quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Muita cinza


As brasas sob as cinzas.

 Artigo de Vito Mancuso

Estamos submersos, até uma sensação de sufocamento, pelas cinzas eclesiásticas que produzem muito peso sobre aqueles que a ela pertencem.
"O padre
Karl Rahner usava  a imagem das brasas que se escondem sob as cinzas. Eu vejo na Igreja de hoje tantas cinzas sobre as brasas que muitas vezes me assola uma sensação de impotência. Como se pode livrar as brasas das cinzas de modo a revigorar a chama do amor? Em primeiro lugar, devemos procurar essas brasas."
Essa imagem das brasas usada por Carlo Maria Martini  evoca a vida espiritual. Se as brasas são índice do fogo, mas está submersa por tantas cinzas – institucionais, eclesiais, políticas, econômicas – como faço, dia após dia, na monotonia da cotidianidade, para alimentar a esperança, para não deixar apagar dentro de mim a chama da vida espiritual?


A origem da vida: a água e o fogo
Os mitos cosmogônicos da humanidade, todos, na origem da vida, puseram o fogo; há outro elemento que a consciência arquetípica da humanidade, depositada nesses mitos, colocou como origem: a água. Dos sumérios aos babilônios, dos egípcios aos textos hindus dos Vedas até o Gênesis bíblico: a vida se origina da água.

A superfície do nosso planeta é, em sua grande parte, composta de água, assim como o nosso organismo. Sem água, não há vida. O que representa, então, o elemento do fogo? Assim o explica
Simone Weil: "A palavra grega que é traduzida como Espírito significa literalmente sopro ígneo" [1], ou seja, sopro de fogo, fogo primordial que a ciência moderna indica com a palavra energia. A água que é a base da vida é transfigurada pelo sopro quente do Espírito: e eis aquilo que nós somos, água-terra, tornadas luminosas pelo ar-fogo que nelas se reflete criando transparências, arco-íris, reverberações luminosas. Nós somos água-terra que reverbera a luz e ilumina a mente como capacidade de decisão, de liberdade, de emoção, de criatividade, de laços de amor.
            A vida espiritual autêntica, aquela que toca e cura a vida, une os dois elementos primordiais: sopro de fogo que desce sobre as águas e as transforma de obscuras a luminosas.
            Teilhard de Chardin nos faz compreender que entre Espírito e matéria não há oposição. A matéria é mãe de todas as coisas, dela também surge o Espírito, que, surgindo, torna-se algo novo e diferente com relação à própria matéria. Não dualismo, mas sim dualidade; isto é, não dualidade original, mas sim dualidade que surge da evolução dos sistemas físicos, biológicos, psíquicos.

O encontro entre matéria e Espírito
Como ocorre o encontro entre matéria e espírito? Plutarco o indica: "A mente não precisa ser preenchida como um vaso, mas sim como a lenha precisa de uma centelha que a acenda e nela infunda o impulso para a busca e para um amor ardente pela verdade" [2].
            A mente não precisa sobretudo de instrução, de doutrina que diga o que é preciso pensar e o que não, que canalize e encaminhe. A mente precisa sobretudo de uma centelha que acenda: a mente – para que haja vida espiritual – precisa ser tratada como liberdade. Liberdade responsável. Dá-se vida espiritual quando essa liberdade não é vivida como arbítrio, mas sim como impulso para a busca e para o amor ardente pela verdade.
            O cardeal Martini diz algo muito desestabilizante acerca do modo como entendemos o nosso ser comunidade eclesial: "Jerusalém ainda hoje está cheia de escolas bíblicas. (...) Quem quer fazer perguntas vai a um professor, a um rabino e estuda a Bíblia. Hoje em dia, algo semelhante seria importante justamente para tornar os cristãos independentes. Na realidade, todo cristão que vive com a Bíblia deveria encontrar respostas pessoais para as perguntas fundamentais, para ser capaz de testemunhar de modo convincente a sua fé, mesmo diante dos outros e saber respondê-las. A paróquia e a grande Igreja, então, de que servem? A paróquia e a grande Igreja se tornariam um contexto que produz estímulos e apoio, não necessariamente um magistério do qual o cristão deveria depender e que muitas vezes toma como pretexto para se afastar" [3].
            A Bíblia deveria ser a escola que exercita a mente, a paróquia deveria ser um contexto dentro do qual se possa desenvolver essas escolas da mente que visam a ler a realidade animados constantemente pelo amor ardente pela verdade.

As cinzas que cobrem as brasas
            Ao contrário. Ao contrário, estamos submersos, até uma sensação de sufocamento, pelas cinzas eclesiásticas que produzem muito peso sobre aqueles que a ela pertencem. Diz Martini: "A Igreja está cansada na Europa do bem-estar e na América. A nossa cultura envelheceu, as nossas igrejas são grandes, as nossas casas religiosas estão vazias, e o aparato burocrático da Igreja aumenta, os nossos ritos e os nossos hábitos são pomposos. O bem-estar pesa. (…) Eu vejo na Igreja de hoje tantas cinzas sobre as brasas que muitas vezes me assola uma sensação de impotência. (...) A Igreja ficou 200 anos para trás".
             O peso descrito por Martini refere-se à Igreja Católica e à alma ocidental.


Cuidar da centelha sagrada
O que fazer? Martini aponta alguns instrumentos, o primeira dos quais é a conversão. A Igreja deve percorrer um caminho de conversão e de mudança radical. Por que, dentre as coisas a mudar, Martini fala da sexualidade? Porque o fim do
Concílio Vaticano II começou quando Paulo VI impediu que os padres conciliares se pronunciassem sobre a moral sexual, advogou para si mesmo a matéria e publicou, três anos depois, a Humanae Vitae. Ali começou o fim da renovação conciliar.
            No ano 2000, foi publicada uma pesquisa encomendada pela hierarquia eclesiástica para entender em que medida a moral sexual da Humanae Vitae era praticada no mundo católico. Entrevistaram uma amostra de mulheres católicas praticantes, mulheres que pertencem ao corpo vivo da Igreja Católica. O resultado foi de que apenas 8% declararam praticar as normas morais da carta encíclica.
            Esse resultado tão falimentar revela outro aspecto que Martini destacou na entrevista: "Nem o clero nem o Direito eclesial podem substituir a interioridade do ser humano. Todas as regras externas, as leis, os dogmas nos foram dados para esclarecer a voz interior". O fundamento decisivo de todo discurso sobre a verdade está ligado à interioridade humana. A interioridade humana é algo que deve cuidar da centelha sagrada, do núcleo vital que não se resigna ao desespero, que insere energia positiva no mundo, que insere esperança.
            Se não há interioridade, não há vida espiritual. Se não há a pessoa interior, o mundo, com os seus poderes fortes, antes ou depois destrói a imaginação utópica. E nos conformamos com isso, e essa é a desilusão de grande parte da esquerda, porque falta a energia interior, uma fonte outra – que não deve ser necessariamente cristã – com relação à simples lógica dos poderes deste mundo.
            A fé de Dostoiévski. Encarcerado na Sibéria, ele havia sido condenado à morte: o comandante havia enfileirado o pelotão de fuzilamento e, depois, como se fosse um jogo, disse: "Chegou o pedido de graça, não atirem".

Desde então, Dostoiévski ficou vítima de ataques epilépticos. Na Sibéria, ele havia sido visitado por uma mulher que havia dado a ele e aos seus outros companheiros de prisão o Novo Testamento. Quando saiu da prisão, ele procurou aquela mulher e, em janeiro de 1954, lhe escreveu esta carta:

"Eu lhe direi que sou um filho do século, um filho da descrença e da dúvida, e que, eu sei, permanecerei assim até o túmulo. Que terrível sofrimento me custou e me custa agora essa sede de fé, que é tão mais forte na minha alma quanto mais são os argumentos contrários. No entanto, Deus me manda às vezes minutos em que eu estou totalmente sereno. Nesses minutos, eu amo e sei que sou amado pelos outros. Nesses minutos, eu criei em mim uma profissão de fé em que tudo me é claro e sagrado. Essa profissão de fé é muito simples, ei-la: crer que não há nada de mais belo, de mais profundo, de mais simpático, de mais razoável, de mais corajoso e perfeito do que o Cristo, e não só que há, mas, com amor ciumento, digo a mim mesmo que não pode não haver. E não somente isso: se alguém me demonstrasse que o Cristo está fora da verdade e, de fato, resultasse que a verdade está fora do Cristo, eu preferiria ficar com Cristo em vez da verdade."
            "Nesses minutos, eu amo e sei que sou amado": essa é a fonte existencial que levou Dostoiévski a criar a sua profissão de fé. O Cristo do qual ele fala não é outra verdade conteudística ao lado das outras; é o símbolo ao amor concreto, solidário, conectado em todo instante com a realidade, é um método.
            Aquela modalidade que te leva a olhar a vida não sob a insígnia da vontade de poder, do teu credo, da tua Igreja, mas sim que te faz estar em conexão com a vida verdadeira para servi-la a todo instante, para fazer brotar o bem de toda situação. Esse é o sentido em que Cristo dizia "Eu sou a verdade, eu sou o caminho, a verdade, a vida", para caminhar neste mundo servindo sempre o bem e a justiça.
Notas:

1. Simone Weil, L’enracinement [O enraizamento]. Paris: Gallimard, 1949.

2. Essa frase se encontra na conclusão de um pequeno tratado intitulado "A Arte de ouvir".

3. Carlo Maria Martini e Georg Sporschill. Diálogos noturnos em Jerusalém (Mondadori, 2008, p. 66) [versão brasileira: Paulus, 2008].

Sublime abstracción? (Pagola)

No es posible alimentarse solo de doctrina religiosa. No es posible seguir a un Jesús convertido en una sublime abstracción. Necesitamos sintonizar vitalmente con él, dejarnos atraer por su estilo de vida, contagiarnos de su pasión por Dios y por el ser humano.
En medio del "desierto espiritual" de la sociedad moderna, hemos de entender y configurar la comunidad cristiana como un lugar donde se acoge el Evangelio de Jesús. Vivir la experiencia de reunirnos creyentes, menos creyentes, poco creyentes e, incluso, no creyentes, en torno al relato evangélico de Jesús. Darle a él la oportunidad de que penetre con su fuerza humanizadora en nuestros problemas, crisis, miedos y esperanzas.
No lo hemos de olvidar. En los evangelios no aprendemos doctrina académica sobre Jesús, destinada inevitablemente a envejecer a lo largo de los siglos. Aprendemos un estilo de vivir realizable en todos los tiempos y en todas las culturas: el estilo de vivir de Jesús. La doctrina no toca el corazón, no convierte ni enamora. Jesús sí.
La experiencia directa e inmediata con el relato evangélico nos hace nacer a una fe nueva, no por vía de "adoctrinamiento" o de "aprendizaje teórico", sino por el contacto vital con Jesús. Él nos enseña a vivir la fe, no por obligación sino por atracción. Nos hace vivir la vida cristiana, no como deber sino como contagio. En contacto con el evangelio recuperamos nuestra verdadera identidad de seguidores de Jesús.
Recorriendo los evangelios experimentamos que la presencia invisible y silenciosa del Resucitado adquiere rasgos humanos y recobra voz concreta. De pronto todo cambia: podemos vivir acompañados por Alguien que pone sentido, verdad y esperanza en nuestra existencia. El secreto de la "nueva evangelización" consiste en ponernos en contacto directo e inmediato con Jesús. Sin él no es posible engendrar una fe nueva.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Interpretações heréticas do Vaticano II

O atual prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Gerhard Ludwig Müller (foto), apontou as potenciais heresias que as posturas tradicionalistas aninham. Ele fez isto durante a apresentação do sétimo volume da edição em alemão da “Opera omnia”, de Joseph Ratzinger, que reúne sistematicamente todos os textos do Papa-teólogo dedicados ao Concílio e seus documentos. A apresentação foi realizada num lugar muito propício: a biblioteca do “Collegio Teutonico di Santa Maria dell’Anima”, que foi a base logística para o experto teólogo Joseph Ratzinger durante as sessões conciliares.
O atual prefeito do dicastério doutrinal disse, sem deixar espaço para interpretações, que a única leitura ortodoxa do Concílio Vaticano II é a que o considera como uma ocasião de reforma e de renovação, na continuidade do único sujeito-Igreja. Esta hermenêutica é, segundo Müller, a única que respeita “o conjunto indissolúvel entre a Sagrada Escritura, a Tradição completa e integral e o Magistério, cuja maior expressão é o Concílio presidido pelo Sucessor de Pedro, como líder da Igreja visível”.
O arcebispo Müller advertiu que existe uma “interpretação herética” que se opõe à interpretação correta: “a hermenêutica da ruptura, tanto no grupo progressista como no grupo tradicionalista”. Os dois grupos, segundo o atual titular do ex-Santo Ofício, possuem em comum a rejeição do Concílio: “os progressistas porque querem deixá-lo para trás, como se fosse uma estação que é preciso abandonar para chegar numa outra Igreja; os tradicionalistas porque não querem chegar até ele, como se fosse o inverno da Catholica”.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O primada Anglicano no Sinodo Nova Evang.


O pronunciamento de Rowan Williams no Sínodo para a Nova Evangelização
“Em nossas deliberações sobre como deve ser feito para que o Evangelho de Cristo seja novamente apaixonadamente atrativo para os homens e mulheres de nossos dias, espero que nunca percamos de vista aquilo que o faz apaixonante para nós, para cada um de nós em nossos diferentes ministérios”, diz Rowan Williams, arcebispo da Igreja anglicana, em pronunciamento por ocasião do Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização. O texto é publicado no sítio Ameríndia. A tradução é do Cepat.

Eis o pronunciamento.

Sua Santidade,
Reverendos Padres,
Irmãos e Irmãs em Cristo,

Queridos amigos, para mim é uma honra ter sido convidado pelo Santo Padre para falar nesta assembleia. Como diz o Salmista: “Ecce quam bonum et quam juncundum habitare fratres in unum”. A assembleia do Sínodo dos Bispos para o bem do povo de Cristo é uma dessas matérias que sustentam a saúde da Igreja de Cristo. Hoje, em especial, não podemos esquecer a grande assembleia de “frates in unum” que foi o Concílio Vaticano II, que tanto fez pela saúde da Igreja, ajudando a mesma a recuperar muito da energia necessária para a proclamação da Boa Nova de Jesus Cristo, de uma maneira eficaz em nosso tempo.

Para muita gente de minha geração, inclusive para além das fronteiras da Igreja católica romana, o Concílio foi um sinal de grande promessa, um sinal de que a Igreja era suficientemente forte para pensar questões difíceis em relação a sua cultura e estruturas, assim como se estas eram as adequadas para a tarefa de compartilhar o Evangelho com a complexa, muitas vezes rebelde e sempre inquieta mente do mundo moderno.

Em muitos aspectos, o Concílio foi uma redescoberta da inquietude e paixão evangélica, centrada não apenas na renovação da própria vida da Igreja, mas também em sua credibilidade no mundo. Textos como a “Lumen Gentium” e a “Gaudium et Spes” ofereceram uma visão fresca e prazerosa sobre como a imutável realidade de Cristo vivo em seu Corpo na terra, por meio do dom do Espírito Santo, pode falar com palavras novas à sociedade de nosso tempo e, inclusive, àqueles que pertencem a outros credos.

Não é surpresa que, cinquenta anos depois, continuemos debatendo sobre algumas das mesmas questões e implicações do Concílio. E penso que a preocupação deste Sínodo pela nova evangelização é parte dessa exploração contínua da herança do Concílio.

Um dos aspectos mais importantes da teologia, segundo o Vaticano II, foi a renovação da antropologia cristã. No lugar da narração neoescolástica, muitas vezes tergiversada e artificial, sobre como a graça e a natureza se relacionam na constituição do ser humano, o Concílio ampliou os elementos importantes de uma teologia que voltava às fontes mais precoces e ricas: a teologia de alguns gênios espirituais como Henri de Lubac, que nos recordou o que significava para o cristianismo primitivo e medieval falar da humanidade feita à imagem de Deus e da graça como a perfeição e transfiguração dessa imagem, durante muito tempo revestida de nossa habitual “desumanidade”. Sob esta luz, proclamar o Evangelho é proclamar que ao menos é possível ser adequadamente humano: a fé católica e cristã é um “verdadeiro humanismo”, adotando uma frase emprestada de outro gênio do século passado, Jacques Maritain.

Contudo, Lubac é muito claro sobre o que isto não significa. Nós não substituímos a tarefa evangélica por uma campanha de “humanização”. Ele pergunta: “Humanizar antes de cristianizar?” “Se isto obtém êxito, o cristianismo chegará muito tarde: tirar-lhe-ão o posto. E quem pensa que o cristianismo não humaniza?” Assim escreve Lubac em sua maravilhosa coleção de aforismos: “Paradoxos”. É a própria fé que configura o trabalho de humanização e a iniciativa de humanização estaria vazia sem a definição de humanidade dada no Segundo Adão. A evangelização, primitiva ou nova, dever estar enraizada na profunda confiança de que possuímos um destino humano inconfundível, para mostrar e compartilhar com o mundo. Há muitas maneiras de dizer isto, mas nestas breves observações quero me concentrar num único aspecto em particular.

Ser completamente humano é ser recriado na imagem da humanidade de Cristo; e esta humanidade é a perfeita “tradução” humana da relação entre o Filho eterno e o Pai eterno, uma relação de amor e de adorada entrega, um transbordamento de vida para o Outro. Assim, a humanidade na qual nos transformamos no Espírito, a humanidade que queremos compartilhar com o mundo, como fruto do trabalho redentor de Cristo, é uma humanidade contemplativa. Edith Stein observou que começamos a entender a teologia quando vemos Deus como o “Primeiro Teólogo”, o primeiro que fala acerca da realidade da vida divina, porque “todas as palavras sobre Deus pressupõem a própria palavra de Deus”. De forma análoga, poderíamos dizer que começamos a compreender a contemplação quando vemos Deus como o primeiro contemplativo, o paradigma eterno da desinteressada atenção ao outro que não traz a morte, mas a vida ao nosso eu. Toda contemplação de Deus pressupõe o próprio conhecimento prazeroso e absorto, em si mesmo, de Deus, olhando fixamente para a vida trinitária.

Ser contemplativo, assim como Cristo é contemplativo, é abrir-se para toda a plenitude que o Pai deseja derramar em nossos corações. Com nossas mentes serenas e preparadas para receber, com nossas autogeradas fantasias sobre Deus e sobre nós silenciadas, estamos por fim no ponto onde talvez possamos começar a crescer. E o rosto que precisamos mostrar ao nosso mundo é o rosto de uma humanidade em crescimento infinito para o amor, uma humanidade tão alegre e partícipe da glória para a qual nos dirigimos que nos disponibilizamos a embarcar numa viagem sem fim, para encontrar nosso caminho mais profundo nele, no coração da vida trinitária.

São Paulo fala de como “com o rosto descoberto, refletimos... a glória do Senhor” (2Co 3, 18), transfigurados por um resplendor cada vez maior. Este é o rosto que devemos nos esforçar para mostrar ao nosso próximo. E devemos nos esforçar não porque estejamos buscando alguma “experiência religiosa” particular que nos dê segurança e nos faça mais santos. Nós nos esforçamos porque neste esquecer-se de si mesmo, olhando fixamente para a luz de Deus em Cristo, aprendemos a como nos olharmos uns aos outros e toda a criação de Deus. Na Igreja primitiva havia uma clara compreensão da necessidade de avançar, a partir de uma autocompreeensão instigada pela disciplina de nossos ávidos instintos e anseios, para uma “natural contemplação” que percebia e venerava a sabedoria de Deus na ordem do mundo, permitindo-nos ver a realidade criada por aquilo que realmente era a visão de Deus – mais do que era no sentido de como podíamos usá-la ou dominá-la. E a partir disto, a graça nos guiaria para a verdadeira “teologia”, olhando fixa e silenciosamente para Deus, meta de todo nosso discipulado.

Nesta perspectiva, a contemplação está longe de ser apenas um tipo de coisa que os cristãos fazem. Ela é a chave para a oração, liturgia, arte e ética. A chave para a essência de uma humanidade renovada, capaz de ver o mundo e os outros sujeitos do mundo com liberdade – liberdade dos costumes egoístas e cobiçosos, e da compreensão distorcida que deles derivam. Para explicá-la com audácia, a contemplação é a única resposta ao mundo irreal e insano que nossos sistemas financeiros, nossa cultura da publicidade e nossas emoções caóticas e irreflexivas nos forçam a habitar. Aprender a prática contemplativa é aprender o que carecemos para viver de uma maneira verdadeira, honesta e amorosa. É uma questão profundamente revolucionária.

Em sua autobiografia, Thomas Merton descreve uma experiência que lhe aconteceu pouco depois de entrar no mosteiro, local em que passou o resto de sua vida (Silêncio escolhido). Teve gripe e ficou internado na enfermaria durante alguns dias, e disse que sentiu uma “alegria secreta” pela oportunidade que este fato lhe proporcionou para rezar e “fazer tudo o que queria fazer, sem ter que correr por todo o lugar atendendo a campainhas”. Assim, é obrigado a reconhecer que sua atitude revela que “todos os meus maus hábitos... tinham entrado sub-repticiamente comigo no mosteiro e tinham recebido os hábitos religiosos comigo: voracidade espiritual, sensualidade espiritual, orgulho espiritual”. Em outras palavras, ele tentava viver uma vida cristã com a bagagem emocional de alguém ainda profundamente comprometido com a busca da satisfação individual.

É um aviso poderoso: temos que ter cuidado para que nossa evangelização não sirva simplesmente como elemento de persuasão para que peçamos a Deus e à vida do espírito pelos fatos dramáticos, excitantes ou de autoadulação que muitas vezes satisfazem nossa vida diária. Isto foi expresso de forma mais contundente, há algumas décadas, pelo estadunidense estudante de religião Jacob Needleman, num livro controvertido e desafiante, intitulado “Cristianismo perdido”. As palavras do Evangelho, disse, estão dirigidas aos seres humanos que “já não existem”, ou seja, responder entregar-se àquilo que o Evangelho pede de nós significa transformar completamente nosso ser, nossos sentimentos e nossos pensamentos e imaginação. Converter-se à fé não significa simplesmente adotar um novo grupo de crenças, mas transformar-se numa nova pessoa, uma pessoa em comunhão com Deus e com outros através de Jesus Cristo.

A contemplação é um elemento intrínseco deste processo de transformação. Aprender a olhar Deus sem levar em conta a minha própria satisfação imediata, aprender a escrutinar e relativizar os anseios e fantasias que surgem dentro de mim, significa permitir a Deus ser Deus e, assim, permitir que a oração de Cristo, a própria relação de Deus com Deus, entre e viva dentro de mim. Invocar o Espírito Santo é pedir para que a terceira pessoa da Trindade entre em meu espírito e traga a claridade de que necessito para ver onde sou escravo de anseios e fantasias, para que me dê paciência e calma enquanto a luz e o amor de Deus penetram em minha vida interior. Somente se isto começar a acontecer é que não tratarei os dons de Deus como outro grupo de objetos que compro para ser feliz ou para dominar outros. E na medida em que este processo se desenvolve, sou mais livre – tomando emprestada uma frase de Santo Agostinho (Confissões IV. 7) – para “amar os seres humanos de uma maneira humana”, amar-lhes não pelo que me prometem, amar-lhes não porque me dão segurança e conforto duradouro, mas como meu próximo frágil, sustentado no amor de Deus. Descubro, então (como observamos anteriormente), como devo olhar as pessoas e as coisas que são em relação com Deus, não comigo. E é aqui onde a verdadeira justiça, como o verdadeiro amor, possui suas raízes.

O rosto humano que os cristãos querem oferecer ao mundo é um rosto marcado por esta justiça e este amor é, portanto, um rosto formado na contemplação, na disciplina do silêncio e na separação dos objetos que nos escravizam e dos instintos irracionais que nos decepcionam. Se a evangelização é uma questão de mostrar ao mundo o rosto humano “revelado” que reflita o rosto do Filho voltado ao Pai, deve levar nela o compromisso sério de fomentar e nutrir a oração e a prática. Não é necessário dizer que com isto não se pretende, em absoluto, discutir que esta transformação “interna” é mais importante que a ação pela justiça, mas sim se quer insistir no fato de que a clareza e a energia de que necessitamos para levar adiante a justiça requer que ofereçamos espaço à verdade, para que a realidade de Deus a atravesse. Do contrário, nossa busca pela justiça ou paz se converte em outro exercício de vontade humana, minada pela autodecepção humana. Os dois chamados são inseparáveis: o chamado à “oração e a reta ação”, como disse o mártir protestante Dietrich Bonhoeffer, escrevendo de sua cela na prisão, em 1944. A verdadeira oração purifica o motivo, a verdadeira justiça é o trabalho necessário para compartilhar e libertar em outros a humanidade que descobrimos em nosso encontro contemplativo.

Aqueles que pouco sabem e menos ainda se preocupam com as instituições e hierarquias da Igreja, nestes dias se encontram muitas vezes atraídos e desafiados por vidas que mostram algo disto. São as comunidades novas e renovadas aquelas que de maneira mais eficaz chegam àqueles que nunca creram ou que abandonaram a fé por ser vazia ou velha. Quando se escreve a história cristã de nosso tempo, especialmente em relação à Europa e América do Norte, mas não apenas, vemos o quão central e vital tem sido o testemunho de lugares como Taizé ou Bose, mas também o de outras comunidades mais tradicionais, transformadas em centros para a busca de uma humanidade mais ampla e profunda do que aquilo que os hábitos sociais fomentam. E as grandes redes de espiritualidade, como Santo Egídio, os Focolares, Comunhão e Libertação, mostram também o mesmo fenômeno: criam espaços para uma visão humana mais profunda, porque todos eles, de várias maneiras, oferecem uma disciplina de vida pessoal e comunitária que torna a realidade de Jesus viva em nós.

E, como mostram estes exemplos, a atração e o desafio daquilo que estamos falando podem criar compromissos e entusiasmos que cruzem as linhas confessionais históricas. Nestes dias, estamos acostumados a falar sobre a importância vital do “ecumenismo espiritual”, contudo, esta não dever ser uma questão que, de alguma maneira, oponha o espiritual e o institucional, e não deve substituir os compromissos específicos com um sentido geral de sentimento comum cristão. Se contarmos com uma descrição sólida e rica daquilo que a palavra “espiritual” em si mesma significa, enraizada nos conteúdos bíblicos como os da passagem da Segunda Epístola aos Coríntios, mencionada antes, entenderemos o ecumenismo espiritual como a busca compartilhada para nutrir e sustentar as matérias contemplativas, com a esperança de revelar o rosto de uma nova humanidade.

Quanto mais separados estivermos, como cristãos, de diferentes confissões, menos convincente será esse rosto. Eu mencionei o movimento dos Focolares: Vocês concordarão que o imperativo básico na espiritualidade de Chiara Lubich era “sejamos um” – um com Cristo Crucificado e abandonado, um por meio Dele com o Pai, um com todos os chamados a esta unidade e, portanto, um com os mais necessitados do mundo. “Os que vivem em unidade... vivem fazendo com que eles próprios penetrem mais em Deus. Crescem sempre mais próximos de Deus... e quanto mais próximos estão Dele, mais próximos estão dos corações de seus irmãos e irmãs” (Chiara Lubich: Escritos essenciais). O hábito contemplativo suprime uma desatenta superioridade em relação a outros crentes batizados e a suposição de que não tenho nada a aprender deles. Na medida em que o hábito da contemplação nos ajuda a nos aproximarmos desta experiência como um dom, sempre nos perguntaremos sobre o que o irmão ou irmã pode compartilhar conosco – inclusive, o irmão ou irmã que de alguma maneira está separado de nós ou daquilo que supomos que é a plenitude na comunhão. “Quam bonum et quam jucundum...”.

Na prática isto pode sugerir que ali onde são realizadas iniciativas para alcançar, com novos meios, um público cristão não praticante ou pós-cristão, deve ocorrer um trabalho sério sobre a forma como este alcance pode se enraizar numa prática contemplativa, compartilhada ecumenicamente. Além do modo surpreendente pelo qual Taizé desenvolveu uma “cultura” litúrgica internacional, acessível a uma grande variedade de pessoas, uma rede como a Comunidade Mundial para a Meditação Cristã, com suas fortes raízes e afiliações beneditinas, trouxe novas possibilidades. E mais, esta comunidade trabalhou com afinco para criar uma prática contemplativa acessível às crianças e jovens, e isso precisa contar com o maior incentivo possível. Tendo visto de perto – nas escolas anglicanas da Inglaterra – o modo caloroso como as crianças respondem ao convite oferecido pela meditação nesta tradição, acredito que seu potencial para introduzir as pessoas jovens na profundidade de nossa fé é verdadeiramente muito grande. E para aqueles que se distanciaram da prática regular da fé sacramental, os ritmos e as práticas de Taizé ou da CMMC (WCCM suas siglas em inglês) são muitas vezes um caminho de regresso ao coração e ao lar sacramental.

Gente de todas as idades reconhece nestas práticas a possibilidade, bastante simples, de viver mais humanamente – viver com uma cobiça menos frenética, viver com espaço para a serenidade, viver esperando aprender e, sobretudo, viver com a consciência de que há um gozo sólido e perdurável a ser descoberto nas matérias pelas quais esquecemos nosso próprio eu, bastante diferentes da gratificação que vem deste ou daquele impulso de momento. Caso nossa evangelização não abra a porta a tudo isto, corremos o risco de tentar sustentar a fé nos baseando numa série imutável de hábitos humanos – com o conseguinte resultado demasiado familiar para a Igreja, vista como uma mais das instituições puramente humanas, ansiosas, ocupadas, competitivas e controladoras. Num sentido muito importante, uma verdadeira tarefa evangelizadora será sempre também uma reevangelização de nós mesmos como cristãos, um redescobrir porque nossa fé é diferente, pois transfigura, e um recuperar nossa própria humanidade.

E, é claro, acontece de maneira mais eficaz quando não estamos planejando ou lutando por ela. Voltando novamente a Lubac: “Aquele que melhor responderá as necessidades de seu tempo será o que não fizer caso de responder a elas primeiramente” (op.cit.). E “o homem que busca sinceridade ao invés de buscar a verdade, no esquecimento de si mesmo, é como o homem que quer ficar distante ao invés de se abandonar completamente no amor” (op.cit.). O inimigo da proclamação do Evangelho é a autoconsciência e, por definição, não podemos superá-lo sendo mais conscientes de nós mesmos. Devemos voltar a São Paulo e nos perguntar: “O que buscamos?” Olhamos com ansiedade os problemas atuais, a variedade de infidelidades ou a ameaça à fé e a moralidade, a fragilidade da instituição? Ou buscamos Jesus, o rosto revelado da imagem de Deus, luz pela qual vemos a imagem do novo refletida em nós e em nossos vizinhos?

Isto simplesmente nos lembra de que a evangelização é sempre o transbordamento de outra coisa: a viagem do discípulo para a maturidade em Cristo; uma viagem que não está organizada por um ego ambicioso, mas que é o resultado da insistência e da atração do Espírito em nós. Em nossas deliberações sobre como deve ser feito para que o Evangelho de Cristo seja novamente apaixonadamente atrativo para os homens e mulheres de nossos dias, espero que nunca percamos de vista aquilo que o faz apaixonante para nós, para cada um de nós em nossos diferentes ministérios. Desejo-lhes regozijo nestes debates, nãos apenas clareza ou eficácia no planejamento, mas deleite na promessa da visão do rosto de Cristo e no anúncio dessa plenitude na alegria da comunhão um com o outro, aqui e agora.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

O violino Stradivarius e o maior violinista

Historia verdadeira e é também uma parábola:

Joshua Beel é dos maiores violinistas do mundo.

Ele tem um violino "Stradivarius" do ano 1713 que vale 2 milhões de reais.

Ele fez apresentações nos lugares mais importantes do mundo. Para se ter uma ideia, quando se apresentou em Boston, USA, no Symphony Hall, cada entrada custava mil reais.


Pois bem, esse homem assim famoso um dia foi com o seu violino vestido de camiseta e jeans e entrou no metro de Nova YOrk, desceu numa estão central e num canto e por 45 minutos tocou a sua maravilhosa música e ninguém parou para ouvír aquela maravilha do século.


INTERPRETAÇÃO

1) Estamos tão preocupado com nossas próprias agendas que podemos estar com pressa sem perceber que algo extraordinario e maravilhoso está ali no nosso caminho

2) Quando alguém não está com roupas especiais, num lugar especial, interpretamos a pessoa pelo lugar onde se encontra agora e pelas roupas que esta vestido... e não recebemos uma surpresa tão importante que não haverá outra oportunidade em toda nossa vida para tal.

3) O dom gratuito da missão não só o que dizemos, senão o que acontece com a maravilha da fe que está acontecendo por nosso intermedio em lugares que não se esperam - algo tão incrível que compararíamos ao stradivarius, permitindo a melhor interpretação da música, numa estação de metro e não no Hall de Boston. O artistia principal, o Espírito Santo está "tocando" e precisamos crear espaço e condições para identifica-lo e acolhe-lo.

Curran, Häring

No dia 29 de julho de 1968, a encíclica Humanae Vitae, do Papa Paulo VI, que reiterava a condenação da contracepção artificial para os cônjuges, foi divulgada ao público. Eu era o líder e depois porta-voz do que começou como um grupo de 10 de nós, principalmente da Universidade Católica dos Estados Unidos, que leram a encíclica naquela noite e elaboraram uma resposta a ela. Nossa declaração de apenas 10 parágrafos concluía que os católicos poderiam responsavelmente decidir a usar o controle de natalidade se fosse para o bem do seu casamento.

Depois de terminar a declaração, telefonamos para uma diversos outros teólogos do país em busca de mais assinaturas. Contatei Häring na Califórnia, li para ele a declaração e fiquei em êxtase quando ele concordou em assinar. Na manhã do dia 30 de julho, eu atuei como porta-voz para os então 86 estudiosos católicos, incluindo Häring, que assinaram a declaração. No fim, mais de 600 assinaram.

Essa resposta direta e rápida à encíclica despertou a atenção mundial. O próprio Häring, à época e depois, sem dúvida, tornou-se o proponente mais proeminente e público no mundo católico da discordância com relação à conclusão da encíclica.

No verão de 1979, fui informado de que eu estava sob investigação da congregação vaticana para a Doutrina da Fé pela minha discordância sobre diversas questões morais. Naquele outono, eu fui para Roma para consultar Häring e outros. Durante todo o processo, eu fiquei em contato próximo com Bernard.

Depois de muitas correspondências, ficou claro no fim de 1985 que a Congregação para a Doutrina da Fé iria tomar medidas contra mim, o que acabaram fizeram ao declarar que eu não era nem adequado nem elegível para ser um teólogo católico. No entanto, eles concordaram, sim, para que eu tivesse um encontro informal com o cardeal Joseph Ratzinger e algumas autoridades da Congregação em março de 1986. Eu podia levar um assessor. Ao longo de todo o tempo, Häring concordou que, se tal encontro ocorresse, ele iria me acompanhar.

A presença de Häring foi uma fonte de grande força e consolo para mim. Ele começou a sessão lendo um artigo de duas páginas intitulado "O frequente e duradouro dissenso da Inquisição/Santo Ofício/Congregação para a Doutrina da Fé". O texto era o melhor de Häring em sua fala franca com o poder. No fim, ele instou Ratzinger fortemente a aceitar um compromisso de que eu não iria lecionar ética sexual na Universidade Católica e de que não haveria condenação. O encontro terminou sem qualquer solução ou ação.

No dia seguinte, o quarto Domingo da Quaresma, seis de nós fomos à casa religiosa de Häring para celebrar uma liturgia que ele presidiu. O Evangelho era a parábola do filho pródigo. Häring, na homilia, olhou para mim e disse que a Igreja era o filho pródigo que havia tomado todo o meu tesouro e meu trabalho pela teologia moral e alimentado os porcos. Mas o Espírito Santo estava chamando a mim e aos demais presentes para assumir o papel do Pai e perdoar a Igreja. Só com um espírito de perdão e de esperança podemos continuar celebrando a Eucaristia. Ele terminou a homilia repetindo duas vezes que os cristãos são pessoas que têm esperança.

Nos últimos anos, muitas vezes eu fui encorajado pelo testemunho de Bernard Häring. Uma centralização defensiva continua marcando a atitude do Vaticano diante de quaisquer tentativas para trazer a mudança. João Paulo II reconheceu que houve uma crise na teologia moral, porque muitos teólogos morais hoje discordam do ensinamento papal. Mas os papas combateram veementemente essa mudança e até mesmo tomaram medidas punitivas contra os que discordavam acerca de assuntos que não são essenciais para a fé católica.

Enquanto isso, todos nós temos visto famílias e amigos abandonarem a Igreja Católica por causa da sua intransigência. Muitas pessoas têm me perguntado se eu vejo quaisquer sinais de esperança na Igreja hoje. Eu lembro a eles e a mim mesmo que a esperança não é esperança se você a vê na sua frente. São Paulo nos diz que a esperança está esperar contra toda esperança. A esperança é acreditar na luz no meio da escuridão e na vida no meio da morte.

Bernard Häring foi verdadeiramente uma pessoa de esperança. Ele enfrentou a morte muitas vezes na Segunda Guerra Mundial. Ele quase morreu nas operações para tentar curar o seu câncer de garganta. A pessoa que falou em mais línguas para mais pessoas em todas as partes do mundo do que qualquer outro teólogo, pregador ou missionário depois teve as suas cordas vocais removidas e teve que aprender a falar com o esôfago, o que não era fácil nem para ele nem para os seus ouvintes. Nos últimos anos de sua vida, ele experimentou o retorno de uma centralização e autoritarismo que ele achava que haviam sido derrotados pelo Concílio Vaticano II.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

As caudas cardinalicias

A nota é de Andrea Tornielli, publicada no blog Sacri Palazzi, 24-11-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A ocasião das novas púrpuras me faz lembrar de um breve documento de Pio XII, publicado há 60 anos, no dia 30 de novembro de 1952. Trata-se do motu proprio Valde solliciti, com o qual o Papa Pacelli simplificava as vestes cardinalícias e, sobretudo, pedia que os purpurados cortassem pela metade a cauda da capa magna cardinalícia (que, então, tinha cerca de 12 metros), estabelecendo também que, a partir daquele momento, ela não fosse mais desenrolada, mas fosse sempre mantida enrolada no braço.

"O papa corta a cauda dos cardeais", intitularam-se os jornais. É interessante notar as motivações postas claramente pelo pontífice para justificar a redução da pompa e do luxo nas vestes. O papa pedia que, mais do que pelas caudas desmedidas, os padres cardeais fossem admirados pela sua solicitude para com as necessidades das pessoas.

Essas regras nunca foram abolidos, mesmo que o sucessor de Pio XII, o beato João XXIII, concedeu aos purpurados que desenrolassem de novo a cauda, sem, porém, fazê-la voltar às dimensões anteriores. Portanto, chama a atenção que, em um certo revival tradicionalista, não tenham se limitado a desenterrar as capas magnas com exibições de toda a cauda, mas também fabricaram novas caudas, sem levar em conta as observações de bom senso estabelecidas pelo Papa Pacelli, como demonstram estas imagens nas quais se vê um cardeal da Cúria Romana fazendo o seu ingresso em uma igreja de Washington, onde estava para celebrar a missa exibindo uma capa magna fora dos padrões, que lhe foi posta por cima, de um comprimento dobrado, ou seja, como era admitido antes do corte decidido por Pio XII.

Não tenho nada contra as capas magnas nem contra aqueles que gostam de usá-las com freqüência, embora, pessoalmente, não as considere tão indispensáveis para a nova evangelização, ainda mais que não se trata de vestes litúrgicas (mas essa é apenas uma opinião pessoal). Já prevejo algumas objeções por parte daqueles que me lembrarão dos abusos litúrgicos e do desleixo dos hábitos do clero pós-conciliar, considerando as capas magnas como uma reação.

Apenas me pergunta por qual motivo há tradicionalistas mais tradicionalistas do que a tradição, que não se contentam em desenterrar as vestes de sabor renascentista, mas também parecem ignorar as leis estabelecidas nessa matéria pela autoridade eclesiástica