormente, a minha interpretação dos textos sobre a unção não se baseia em um erotismo místico, mas no significado profético da unção sobre a cabeça, como Samuel fez quando ungiu o rei Davi.
Todos os quatro Evangelhos falam sobre uma mulher que unge Jesus com um caro unguento perfumado. Em Mateus e Marcos, a mulher unge a cabeça de Jesus, evocando o profeta Samuel. Quando ela é criticada, Jesus a defende: “Onde for anunciado o Evangelho, no mundo inteiro, será mencionado também, em sua memória, o que ela fez” [Marcos 14, 9]. Infelizmente, essa mulher jamais é lembrada, já que, nas leituras do Domingo de Ramos, onde esse texto se encontra, ele é ou omitido ou tornado opcional.
Lucas retrata a mulher como uma pecadora pública, cuja unção dos pés de Jesus significa a sua grande fé e perdão. João mostra Maria ungindo os pés de Jesus no ambiente íntimo de Betânia. Como o lava-pés era um ritual devocional central na comunidade joanina, não é de se estranhar que João combina a história de Lucas da unção dos pés de Jesus com antigas tradições de unção da sua cabeça. Em Mateus, Marcos e João, a unção acontece pouco antes da prisão e paixão de Jesus.
Mas o que a unção significa? A tradição mais antiga, que evoca a unção profética de Samuel, é a pista. Essa discípula fiel entendeu a passagem de Jesus pela paixão e morte como a sua entrada real ao reino messiânico onde a liderança servidora reinará para sempre. O ato dela deve ter sido profundamente consolador para Jesus, enquanto ele enfrentava a efusão final para a vida do mundo.
Nas palavras de Isaías: “Eis o meu servo, dou-lhe o meu apoio. É o meu escolhido, alegria do meu coração. Pus nele o meu espírito, ele vai levar o direito às nações”. Para os seguidores de Jesus, a lavagem e a unção dos pés é uma estrada real que leva à vitória da Justiça.
A publicação em 2002 de O Código Da Vinci inflamou uma ampla polêmica em torno do verdadeiro papel de Maria de Magdala. Infelizmente, o livro de Dan Brown, embora sendo uma narrativa ficcional envolvente, fez um desserviço à Maria de Magdala histórica e a outras líderes mulheres da Igreja primitiva. Apesar de O Código Da Vinci transmitir um belo ideal da unidade essencial do masculino e feminino, ele é, em última análise, subversivo à liderança plena e igualitária das mulheres na Igreja, porque se centra na ficção do estado marital de Maria, em vez de se centrar no fato da sua liderança em proclamar a Ressurreição de Jesus.
Não há dados históricos ou bíblicos para sustentar a especulação de que Maria de Magdala era casada com Jesus. A controvérsia de que os escritores antigos não mencionam o seu casamento e sua prole por medo da perseguição judaica realmente não se sustenta, porque o Evangelho de João e grande parte da literatura apócrifa foram escritos depois da queda de Jerusalém, quando não haveria nada a temer das autoridades judaicas. Se Maria de Magdala fosse a esposa de Jesus e a mãe de seu filho, é altamente improvável que esses textos teriam omitido esses fatos importantes, especialmente porque ela é retratada proeminentemente tanto como a principal testemunha da Ressurreição quanto uma líder feminina que, de muitas formas, entendeu a missão de Jesus melhor do que os discípulos homens.
Se Jesus foi casado, não foi com Maria de Magdala, porque então ela teria sido conhecida como “Maria, a esposa de Jesus”, e não Maria de Magdala. Como vimos, convenções literárias e sociais na Antiguidade ditavam que, quando as mulheres eram mencionados (uma ocorrência muito rara), elas eram quase sempre nomeadas pela sua relação com a família patriarcal, por exemplo: “Joana, mulher de Cuza, alto funcionário de Herodes” (Lucas 8, 1-3). De forma atípica, Maria de Magdala foi nomeada de acordo com a cidade da qual ela provinha (não pela sua relação com um homem).
Tres capítulos sobre Maria Magdalena
Maria de Magdala, a grande “Apóstola dos Apóstolos”
Nem prostituta, nem esposa de Jesus: Maria Madalena foi a principal testemunha da Ressurreição e “uma líder feminina que entendeu a missão de Jesus melhor do que os discípulos homens”. Como a Igreja Oriental, devemos honrá-la como “a Apóstola dos Apóstolos”, defende Chris Schenk
Por: Moisés Sbardelotto
Página 1 de 3
“Não é possível contar a história da Ressurreição sem falar também de ‘Maria, a de Magdala’”. Foi essa mulher que, depois de ir ao túmulo onde Jesus havia sido depositado depois da crucificação, “viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo e saiu correndo”, como relata o Evangelho, para se encontrar os discípulos e lhes contar a grande notícia. Segundo Chris Schenk, CSJ, diretora-executiva da FutureChurch (futurechurch.org), organização norte-americana de renovação da Igreja, essa é a grande importância e o legado de Maria Madalena, uma das primeiras místicas do cristianismo que viveu “a experiência da Ressurreição”. Em entrevista por e-mail à IHU On-Line, Chris busca desmontar por inteiro qualquer referência negativa a Maria Madalena: “Não há nada nas Escrituras que sustente a ideia de que ela era uma prostituta” e, “se Maria de Magdala fosse a esposa de Jesus e a mãe de seu filho, é altamente improvável que esses textos teriam omitido esses fatos importantes”. Ao contrário, para a religiosa da congregação das Irmãs de São José, Madalena foi a principal testemunha da Ressurreição e “uma líder feminina que entendeu a missão de Jesus melhor do que os discípulos homens”. “Curiosamente – afirma –, a Igreja Oriental nunca a identificou como uma prostituta, mas honrou-a ao longo da história como ‘a Apóstola dos Apóstolos’”.
Chris Schenk, CSJ, é religiosa da congregação das Irmãs de São José e diretora-executiva da FutureChurch (futurechurch.org), organização norte-americana de renovação da Igreja, que atua pela plena participação de todos católicos e católicas em todos os aspectos da vida e do ministério da Igreja. É mestre em Obstetrícia e Teologia e, com a assistência da equipe da FutureChurch, desenvolve e administra programas nacionais de base, incluindo questões como a mulher na liderança da Igreja e no mundo, o futuro do ministério sacerdotal e a situação das paróquias dos EUA. Durante os últimos 15 anos, a FutureChurch tem trabalhado para restaurar a consciência sobre Santa Maria de Magdala como a primeira testemunha da Ressurreição e uma respeitada líder da Igreja primitiva. Em 2011, mais de 340 celebrações de Santa Maria de Magdala foram realizadas, incluindo 36 celebrações internacionais, inclusive no Brasil. Em 2007 e 2008, Schenk coordenou uma ação internacional para “pôr novamente as mulheres no quadro bíblico” no Sínodo sobre a Palavra. Isso resultou no maior número mulheres da história a participar de um sínodo do Vaticano, em um total de seis, que atuaram como consultoras teológicas para os padres sinodais.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que sabemos sobre a vida de Maria Madalena? Quem foi essa mulher que seguiu Jesus, alcunhada com expressões tão díspares quanto “prostituta e esposa de Jesus” e “discípula amada e apóstola dos apóstolos”?
Chris Schenk – Mesmo que Maria de Magdala seja a segunda mulher mais frequentemente nomeada no Novo Testamento depois de Maria, a mãe de Jesus, o que sabemos sobre ela é bastante limitado, estando confinado aos textos dos Evangelhos canônicos e ao que pode ser deduzido de como ela é retratada em uma série de textos canônicos extras. No entanto, é impressionante o quanto os estudiosos bíblicos podem nos dizer sobre ela, mesmo a partir desses dados esparsos. Por exemplo, todos os quatro Evangelhos retratam-na como líder do grupo de mulheres que testemunhou por primeiro os eventos que cercam a Ressurreição. Todos os quatro descrevem-na exatamente com a mesma frase: “Maria, a de Magdala”. Os estudiosos chamam isso de atestado múltiplo, o que significa que há evidências históricas confiáveis de que ela existiu e que não é possível contar a história da Ressurreição sem falar também de “Maria, a de Magdala”.
Em Lucas 8, 1-3 ficamos sabendo que, com Joana, esposa de um alto funcionário de Herodes, Cuza, e Susana, Maria de Magdala “e muitas outras mulheres” acompanhavam Jesus e os discípulos homens pela Galileia e “os ajudavam com seus bens” . Esse pequeno texto nos diz muito mais do que pode parecer, a princípio, para os nossos ouvidos do século XXI, que não entendem os costumes sociais que cercavam as mulheres no judaísmo palestino do primeiro século.
Para começar, as mulheres muito raramente eram nomeadas em textos antigos. Se elas são nomeadas é porque tinham alguma proeminência social e, mesmo assim, na maioria das situações, elas são nomeadas em relação aos homens presentes em suas vidas, tais como seus maridos, pais ou irmãos. As mulheres eram consideradas como parte da família patriarcal, e era raro para elas ter uma identidade separada da de um parente do sexo masculino. Assim, vemos Joana, a esposa do alto funcionário de Herodes, Cuza. Herodes é o rei. Joana faz parte de uma família rica pertencente a Cuza.
Mas quando Maria de Magdala é identificada, ela é nomeada pelo povoado de onde ela veio, não em relação a um parente do sexo masculino. Os estudiosos bíblicos acreditam que isso significa que Maria de Magdala era uma mulher rica de recursos independentes. E, com Joana e Susana (sobre quem, infelizmente, sabemos muito pouco), essas mulheres eram apoiadoras financeiras proeminentes da missão de Jesus na Galileia.
Assim começou uma longa história de patrocínio das mulheres que ajudou o cristianismo a se espalhar de forma relativamente rápida por todo o mundo mediterrâneo. Por exemplo, sabemos que Paulo tinha muitas benfeitoras ricas, como Lídia e Febe, que apoiavam financeiramente o seu ministério e o apresentaram a uma ampla gama de relações sociais no mundo dos gentios que, de outras formas, ele não teria tido acesso.
Inclusão de mulheres
A inclusão de mulheres por parte de Jesus em seu discipulado itinerante pela Galileia não é nada menos do que notável. No judaísmo palestino, os judeus observantes homens não falavam publicamente com as mulheres de fora do seu círculo de parentesco, e muito menos lhes era permitido viajar com eles em público em uma comitiva de gênero misto. Embora a observância dos costumes judaicos fosse provavelmente menos estrita na Galileia do que em Jerusalém, eu acredito que a paixão de Jesus por proclamar o reino de Deus de justiça e de relações justas era tal que transcendia costumes, e ele sabia que a sua missão dada por Deus estava voltada para as mulheres assim como para os homens.
As discípulas de Jesus muitas vezes ultrapassaram seus irmãos discípulos em termos de fidelidade à sua pessoa, particularmente em eventos em torno da paixão e morte dele. Enquanto os Evangelhos nos dizem que os discípulos homens fugiram para a Galileia, as mulheres ficaram do lado de Jesus ao longo da crucificação, morte, sepultamento e Ressurreição. É por isso que todos os quatro Evangelhos mostram as mulheres como as primeiras testemunhas. Elas sabiam onde Jesus havia sido sepultado. E as mulheres foram, então, incumbidas a “ir e a contar aos seus irmãos” a boa notícia da vitória de Jesus sobre a morte.
O fato de a mensagem da Ressurreição ter sido confiada por primeiro às mulheres é considerado pelos estudiosos das Escrituras como uma forte prova da historicidade dos relatos da Ressurreição. Se os relatos da Ressurreição de Jesus tivessem sido fabricados, as mulheres nunca teriam sido escolhidas como testemunhas, já que a lei judaica não reconhecia o testemunho de mulheres.
Escritos cristãos extracanônicos antigos mostram comunidades de fé inteiras crescendo em torno do ministério de Maria de Magdala, nos quais ela é retratada como alguém que compreende a mensagem de Jesus melhor do que Pedro e os discípulos homens. Os estudiosos nos dizem que esses escritos não são sobre as pessoas históricas de Maria e de Pedro, mas refletem, sim, tensões sobre os papeis de liderança das mulheres na Igreja primitiva. Líderes proeminentes como Maria e Pedro foram evocados para justificar pontos de vista opostos.
O que não é contestado é a representação de Maria de Magdala como uma importante mulher líder e testemunha das primeiras igrejas cristãs.
Nem prostituta, nem esposa de Jesus: Maria Madalena foi a principal testemunha da Ressurreição e “uma líder feminina que entendeu a missão de Jesus melhor do que os discípulos homens”. Como a Igreja Oriental, devemos honrá-la como “a Apóstola dos Apóstolos”, defende Chris Schenk
Por: Moisés Sbardelotto
Página 1 de 3
“Não é possível contar a história da Ressurreição sem falar também de ‘Maria, a de Magdala’”. Foi essa mulher que, depois de ir ao túmulo onde Jesus havia sido depositado depois da crucificação, “viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo e saiu correndo”, como relata o Evangelho, para se encontrar os discípulos e lhes contar a grande notícia. Segundo Chris Schenk, CSJ, diretora-executiva da FutureChurch (futurechurch.org), organização norte-americana de renovação da Igreja, essa é a grande importância e o legado de Maria Madalena, uma das primeiras místicas do cristianismo que viveu “a experiência da Ressurreição”. Em entrevista por e-mail à IHU On-Line, Chris busca desmontar por inteiro qualquer referência negativa a Maria Madalena: “Não há nada nas Escrituras que sustente a ideia de que ela era uma prostituta” e, “se Maria de Magdala fosse a esposa de Jesus e a mãe de seu filho, é altamente improvável que esses textos teriam omitido esses fatos importantes”. Ao contrário, para a religiosa da congregação das Irmãs de São José, Madalena foi a principal testemunha da Ressurreição e “uma líder feminina que entendeu a missão de Jesus melhor do que os discípulos homens”. “Curiosamente – afirma –, a Igreja Oriental nunca a identificou como uma prostituta, mas honrou-a ao longo da história como ‘a Apóstola dos Apóstolos’”.
Chris Schenk, CSJ, é religiosa da congregação das Irmãs de São José e diretora-executiva da FutureChurch (futurechurch.org), organização norte-americana de renovação da Igreja, que atua pela plena participação de todos católicos e católicas em todos os aspectos da vida e do ministério da Igreja. É mestre em Obstetrícia e Teologia e, com a assistência da equipe da FutureChurch, desenvolve e administra programas nacionais de base, incluindo questões como a mulher na liderança da Igreja e no mundo, o futuro do ministério sacerdotal e a situação das paróquias dos EUA. Durante os últimos 15 anos, a FutureChurch tem trabalhado para restaurar a consciência sobre Santa Maria de Magdala como a primeira testemunha da Ressurreição e uma respeitada líder da Igreja primitiva. Em 2011, mais de 340 celebrações de Santa Maria de Magdala foram realizadas, incluindo 36 celebrações internacionais, inclusive no Brasil. Em 2007 e 2008, Schenk coordenou uma ação internacional para “pôr novamente as mulheres no quadro bíblico” no Sínodo sobre a Palavra. Isso resultou no maior número mulheres da história a participar de um sínodo do Vaticano, em um total de seis, que atuaram como consultoras teológicas para os padres sinodais.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que sabemos sobre a vida de Maria Madalena? Quem foi essa mulher que seguiu Jesus, alcunhada com expressões tão díspares quanto “prostituta e esposa de Jesus” e “discípula amada e apóstola dos apóstolos”?
Chris Schenk – Mesmo que Maria de Magdala seja a segunda mulher mais frequentemente nomeada no Novo Testamento depois de Maria, a mãe de Jesus, o que sabemos sobre ela é bastante limitado, estando confinado aos textos dos Evangelhos canônicos e ao que pode ser deduzido de como ela é retratada em uma série de textos canônicos extras. No entanto, é impressionante o quanto os estudiosos bíblicos podem nos dizer sobre ela, mesmo a partir desses dados esparsos. Por exemplo, todos os quatro Evangelhos retratam-na como líder do grupo de mulheres que testemunhou por primeiro os eventos que cercam a Ressurreição. Todos os quatro descrevem-na exatamente com a mesma frase: “Maria, a de Magdala”. Os estudiosos chamam isso de atestado múltiplo, o que significa que há evidências históricas confiáveis de que ela existiu e que não é possível contar a história da Ressurreição sem falar também de “Maria, a de Magdala”.
Em Lucas 8, 1-3 ficamos sabendo que, com Joana, esposa de um alto funcionário de Herodes, Cuza, e Susana, Maria de Magdala “e muitas outras mulheres” acompanhavam Jesus e os discípulos homens pela Galileia e “os ajudavam com seus bens” . Esse pequeno texto nos diz muito mais do que pode parecer, a princípio, para os nossos ouvidos do século XXI, que não entendem os costumes sociais que cercavam as mulheres no judaísmo palestino do primeiro século.
Para começar, as mulheres muito raramente eram nomeadas em textos antigos. Se elas são nomeadas é porque tinham alguma proeminência social e, mesmo assim, na maioria das situações, elas são nomeadas em relação aos homens presentes em suas vidas, tais como seus maridos, pais ou irmãos. As mulheres eram consideradas como parte da família patriarcal, e era raro para elas ter uma identidade separada da de um parente do sexo masculino. Assim, vemos Joana, a esposa do alto funcionário de Herodes, Cuza. Herodes é o rei. Joana faz parte de uma família rica pertencente a Cuza.
Mas quando Maria de Magdala é identificada, ela é nomeada pelo povoado de onde ela veio, não em relação a um parente do sexo masculino. Os estudiosos bíblicos acreditam que isso significa que Maria de Magdala era uma mulher rica de recursos independentes. E, com Joana e Susana (sobre quem, infelizmente, sabemos muito pouco), essas mulheres eram apoiadoras financeiras proeminentes da missão de Jesus na Galileia.
Assim começou uma longa história de patrocínio das mulheres que ajudou o cristianismo a se espalhar de forma relativamente rápida por todo o mundo mediterrâneo. Por exemplo, sabemos que Paulo tinha muitas benfeitoras ricas, como Lídia e Febe, que apoiavam financeiramente o seu ministério e o apresentaram a uma ampla gama de relações sociais no mundo dos gentios que, de outras formas, ele não teria tido acesso.
Inclusão de mulheres
A inclusão de mulheres por parte de Jesus em seu discipulado itinerante pela Galileia não é nada menos do que notável. No judaísmo palestino, os judeus observantes homens não falavam publicamente com as mulheres de fora do seu círculo de parentesco, e muito menos lhes era permitido viajar com eles em público em uma comitiva de gênero misto. Embora a observância dos costumes judaicos fosse provavelmente menos estrita na Galileia do que em Jerusalém, eu acredito que a paixão de Jesus por proclamar o reino de Deus de justiça e de relações justas era tal que transcendia costumes, e ele sabia que a sua missão dada por Deus estava voltada para as mulheres assim como para os homens.
As discípulas de Jesus muitas vezes ultrapassaram seus irmãos discípulos em termos de fidelidade à sua pessoa, particularmente em eventos em torno da paixão e morte dele. Enquanto os Evangelhos nos dizem que os discípulos homens fugiram para a Galileia, as mulheres ficaram do lado de Jesus ao longo da crucificação, morte, sepultamento e Ressurreição. É por isso que todos os quatro Evangelhos mostram as mulheres como as primeiras testemunhas. Elas sabiam onde Jesus havia sido sepultado. E as mulheres foram, então, incumbidas a “ir e a contar aos seus irmãos” a boa notícia da vitória de Jesus sobre a morte.
O fato de a mensagem da Ressurreição ter sido confiada por primeiro às mulheres é considerado pelos estudiosos das Escrituras como uma forte prova da historicidade dos relatos da Ressurreição. Se os relatos da Ressurreição de Jesus tivessem sido fabricados, as mulheres nunca teriam sido escolhidas como testemunhas, já que a lei judaica não reconhecia o testemunho de mulheres.
Escritos cristãos extracanônicos antigos mostram comunidades de fé inteiras crescendo em torno do ministério de Maria de Magdala, nos quais ela é retratada como alguém que compreende a mensagem de Jesus melhor do que Pedro e os discípulos homens. Os estudiosos nos dizem que esses escritos não são sobre as pessoas históricas de Maria e de Pedro, mas refletem, sim, tensões sobre os papeis de liderança das mulheres na Igreja primitiva. Líderes proeminentes como Maria e Pedro foram evocados para justificar pontos de vista opostos.
O que não é contestado é a representação de Maria de Magdala como uma importante mulher líder e testemunha das primeiras igrejas cristãs.
Miedo. Fray Betto
MI NOMBRE ES MIEDO
Frei Betto
Mi propósito es dominar corazones y mentes. Inculcar en cada uno el miedo al otro. Miedo a extender la mano, a tocar, para saludar, la piel impregnada de bacterias.
Miedo a abrir la puerta y recibir a un intruso necesitado de solidaridad y de apoyo. Con toda seguridad él quiere arrebatarle dinero o algún otro bien. Peor: quiere su afecto. Por eso, es mejor no ceder ante la llamada seductora. Evite el sufrimiento, tenga miedo de amar.
Los quiero a todos con miedo a la comunidad, al vecino, al compañero de trabajo. Miedo al tráfico caótico, a las autopistas asesinas, a los guardias que intimidan y denuncian. Miedo a la calle y al mundo.
Conviene encerrarse en casa, volverse prisionero de la fragilidad y de la desconfianza. Refuerce la seguridad de las puertas con llaves y cerrojos; recubra las ventajas con rejas; coloque alarmas y cámaras por todos los rincones.
Haga de su predio o condominio una cárcel de lujo, repleta de controles y vigilantes, y en el que el clima de hostilidad reinante despierte en cada visitante la ojeriza al placer de la amistad.
Tema al Estado y a sus tentáculos burocráticos, a los pesados impuestos que nos cobra, a las fuerzas policiales y a los servicios de información y de espionaje. ¿Quién garantiza que su teléfono no está intervenido? ¿Qué sus mensajes electrónicos no son chequeados por terceros?
Es más prudente evitar ser transparente, sincero, alegre. Su actitud puede ser interpretada como irreverencia o incluso como una amenaza al sistema.
Aléjese de quien no se compara a usted en clase, en ingresos, en cultura y en el color de la piel; de los ojos envidiosos, de la codicia, del abrazo de quien pretenda meterle un cuchillo en la espalda.
Tenga miedo a la vejez, pues es preanuncio de la muerte. Abomine del crecimiento aritmético de su edad. Nunca emplee el vocablo ‘viejo’; como mucho, admita el de ‘mayor’.
Tema la gordura que le hincha las carnes, la arruga que apareció en el rostro, la celulitis en las piernas, el hilo blanco en el cabello. Es horrible perder la juventud, la esbeltez, el cuerpo deseado.
Tenga miedo a su mayor enemiga: la muerte. Ella se insinúa cuando usted cae enfermo. Sepa que nadie se preocupa por la salud de usted. Por su bolsa sí. Basta con enfermarse para que se note cómo le van a humillar los servicios médicos y los planes de salud.
¡Que nadie se mueva! ¿Por qué viajar, abandonar el confort doméstico y arriesgarse a un accidente de autobús, de barco o de avión? Nunca se sabe cuándo, cómo y dónde atacarán los terroristas. ¿Quién diría que en una bucólica isla de la pacífica Noruega el terror provocaría un genocidio?
Mi nombre es miedo. ¡Acójame en su vida! Sé que perderá la libertad, la alegría de vivir, el placer de ser feliz… pero le daré a usted lo que más desea: ¡seguridad!
En mis brazos usted estará tan seguro como un difunto en su caja, al que ya nadie podrá infligir ningún mal, y ni siquiera amedrentarlo.
Frei Betto es escritor, autor de “Calendario del poder”, entre otros libros.
Traducción de J.L.Burguet (7 febrero 2012)
Frei Betto
Mi propósito es dominar corazones y mentes. Inculcar en cada uno el miedo al otro. Miedo a extender la mano, a tocar, para saludar, la piel impregnada de bacterias.
Miedo a abrir la puerta y recibir a un intruso necesitado de solidaridad y de apoyo. Con toda seguridad él quiere arrebatarle dinero o algún otro bien. Peor: quiere su afecto. Por eso, es mejor no ceder ante la llamada seductora. Evite el sufrimiento, tenga miedo de amar.
Los quiero a todos con miedo a la comunidad, al vecino, al compañero de trabajo. Miedo al tráfico caótico, a las autopistas asesinas, a los guardias que intimidan y denuncian. Miedo a la calle y al mundo.
Conviene encerrarse en casa, volverse prisionero de la fragilidad y de la desconfianza. Refuerce la seguridad de las puertas con llaves y cerrojos; recubra las ventajas con rejas; coloque alarmas y cámaras por todos los rincones.
Haga de su predio o condominio una cárcel de lujo, repleta de controles y vigilantes, y en el que el clima de hostilidad reinante despierte en cada visitante la ojeriza al placer de la amistad.
Tema al Estado y a sus tentáculos burocráticos, a los pesados impuestos que nos cobra, a las fuerzas policiales y a los servicios de información y de espionaje. ¿Quién garantiza que su teléfono no está intervenido? ¿Qué sus mensajes electrónicos no son chequeados por terceros?
Es más prudente evitar ser transparente, sincero, alegre. Su actitud puede ser interpretada como irreverencia o incluso como una amenaza al sistema.
Aléjese de quien no se compara a usted en clase, en ingresos, en cultura y en el color de la piel; de los ojos envidiosos, de la codicia, del abrazo de quien pretenda meterle un cuchillo en la espalda.
Tenga miedo a la vejez, pues es preanuncio de la muerte. Abomine del crecimiento aritmético de su edad. Nunca emplee el vocablo ‘viejo’; como mucho, admita el de ‘mayor’.
Tema la gordura que le hincha las carnes, la arruga que apareció en el rostro, la celulitis en las piernas, el hilo blanco en el cabello. Es horrible perder la juventud, la esbeltez, el cuerpo deseado.
Tenga miedo a su mayor enemiga: la muerte. Ella se insinúa cuando usted cae enfermo. Sepa que nadie se preocupa por la salud de usted. Por su bolsa sí. Basta con enfermarse para que se note cómo le van a humillar los servicios médicos y los planes de salud.
¡Que nadie se mueva! ¿Por qué viajar, abandonar el confort doméstico y arriesgarse a un accidente de autobús, de barco o de avión? Nunca se sabe cuándo, cómo y dónde atacarán los terroristas. ¿Quién diría que en una bucólica isla de la pacífica Noruega el terror provocaría un genocidio?
Mi nombre es miedo. ¡Acójame en su vida! Sé que perderá la libertad, la alegría de vivir, el placer de ser feliz… pero le daré a usted lo que más desea: ¡seguridad!
En mis brazos usted estará tan seguro como un difunto en su caja, al que ya nadie podrá infligir ningún mal, y ni siquiera amedrentarlo.
Frei Betto es escritor, autor de “Calendario del poder”, entre otros libros.
Traducción de J.L.Burguet (7 febrero 2012)
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012
Avaliação Crato, seminario na Ampliada
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Amigo Vileci,
Teo e eu conversamos sobre os trabalhos que assessoras no Crato, apreciamos e mais uma vez agradecemos a oportunidade de estar no Ceará.
Pensamos compartilhar contigo o que observamos particularmente a partir da experiência do Seminário da Ampliada. Fizemos para tirar ensinamentos para nós mesmos e pensamos compartilhar contigo.
I. EM RELAÇÃO AO XIII
1. Ele fará um importante relançamento das CEBs. Não será uma repetição dos anteriores Inter-eclesiais, enquanto à metodologia e conteúdo, uma vez que se propõe:
+ A) Integrar o catolicismo popular com o caminhar e militância das CEBs, e elas com ele;
+ B) Abrir as CEBs ao “povão”, para que haja uma atração mútua e recíproca complementação. # Este passo vai supor uma diferente metodologia de trabalho,
na preparação e no desenvolvimento do XIII e o abrir de uma tradição de entrar em contato com os que não fazem parte das CEBs, a fim de escutá-los e dialogar. E assim ver como fazer as CEBs atrativas àqueles a quem não está sendo.
+ O horizonte bíblico-teológico-pastoral do XIII seria o da Cristologia e Eclesiologia, na perspectiva do Vaticano II e das assembleias gerais do Episcopado Latinoamericano e Caribenho,( particularmente Medellin , Puebla e Aparecida) como as experiência das CEBs e da Religiosidade Popular Católica.
II. EM RELAÇÃO AO SEMINARIO DA AMPLIADA E OUTROS TRABALHOS SIMILARES NO REGIONAL (Janeiro 2012):
1.Apreciamos muito o nível de reflexão dos participantes. Um grupo heterogêneo. Isto sentíamos quando conversávamos individualmente com as pessoas.
2. Sentimos falta de alguém que mantivesse o eixo comum do que ia sendo apresentado pelos assessores (as), discutido e, aceito pelo conjunto da assembleia. Que retomasse os pontos que faltavam ser melhor trabalhados, as perguntas pendentes e outros que, no correr dos trabalhos, fossem aparecendo.
Um espaço de mais diálogo com os assessores. Descobrindo linhas forças, que depois poderiam ser trabalhadas com as CEBs, animadores de seus respectivos lugares.
3. A memoria de cada dia não é tanto para apresentar uma crônica dos acontecimentos, mas principalmente sublinhar, o que de novo apareceu, o que deve ser ainda considerado, perguntas pendentes .O que pede assessoria ou que tem que ser decidido (para que a coordenação decida sobre isso)
A memoria de um cronista e a literatura de cordel, é muito original, simpático, mas também foi redundância, já que todos os que a escutavam, haviam participado. A mesma pode ser interessante para ser apresentada para quem não participou do seminário , o como documento do seminário.
3. O ritmo de uma assembleia se perde quando há muitos avisos. Tudo o que é da estrutura do encontro deve ser feito de uma só vez ao dia, o mais se dá por escrito ou se coloca num cartaz acessível a todos, durante todo o dia.
Evite-se varias pessoas que aparecem dando avisos. Isso dispersa sutilmente a atenção ou termina não dando importância igual a todos os itens recomendados.
4. Vale a pena mencionar que as celebrações e os símbolos estiveram muito apropriados e foram originais revelando oportunas criatividades e o mais importante ajudaram a assembleia rezar comunitariamente.
5. A visita ao Caldeirão abriu horizontes e foi um ponto alto no encontro, para como que encontrar-se com a tradição religiosa do Joazeiro. O tempo não permitiu explorar melhor a mesma em relação a temática do seminário.
6. A presença dos bispos, um bom testemunho de simplicidade, interesse e apoio.
Eles foram sumamente oportunos e simpáticos.
Amigo Vileci,
Teo e eu conversamos sobre os trabalhos que assessoras no Crato, apreciamos e mais uma vez agradecemos a oportunidade de estar no Ceará.
Pensamos compartilhar contigo o que observamos particularmente a partir da experiência do Seminário da Ampliada. Fizemos para tirar ensinamentos para nós mesmos e pensamos compartilhar contigo.
I. EM RELAÇÃO AO XIII
1. Ele fará um importante relançamento das CEBs. Não será uma repetição dos anteriores Inter-eclesiais, enquanto à metodologia e conteúdo, uma vez que se propõe:
+ A) Integrar o catolicismo popular com o caminhar e militância das CEBs, e elas com ele;
+ B) Abrir as CEBs ao “povão”, para que haja uma atração mútua e recíproca complementação. # Este passo vai supor uma diferente metodologia de trabalho,
na preparação e no desenvolvimento do XIII e o abrir de uma tradição de entrar em contato com os que não fazem parte das CEBs, a fim de escutá-los e dialogar. E assim ver como fazer as CEBs atrativas àqueles a quem não está sendo.
+ O horizonte bíblico-teológico-pastoral do XIII seria o da Cristologia e Eclesiologia, na perspectiva do Vaticano II e das assembleias gerais do Episcopado Latinoamericano e Caribenho,( particularmente Medellin , Puebla e Aparecida) como as experiência das CEBs e da Religiosidade Popular Católica.
II. EM RELAÇÃO AO SEMINARIO DA AMPLIADA E OUTROS TRABALHOS SIMILARES NO REGIONAL (Janeiro 2012):
1.Apreciamos muito o nível de reflexão dos participantes. Um grupo heterogêneo. Isto sentíamos quando conversávamos individualmente com as pessoas.
2. Sentimos falta de alguém que mantivesse o eixo comum do que ia sendo apresentado pelos assessores (as), discutido e, aceito pelo conjunto da assembleia. Que retomasse os pontos que faltavam ser melhor trabalhados, as perguntas pendentes e outros que, no correr dos trabalhos, fossem aparecendo.
Um espaço de mais diálogo com os assessores. Descobrindo linhas forças, que depois poderiam ser trabalhadas com as CEBs, animadores de seus respectivos lugares.
3. A memoria de cada dia não é tanto para apresentar uma crônica dos acontecimentos, mas principalmente sublinhar, o que de novo apareceu, o que deve ser ainda considerado, perguntas pendentes .O que pede assessoria ou que tem que ser decidido (para que a coordenação decida sobre isso)
A memoria de um cronista e a literatura de cordel, é muito original, simpático, mas também foi redundância, já que todos os que a escutavam, haviam participado. A mesma pode ser interessante para ser apresentada para quem não participou do seminário , o como documento do seminário.
3. O ritmo de uma assembleia se perde quando há muitos avisos. Tudo o que é da estrutura do encontro deve ser feito de uma só vez ao dia, o mais se dá por escrito ou se coloca num cartaz acessível a todos, durante todo o dia.
Evite-se varias pessoas que aparecem dando avisos. Isso dispersa sutilmente a atenção ou termina não dando importância igual a todos os itens recomendados.
4. Vale a pena mencionar que as celebrações e os símbolos estiveram muito apropriados e foram originais revelando oportunas criatividades e o mais importante ajudaram a assembleia rezar comunitariamente.
5. A visita ao Caldeirão abriu horizontes e foi um ponto alto no encontro, para como que encontrar-se com a tradição religiosa do Joazeiro. O tempo não permitiu explorar melhor a mesma em relação a temática do seminário.
6. A presença dos bispos, um bom testemunho de simplicidade, interesse e apoio.
Eles foram sumamente oportunos e simpáticos.
Cardeal Kasper
Cardeal progressista adverte contra ''mito'' do Vaticano II
O Concílio segundo Kasper. Com o Vaticano II, do qual se festeja o 50º aniversário, "a Igreja pôs-se novamente a caminho", destaca o cardeal progressista Walter Kasper, mas "é preciso entrar no conceito de renovação para uma correta interpretação do Concílio". Não, portanto, ao "mito" do Concílio: a Igreja é esperada por um futuro de "minoria criativa" e, por isso, precisa de uma nova primavera espiritual.
A reportagem é de Giacomo Galeazzi, publicada no sítio Vaticano Insider, 29-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No dia 26 de janeiro, em Roma, no Centro Pro Unione, foi apresentado o livro Chiesa cattolica: essenza-realtà-missione (1), escrito pelo presidente emérito do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos. O cardeal alemão da Cúria Walter Kasper vê o futuro da Igreja não na manutenção das estruturas da "Igreja do povo", já anacrônicas, mas compartilha a opinião do grande historiador Arnold J. Toynbee, segundo o qual, em situações particularmente difíceis da história da humanidade, quem encontrou uma saída foram sempre minorias qualificadas e criativas, às quais, depois, a maioria também se uniu.
Ministro do ecumenismo no tempo de João Paulo II e também por alguns anos com Bento XVI, geralmente avesso a se pronunciar sobre os grandes temas da reforma da Igreja de forma diferente da instituição da Cúria Romana, Kasper é um dos cardeais de maior peso da Cúria Romana.
Na análise que o purpurado alemão faz da crise da Igreja, a figura da Igreja plenamente enraizada no povo, que teve seu grande peso na história e fez a sua grande contribuição, já chegou ao fim diante da situação pluralista de hoje e não pode ser uma figura da Igreja orientada para o futuro no terceiro milênio. "A experiência do Concílio Vaticano II tornou-se para mim uma experiência muito incisiva da Igreja e um permanente e sólido ponto de referência", lembra Kasper. "No dia 25 janeiro de 1959, quando João XXIII anunciou o Concílio, a surpresa foi enorme. Seguiu-se um tempo impressionante, fascinante e interessante que os jovens teólogos de hoje nem conseguem imaginar. Nós experimentamos como a venerável velha Igreja mostrava uma nova vitalidade, como escancarava portas e janelas e entrava em um diálogo em seu interior, além de entrar em diálogo com outras Igrejas, outras religiões e com a cultura moderna".
Era uma Igreja que se punha novamente a caminho, uma Igreja que não repudiava nem renegava a sua antiga tradição, mas permanecia fiel a ela e que, contudo, raspava incrustações e busca assim tornar a tradição nova, viva e fecunda para o caminho rumo ao futuro. Sobre a leitura do Concílio, Kasper foi intérprete ao longo dos anos da dupla Wojtyla-Ratzinger de um contracanto inteligente e afiado dentro da Cúria Romana. "Sempre estive convencido de que os 16 principais documentos do Concílio são, em seu conjunto, a bússola para o caminho da Igreja no século XXI", enfatiza Kasper. "O Concílio Vaticano II já foi muitas vezes definido como o Concílio da Igreja sobre a Igreja. A Igreja, que estava em caminho pelas estradas da história há dois mil anos, tomou consciência, ao longo desse Concílio, mais profundamente, da sua própria essência, em virtude da qual ela tinha até então vivido e agido".
Ainda em seu discurso de abertura, proferido no dia 11 de outubro de 1962, João XXIII disse que a tarefa do Concílio seria a de conservar integralmente e sem falsificações o sagrado patrimônio da doutrina cristã e de ensiná-la de modo eficaz. Paulo VI disse a mesma coisa no dia 21 de novembro de 1964, por ocasião da solene promulgação da Constituição sobre a Igreja Lumen Gentium, juntamente com o Decreto sobre o Ecumenismo Unitatis redintegratio. Ele afirmou: "Esta promulgação verdadeiramente não muda coisa alguma na doutrina tradicional. Aquilo que Cristo quis nós também queremos. O que estava, fica. O que a Igreja por séculos ensinou, ensinamo-lo igualmente. Somente aquilo que era simplesmente vivido é agora expresso; aquilo que era implícito fica esclarecido; o que era meditado, discutido e em parte controverso chega agora a uma serena formulação".
O fascínio e o entusiasmo do Concílio, enquanto isso, desapareceram. "Começou um tempo feito de sóbria consideração dos fatos, em parte também de avaliação crítica dos eventos conciliares e sobretudo pós-conciliares", admite o cardeal. "Sucedeu-se uma nova geração, para a qual o Concílio é um evento muito distante e aparentemente de outro tempo, de um tempo em que ela ainda nem havia nascido e, com relação ao qual, ela não tem nenhuma relação pessoal, como, ao contrário, a minha geração tinha. A essa nova geração é necessário explicar com esforço o que aconteceu então e entusiasmá-la com relação a isso. Para isso, é preciso uma sólida hermenêutica do Concílio".
Sem dúvida, não devemos fazer do Concílio um mito, no qual cada um "projeta e encontra os seus próprios desejos pios". Segundo Kasper, ao contrário, é preciso interpretar com precisão os textos conciliares segundo as regras universalmente válidas da hermenêutica teológica. Ao fazer isso, não devemos separar "o chamado real ou suposto espírito do Concílio da letra do Concílio", mas devemos inferir o espírito do Concílio da sua história e dos seus textos. Os textos do Concílio devem ser entendidos à luz da sua história e à luz das discussões muitas vezes controversas que ocorreram em seu curso. Depois, é necessário interpretar cada formulação singular dentro do complexo de todos os textos conciliares e levar em conta, ao fazê-lo, a hierarquia intrínseca dos diversos documentos conciliares.
Finalmente, na opinião de Kasper, é preciso reinterpretar os textos conciliares à luz das fontes, às quais o próprio Concílio estava vinculado e às quais ele recorria copiosamente. Para uma adequada hermenêutica conciliar é importante levar em conta a recepção que as afirmações conciliares encontraram na doutrina e na vida da Igreja depois do Concílio. "Retamente entendida, a recepção não é uma adoção mecânica, mas um processo eclesial vivo guiado pelo Espírito Santo, que desenvolve na doutrina, assim como em toda a vida da Igreja", indica o purpurado. "No período pós-conciliar, a experiência de toda a história do Concílio encontrou o seu seguimento. À controvérsia em torno da definição, sempre segue a controvérsia em torno da sua recepção".
Ainda durante o Concílio Vaticano II, haviam se formado duas facções, que foram logo chamadas de "conservadora" e, respectivamente, "progressista". Esses termos tiveram inicialmente um significado diferente do que assumiriam depois do Concílio. "Aqueles que então foram chamados de progressistas eram, na realidade, conservadores, que queriam reafirmar a tradição maior e mais antiga da Sagrada Escritura e dos Padres da Igreja, enquanto aqueles que eram então foram chamados de conservadores estavam unilateralmente fixados na tradição pós-tridentina dos últimos séculos", pontualiza Kasper.
"Para se levar em conta as instâncias justificadas de ambas as partes e para chegar, em correspondência a uma boa tradição conciliar, ao mais amplo consenso possível, foram necessárias, em muitos casos, fórmulas de compromisso, também esse um fenômeno nada novo para qualquer pessoa que conheça a história dos Concílios".
A palavra de Kasper tem um grande peso na Cúria. No ano 2000, quando a Congregação para a Doutrina da Fé publicou a declaração dogmática Dominus Iesus para reiterar a absoluta unicidade de Jesus Cristo com relação à salvação de todos os homens, foi o cardeal Walter Kasper – que ainda liderava as relações ecumênicas – que disse que "algumas formulações do texto não são facilmente acessíveis aos nossos parceiros". Entre estes, os judeus.
Joseph Ratzinger, então prefeito do ex-Santo Ofício, teve que se explicar e dizer que era "evidente que o diálogo entre nós, cristãos, com os judeus está em um plano diferente do que com outras religiões. A fé testemunhada na Bíblia dos judeus, o Antigo Testamento dos cristãos, para nós, não é uma outra religião, mas sim o fundamento da nossa fé".
Nota da IHU On-Line: O título original, em alemão, é: Walter Kardinal Kasper, Katholische Kirche. Wesen - Wirklichkeit - Sendung, Herder, Freiburg im Breisgau, 2011.
(Texto de Unisinos)
O Concílio segundo Kasper. Com o Vaticano II, do qual se festeja o 50º aniversário, "a Igreja pôs-se novamente a caminho", destaca o cardeal progressista Walter Kasper, mas "é preciso entrar no conceito de renovação para uma correta interpretação do Concílio". Não, portanto, ao "mito" do Concílio: a Igreja é esperada por um futuro de "minoria criativa" e, por isso, precisa de uma nova primavera espiritual.
A reportagem é de Giacomo Galeazzi, publicada no sítio Vaticano Insider, 29-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No dia 26 de janeiro, em Roma, no Centro Pro Unione, foi apresentado o livro Chiesa cattolica: essenza-realtà-missione (1), escrito pelo presidente emérito do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos. O cardeal alemão da Cúria Walter Kasper vê o futuro da Igreja não na manutenção das estruturas da "Igreja do povo", já anacrônicas, mas compartilha a opinião do grande historiador Arnold J. Toynbee, segundo o qual, em situações particularmente difíceis da história da humanidade, quem encontrou uma saída foram sempre minorias qualificadas e criativas, às quais, depois, a maioria também se uniu.
Ministro do ecumenismo no tempo de João Paulo II e também por alguns anos com Bento XVI, geralmente avesso a se pronunciar sobre os grandes temas da reforma da Igreja de forma diferente da instituição da Cúria Romana, Kasper é um dos cardeais de maior peso da Cúria Romana.
Na análise que o purpurado alemão faz da crise da Igreja, a figura da Igreja plenamente enraizada no povo, que teve seu grande peso na história e fez a sua grande contribuição, já chegou ao fim diante da situação pluralista de hoje e não pode ser uma figura da Igreja orientada para o futuro no terceiro milênio. "A experiência do Concílio Vaticano II tornou-se para mim uma experiência muito incisiva da Igreja e um permanente e sólido ponto de referência", lembra Kasper. "No dia 25 janeiro de 1959, quando João XXIII anunciou o Concílio, a surpresa foi enorme. Seguiu-se um tempo impressionante, fascinante e interessante que os jovens teólogos de hoje nem conseguem imaginar. Nós experimentamos como a venerável velha Igreja mostrava uma nova vitalidade, como escancarava portas e janelas e entrava em um diálogo em seu interior, além de entrar em diálogo com outras Igrejas, outras religiões e com a cultura moderna".
Era uma Igreja que se punha novamente a caminho, uma Igreja que não repudiava nem renegava a sua antiga tradição, mas permanecia fiel a ela e que, contudo, raspava incrustações e busca assim tornar a tradição nova, viva e fecunda para o caminho rumo ao futuro. Sobre a leitura do Concílio, Kasper foi intérprete ao longo dos anos da dupla Wojtyla-Ratzinger de um contracanto inteligente e afiado dentro da Cúria Romana. "Sempre estive convencido de que os 16 principais documentos do Concílio são, em seu conjunto, a bússola para o caminho da Igreja no século XXI", enfatiza Kasper. "O Concílio Vaticano II já foi muitas vezes definido como o Concílio da Igreja sobre a Igreja. A Igreja, que estava em caminho pelas estradas da história há dois mil anos, tomou consciência, ao longo desse Concílio, mais profundamente, da sua própria essência, em virtude da qual ela tinha até então vivido e agido".
Ainda em seu discurso de abertura, proferido no dia 11 de outubro de 1962, João XXIII disse que a tarefa do Concílio seria a de conservar integralmente e sem falsificações o sagrado patrimônio da doutrina cristã e de ensiná-la de modo eficaz. Paulo VI disse a mesma coisa no dia 21 de novembro de 1964, por ocasião da solene promulgação da Constituição sobre a Igreja Lumen Gentium, juntamente com o Decreto sobre o Ecumenismo Unitatis redintegratio. Ele afirmou: "Esta promulgação verdadeiramente não muda coisa alguma na doutrina tradicional. Aquilo que Cristo quis nós também queremos. O que estava, fica. O que a Igreja por séculos ensinou, ensinamo-lo igualmente. Somente aquilo que era simplesmente vivido é agora expresso; aquilo que era implícito fica esclarecido; o que era meditado, discutido e em parte controverso chega agora a uma serena formulação".
O fascínio e o entusiasmo do Concílio, enquanto isso, desapareceram. "Começou um tempo feito de sóbria consideração dos fatos, em parte também de avaliação crítica dos eventos conciliares e sobretudo pós-conciliares", admite o cardeal. "Sucedeu-se uma nova geração, para a qual o Concílio é um evento muito distante e aparentemente de outro tempo, de um tempo em que ela ainda nem havia nascido e, com relação ao qual, ela não tem nenhuma relação pessoal, como, ao contrário, a minha geração tinha. A essa nova geração é necessário explicar com esforço o que aconteceu então e entusiasmá-la com relação a isso. Para isso, é preciso uma sólida hermenêutica do Concílio".
Sem dúvida, não devemos fazer do Concílio um mito, no qual cada um "projeta e encontra os seus próprios desejos pios". Segundo Kasper, ao contrário, é preciso interpretar com precisão os textos conciliares segundo as regras universalmente válidas da hermenêutica teológica. Ao fazer isso, não devemos separar "o chamado real ou suposto espírito do Concílio da letra do Concílio", mas devemos inferir o espírito do Concílio da sua história e dos seus textos. Os textos do Concílio devem ser entendidos à luz da sua história e à luz das discussões muitas vezes controversas que ocorreram em seu curso. Depois, é necessário interpretar cada formulação singular dentro do complexo de todos os textos conciliares e levar em conta, ao fazê-lo, a hierarquia intrínseca dos diversos documentos conciliares.
Finalmente, na opinião de Kasper, é preciso reinterpretar os textos conciliares à luz das fontes, às quais o próprio Concílio estava vinculado e às quais ele recorria copiosamente. Para uma adequada hermenêutica conciliar é importante levar em conta a recepção que as afirmações conciliares encontraram na doutrina e na vida da Igreja depois do Concílio. "Retamente entendida, a recepção não é uma adoção mecânica, mas um processo eclesial vivo guiado pelo Espírito Santo, que desenvolve na doutrina, assim como em toda a vida da Igreja", indica o purpurado. "No período pós-conciliar, a experiência de toda a história do Concílio encontrou o seu seguimento. À controvérsia em torno da definição, sempre segue a controvérsia em torno da sua recepção".
Ainda durante o Concílio Vaticano II, haviam se formado duas facções, que foram logo chamadas de "conservadora" e, respectivamente, "progressista". Esses termos tiveram inicialmente um significado diferente do que assumiriam depois do Concílio. "Aqueles que então foram chamados de progressistas eram, na realidade, conservadores, que queriam reafirmar a tradição maior e mais antiga da Sagrada Escritura e dos Padres da Igreja, enquanto aqueles que eram então foram chamados de conservadores estavam unilateralmente fixados na tradição pós-tridentina dos últimos séculos", pontualiza Kasper.
"Para se levar em conta as instâncias justificadas de ambas as partes e para chegar, em correspondência a uma boa tradição conciliar, ao mais amplo consenso possível, foram necessárias, em muitos casos, fórmulas de compromisso, também esse um fenômeno nada novo para qualquer pessoa que conheça a história dos Concílios".
A palavra de Kasper tem um grande peso na Cúria. No ano 2000, quando a Congregação para a Doutrina da Fé publicou a declaração dogmática Dominus Iesus para reiterar a absoluta unicidade de Jesus Cristo com relação à salvação de todos os homens, foi o cardeal Walter Kasper – que ainda liderava as relações ecumênicas – que disse que "algumas formulações do texto não são facilmente acessíveis aos nossos parceiros". Entre estes, os judeus.
Joseph Ratzinger, então prefeito do ex-Santo Ofício, teve que se explicar e dizer que era "evidente que o diálogo entre nós, cristãos, com os judeus está em um plano diferente do que com outras religiões. A fé testemunhada na Bíblia dos judeus, o Antigo Testamento dos cristãos, para nós, não é uma outra religião, mas sim o fundamento da nossa fé".
Nota da IHU On-Line: O título original, em alemão, é: Walter Kardinal Kasper, Katholische Kirche. Wesen - Wirklichkeit - Sendung, Herder, Freiburg im Breisgau, 2011.
(Texto de Unisinos)
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