Mística, erotismo e sensualidade
Minha opinião sobre a conexão entre erotismo e mística não se inspira naquilo que se pode saber da relação de Maria de Magdala com Jesus, já que os dados históricos sobre um relacionamento romântico é, no máximo, tênue.
Dito isso, eu acredito que há, de fato, uma conexão entre erotismo e mística, e essa conexão pode ser facilmente vista em muitos dos escritos e das experiências dos grandes místicos, como João da Cruz e Teresa de Ávila.
A experiência do mistério do amor de Deus é uma experiência profundamente humana. Somos Espíritos encarnados. Outra forma de dizer isso, como um fisioterapeuta amigo meu disse uma vez, é perceber que “nossos corpos são a parte mais densa do nosso Espírito”. Disso segue-se que, em qualquer encontro com o divino, nossos corpos vão refletir isso de alguma forma.
Para aqueles abençoados com experiências consoladoras do amor de Deus, pode não ser incomum encontrar nossos sentidos corporais tão cheios e consumados quanto depois de uma expressão amorosa do amor sexual íntimo. Isso não quer dizer que a experiência mística é o mesmo que o orgasmo sexual, mas sim que há uma satisfação na totalidade do nosso eu que se parece com o grande mistério e prazer da satisfação sexual humana. Alguns acham que essa satisfação divina é ainda mais profundamente satisfatória.
As escrituras geralmente usam metáforas esponsais para descrever o amor de Deus pelo seu povo. Certamente, esse amor mais poderoso dos amores humanos é uma metáfora apropriada para descrever o amor insuperável de Deus por cada pessoa e pelo mundo.
IHU On-Line – Você é diretora-executiva da FutureChurch, com sede em Cleveland, que iniciou em 1997 uma celebração especial da festa de Maria de Magdala, no dia 22 de julho. Por que essa data? Como é essa celebração e quais são seu significado e seu propósito mais profundos?
Chris Schenk – Nós escolhemos o dia 22 de julho porque é o dia da festa de Santa Maria de Magdala, celebrada pela Igreja universal. As celebrações surgiram por causa da minha paixão por esclarecer de uma vez por todas que Maria de Magdala não foi uma prostituta, mas sim a primeira testemunha da Ressurreição.
As celebrações são organizadas para apresentar aos católicos comuns o estudo bíblico contemporâneo sobre Santa Maria de Magdala e de outras mulheres nas Escrituras. As definições da cerimônia de oração também proporcionam um lugar em que mulheres competentes podem pregar e presidir em funções litúrgicas visíveis.
O significado e propósito mais profundos dessas celebrações é que tanto homens como mulheres aprendam sobre a liderança das mulheres nos Evangelhos e experimentem o fato de mulheres servirem em papéis de liderança sagrada, alguns pela primeira vez. Quando começamos essas celebrações em Cleveland, Ohio, uma amiga trouxe o seu grupo de mulheres das Alcoólicas Anônimas. Algumas dessas mulheres estavam em lágrimas durante toda a celebração, porque era a primeira vez que se experimentavam como igualmente santas e amadas por Deus em comparação com seus irmãos.
Foi assim que eu soube que estávamos tocando algo muito profundo na psique feminina e, por extensão, na psique masculina. Como nós, mulheres, raramente nos vemos nas Escrituras e quase nunca vemos mulheres servindo em papéis sagrados no altar, nós muitas vezes inconscientemente interiorizamos que temos menos valor e somos menos amadas por Deus do que os nossos irmãos.
Eu acho que a Igreja Católica jamais será curada do sexismo e da misoginia enquanto tanto as mulheres como os homens experimentem o ministério a partir de mulheres e de homens. Todos nós precisamos do ministério de ambos os gêneros.
IHU On-Line – Que outras mulheres místicas você destacaria a partir das Escrituras ou da história do cristianismo? Como essas mulheres nos ajudam a pensar a mística feminina na contemporaneidade?
Chris Schenk – Esse é um assunto muito extenso para abordar em profundidade aqui. Mas basta dizer que, ao longo da história, as mulheres muitas vezes exerceram a liderança espiritual que lhes era negada na Igreja institucional escrevendo sobre seus encontros místicos com um Deus amoroso que conforta, consola e traz justiça.
Vemos isso nos escritos do século XII de Hildegard de Bingen, que era uma visionária, vidente e curadora. Ela ficava assombrada com a corrupção do seu próprio tempo: “Este tempo é um tempo afeminado, porque a revelação da justiça de Deus é fraca. Mas a força da justiça de Deus está se manifestando, uma guerreira lutando contra a injustiça, para que esta possa cair derrotada” (Carta 23). Hildegard entendeu-se como essa guerreira feminina, a personificação da justiça de Deus.
Teresa de Ávila foi uma proeminente mística espanhola do século XVI que foi ameaçada pela Inquisição por três vezes. Quando as pessoas citavam a prescrição paulina de que as mulheres devem ficar em silêncio e nunca ter a pretensão de ensinar na Igreja (1 Tim 2, 11-14), ela contestava com palavras que ela havia recebido de Jesus em oração: “Diga-lhes que não sigam apenas uma parte da Escritura sozinha (…) e pergunte-lhes se poderão, por ventura, atar minhas mãos” (Testemunhos Espirituais, 15).
No final do século XIV, em um tempo em que a guerra e a peste assolavam toda a Europa, Julian de Norwich trouxe uma mensagem reconfortante para as pessoas aterrorizadas pela morte súbita: Deus não odeia os pecadores, mas só tem amor e compaixão por eles. Julian foi uma mística que experimentou uma cura milagrosa e teve visões que lhe deram intuições sobre o amor de Jesus. Ela escreveu sobre isso em um livro chamado Showings. Era um risco escrever sobre o amor de Deus em vez dos pecados das pessoas, porque, naqueles dias, a Igreja considerava a minimização do pecado uma heresia punível com a morte. Grande estudiosa e teóloga, Julian também foi uma mulher corajosa e criativa que confiava completamente em um Deus amoroso.
As mulheres de hoje têm acesso à mesma formação teológica e bíblica que os homens. Isso permite que os fiéis dos nossos dias apreendam o Deus-mistério através das lentes da experiência feminina em uma linguagem que possa ser entendida tanto por homens como por mulheres. Esse é um grande dom para a Igreja e está, de fato, abrindo novas formas de compreensão e de apreciação do Mistério divino que, afinal de contas, sempre será um mistério. Essa é para mim uma das coisas favoritas sobre Deus... Sempre haverá mais para aprender, explorar e amar.
IHU On-Line – Em sua opinião, considerando a atual situação social, socioeconômica e política, qual é o papel da mística e da espiritualidade, especialmente feminina?
Chris Schenk – Eu acredito que, como as mulheres muitas vezes têm experiência pessoal do que significa ser suprimidas, oprimidas e deprimidas (para citar uma amiga minha), elas entendem muito bem a importância de testemunhar o Deus de justiça e Jesus, que veio para exaltar os humildes e libertar os oprimidos.
Se alguma vez for dada às mulheres a oportunidade de pregar regularmente, eu suspeito que poderemos ouvir muito mais sobre a paixão de Jesus pelo reino justo de Deus do que nós atualmente ouvimos a partir da maioria dos púlpitos, em que os homilistas muitas vezes pregam chavões piedosos, em vez de proclamar boas novas aos pobres.
A mística feminina, como qualquer mística (e a mística é a experiência da maioria dos cristãos mais comprometidos, embora eles nunca a nomeiem dessa forma), é chamada a ajudar a trazer o reino justo de Deus aqui na terra, como no céu. Se você não acredita em mim, apenas reveja a própria oração de Jesus, o Pai Nosso, que diz isso de forma mais eloquente do que eu jamais poderia dizer.
A mística, então, também é chamada a ser profeta. E o profeta não pode sobreviver sem uma comunicação mística regular com Aquele que nos ama para além de toda a nossa compreensão e que nos fortalece para além de todas as nossas fraquezas.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário