terça-feira, 8 de janeiro de 2013

A TEOLOGIA ORIENTADORA DO VATICANO II



 

1.  SURJE UMA NOVA TEOLOGIA

       Um livro, publicado em 1943, abalou a Igreja francesa. O Pe. Henrique Godin, assessor do Movimento da Juventude Católica e ajudado pelo seu colega Michauneau denunciou a crise religiosa da França e analisou o que estava acontecendo com o catolicismo daquele pais. O livro profético: “França, pais de missão”, tornou-se tema de discussão nacional nos anos seguintes. E provocou iniciativas fecundas que repercutiram no catolicismo mundial: surgiu a “Missión de France”, com os Padres Operários; e nasceu uma Nova Teologia que acabou tendo, vinte anos mais tarde, uma influencia importantíssima nos documentos do Concilio Vaticano II.

   A equipe de teólogos jesuítas de Lyon- Danielou, Henri de Lubac; os dominicanos de Saulchoir[1] – Dominique-Marie Chenu e Yves Congar escreveram artigos “explosivos” que questionavam a fundo, a teologia dominante depois do Concilio de Trento, a Neo-Escolástica (de João de Santo Tomas, Suarez, Bañez e companheiros) e propunham uma nova maneira de fazer teologia.

        É o que vamos resumir em seguida.

       Esses teólogos e outros que foram seguindo no mesmo sendeiro, não se apresentavam como um movimento ou uma escola teológica.

O famoso Pe. Garrigou-LaGrange,OP,  saiu em defesa do Tomismo, ou seja, da teologia constantemente apoiada como “oficial” do catolicismo ( Leão XIII, Pio XII), e criticou os que estavam fazendo uma nova teologia. Com isso, praticamente batizou o método crítico-histórico-indutivo de seus colegas os teólogos dominicanas, jesuítas como uma “NOVELLE THEOLOGIE”.

       Não se constituiu um grupo formal de afiliados à nova maneira de fazer teologia, mas se multiplicaram os teólogos dessa nova geração, tanto na França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Suiça e depois em outras partes do mundo, entre eles os mais famosos: Hans Urs Von Balthazar, Edouard Schillebeeckx, Lois Boyer, Karl Rahner, Joseph Ratzinger, Gerard Philip, Hans Küng,  Etienne Gilson, Jean Morou, Louis Charlier, R. Dragnet...[2] .

       Partiam das seguintes constatações:

+ A teologia escolástica, se distanciava de Tomas de Aquino, embora continuasse usando o seu nome. A neo-escolástica era um ensinamento de manuais, distanciado da vida, a-histórico, rígido e imposto na formação dos religiosos e clérigos. Depois de Trento deixou de ser uma eclesiologia para ser uma hierarqueologia,

+ A mensagem estava sendo proclamada de cima para baixo, como verdade imutável, definitiva, indiscutível, sem tomar em consideração a capacidade de recepção dos destinatários, nas circunstancias em que se encontravam.

+ Essa transmissão do Evangelho deixava de ser Boa Nova. As pessoas não sentiam que era “nova” e nem que era “boa”. Sempre se dizia o mesmo, embora as realidades houvessem mudado.

+ Era o imobilismo do pensamento grego. Não tinha sentido histórico.  Era essencialista e desconhecia a subjetividade humana. Estava fora da quotidianidade do Povo de Deus. Era incapaz de oferecer aos contemporâneos, alimento espiritual e doutrinal. Estava desligada da pastoral e da espiritualidade

+ Essa teologia não era assumida pelos fieis. Não podiam sentir sua bondade ou maldade.  – “Então, se perguntavam os teólogo e pastores, como é que nos primeiros tempos do cristianismo a Mensagem impactava, orientava as pessoas e os povos?”

2.  CARACTERÍSTICA DA NOVA TEOLOGIA

       A nova maneira de refletir sobre a fé, ou seja, “fazer teologia”, rompeu o mito da neo-escolástica, considerada uma teologia particular indevidamente universalizada.

       Essa nova maneira teológica, de um lado mantinha a seriedade doutrinal, sua volta ao passado não era uma obsessão por ele (“Repristinicação” como dizia Congar). Era um entendimento novo (luz nova) sobre os desígnios de Deus, sobre a vocação humana (como GS 11 vai dizer, em 1965)

- Foi um método histórico, indutivo que alcançava a sensibilidade, a imaginação, a intuição das pessoas. Uma teologia que falava às situações presentes, dentro de uma sociedade secularizada, recuperando inteligente e criadoramente o passado.

- Interrogava as fontes da fé cristã com perguntas do tempo atual.  Descobria perspectivas que a neo-escolástica ou não havia descoberto, ou havia deixado de lado ou não estava apta da enfrenta-las.

- A Nova teologia segue um dinamismo indutivo partindo das pessoas às referências da fé.  Esta não tinha se esgotado em uma formulação teórica indiscutível. Duas referências orientam a Nouvelle Theologie: a Revelação e a Patrística. Esta tradição não se constituiu como uma força para traz, senão para frente. Nenhuma “tradição” esgotou A TRADIÇÃO. Então sempre é possível voltar à TRADIÇÃO à luz da Palavra de Deus, para refletir melhor sobre as realidades contemporâneas.

- Os Padres da Igreja tomavam em consideração a sensibilidade emocional das pessoas falando-lhes com símbolos, história, exemplos e as pessoas sentiam que era algo que chegava às suas vidas. Aceitar ou rejeitar o que se lhes dizia tinha consequências não tanto na eternidade, senão já agora, aqui mesmo.

A Nova Teologia não tratava somente de contemplar o mundo, mas de transformá-lo. Assim é que repetia o pensamento de Etienne Gilson: - “Para ir em frente é preciso ir para trás e recomeçar”, ou seja, passar de uma tradição menos profunda a outra mais profunda, aproximando-se mais de uma comunhão intelectual e espiritual com o cristianismo nos seus momentos mais vitais, finalmente, uma identificação com Jesus Cristo e com o seu mistério pascoal.

- A Patrística ensinava o que havia recebido da fonte comum da Revelação. Por isso a Palavra de Deus era a referência fundamental do que se ensinava e não estava circunscrita a um sistema teológico, por melhor que fosse. Esse método se denominou Ressourcement ou seja, ir às Fontes bíblicas e da tradição, valorizando o instrumento privilegiado da transmissão que foi a Patrística.

- É questão de recuperar o sentido do mistério, que a Neo Escolástica havia dificultado, por insistir na sua sistematização dogmática indiscutível, privilegiar o conceitual, o abstrato, sobre o concreto, com suas imagens e símbolos. O mistério do Deus pessoal so pode ser alcançado pelo amor, não pela razão.

3. SINAIS DOS TEMPOS

Essa teologia permitia mais efetivamente considerar os “Sinais dos Tempos”,(Lc 12,54-56), que João XXIII vai propor no seu discurso inaugural do Vaticano II e daí a necessidade do Aggiornamento (atualização) e de uma responsabilidade Pastoral que acompanha o conhecimento e análise da realidade.

       América Latina vai seguir o mesmo caminho, desenvolvendo uma teologia que especifica no nosso tempo o que Jesus advertiu em Mt 25,39 ss, ou seja a “opção prioritária pelo pobre”, que é donde acontece o encontro salvífico da história (Mt 25,45): “A mim o fizestes”

4.CONFLITOS

Os teólogos de La Fourviere de Lyon, se lançaram contra a Nouvelle Theologie. Principalmente Gariggou Lagrange e Labourdette. El Padre Provincial Jesuita, proibiu a Henri de Lubac, de ensinar. O Santo Oficio fez o mesmo para os padres Congar, Danielou. Esses três personagens foram chamados por João XXIII como “periti” no Vaticano II (Assessores) e mais tarde, todos eles foram cardeais.

 

 

 



[1] É o termo para o coletivo da árvore “Salgueiro-chorão”,  a tradução poderia ser “Salgueiral”, para designar um espaço da residência dominicana, antiga propriedade dos padres Cistercienses, na Bélgica, onde a Província Francesa dos Padres da Ordem dos Pregadores, mantinha uma importante escola de teologia.
[2] Seguian pegadas de antigos teólogos como Moehler, Newman, Gardeil, Rousselot, Charles Peguy, Paul Blondel, Emile Merwsch, Odo Casel, Romano Guardini, Karl Adam, Anselm Stolz.

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