Olhando para trás, para o Concílio Vaticano II, parece-me que podemos identificar em três áreas os seus maiores impulsos: a Igreja universal como comunhão de Igrejas locais; a Igreja entendida sobretudo como o povo de Deus, a cujo serviço estão os ministros; a Igreja em diálogo com o mundo, com as outras Igrejas e as outras religiões.
Comunhão de Igrejas locais
O primeiríssimo documento do Concílio, centrado na liturgia, lançou as bases para uma visão da Igreja universal como comunhão de Igrejas locais. Ele fala da necessidade de inculturar a liturgia e atribui a responsabilidade às conferências episcopais locais (Sacrosanctum Concilium, 37-40). O uso das línguas e das músicas locais torna visível a variedade das Igrejas locais.
A Gaudium et Spes (53-62), falando do diálogo entre o Evangelho e as culturas, indica como nasce verdadeiramente uma Igreja local. A visão da colegialidade dos bispos e instituições como o sínodo de bispos e as conferências episcopais dão uma estrutura para a Igreja como comunhão de Igrejas locais.
A organização da Igreja, no entanto, continua fortemente centralizada. Mas, enquanto a liturgia oficial é protegida com atenção, são visíveis alguns fenômenos no âmbito da religiosidade, da espiritualidade e da teologia populares. Os cristãos entram em diálogo com a sociedade ao seu redor, como testemunham as teologias ligadas aos dalits, aos tribais, ao feminismo e ao ecologismo, que afundam suas raízes nas culturas locais.
Em uma época pós-colonial, as pessoas não podem ser completamente submissas. Um desafio foi lançado lá quando João Paulo II escreveu na Fides et Ratio: "Um grande ímpeto espiritual leva o pensamento indiano a procurar uma experiência que, libertando o espírito dos condicionamentos de tempo e espaço, tenha valor de absoluto. [...] Compete aos cristãos de hoje, sobretudo aos da Índia, a tarefa de extrair deste rico patrimônio os elementos compatíveis com a sua fé" (72).
Mas quanto somos realmente livres? Quando os grupos extremistas hindus definem o cristianismo como uma religião estrangeira, nós não podemos realmente rebater que somos indianos, que nos financiamos, nos difundimos e nos governamos sozinhos. Ainda temos muita estrada a fazer para nos tornarmos uma Igreja propriamente indiana. É nossa tarefa, e não algo que nos será dado por outros.
Povo de Deus
A segunda grande aquisição do Concílio é a compreensão da Igreja sobretudo como povo de Deus (Lumen gentium, 9-17). O Concílio, antes de falar da sua estrutura hierárquica, apresenta a Igreja como o povo de Deus. É o povo da nova aliança com a lei de Deus escrita no coração (cf. Jeremias 31, 31-34). São Pedro a define de "raça eleita, sacerdócio régio, nação santa (…) Vocês que antes não eram povo, agora são povo de Deus" (1Pedro 2, 9-10).
O povo é formado por sacerdotes que participam do sacerdócio de Cristo, que oferecem em sacrifício não só o corpo de Cristo, mas também a si mesmos. Os presbíteros têm apenas um papel ministerial ou de serviço. O povo de Deus também participa do ofício profético de Cristo. O Concílio afirma que "a totalidade dos fiéis (…) não pode enganar-se na fé; e esta sua propriedade peculiar manifesta-se por meio do sentir sobrenatural da fé do povo todo, quando este, desde os Bispos até ao último dos leigos fiéis, manifesta consenso universal em matéria de fé e costumes" (Lumen gentium, 12).
Há aí um sutil equilíbrio entre o "sentido sobrenatural da fé" e o ensinamento oficial do papa e dos bispos. O Espírito Santo distribui dons especiais para as pessoas não em seu benefício pessoal, mas sim porque estão a serviço do povo (1Coríntios 12, 7-11). Infelizmente, a Igreja permanece ampla e fortemente guiada pelo clero. Em vez de ser uma democracia consensual, não majoritária, a Igreja é vista essencialmente como hierárquica e autocrática, com líderes que reivindicam uma autoridade absoluta.
Igreja em diálogo
O terceiro impulso é o mais importante por levar a Igreja a olhar para fora de si mesma. Uma seção da Gaudium et Spes refere-se ao diálogo entre a Igreja e o mundo (n. 40-44). Em verdadeiro estilo dialógico, ela está pronta não só para oferecer, mas também para receber do mundo. Ela não apresenta uma mera visão negativa do mundo moderno, com a sua secularização ou até mesmo com o ateísmo, mas tenta dialogar com ele, focando a atenção em particular sobre a família, a cultura, o desenvolvimento socioeconômica, a vida política e a paz. De fato, o documento é dirigido a toda a humanidade.
Na Dignitatis Humanae, a Igreja dialoga com as estruturas políticas, pedindo liberdade não só para si mesma, mas para todas as religiões. Podemos dizer que, indiretamente, ela se comunica com as outras comunidades religiosas reconhecendo-as como legítimas detentoras de direitos humanos e políticos.
O desejo de diálogo é mais explícito na Nostra Aetate, em particular no que diz respeito ao diálogo com o Islã e o judaísmo. Ela se abre, enfim, a outras comunidades cristãs não católicas na Unitatis Redintegratio. Outros documentos mais dogmáticos (Lumen Gentium, Dei Verbum e Ad Gentes) fornecem as bases teológicas de tal diálogo.
Considerando todos esses documentos juntos, podemos ver se desdobrar uma dupla visão da missão. De um lado, há a necessidade de proclamar Jesus Cristo como salvador, e a Igreja, como meio de salvação. É a missão como proclamação.
De outro lado, há a visão da "missão de Deus". A missão da Igreja tem a sua origem "na missão do Filho e do Espírito Santo. Este desígnio brota do 'amor fontal', isto é, da caridade de Deus Pai [...] Ele quis derramar e não cessa de derramar ainda a bondade divina (…). Quis ser, assim, não só criador de todas as coisas mas também 'tudo em todas as coisas' (1Coríntios 15, 28)" (Ad gentes, n. 2). A Palavra e o Espírito são ativos sempre e em todo lugar, oferecendo a cada pessoa uma participação no mistério pascal do modo que só Deus conhece (cf. Gaudium et Spes, n. 22).
Com base nesses textos, os teólogos asiáticos enfatizam que a principal é a "missão de Deus", e a "missão da Igreja" está a seu serviço. O objetivo da missão é, então, o Reino de Deus e a Igreja como seu símbolo e serva. Todas as religiões são vistas como companheiras na peregrinação rumo ao Reino, onde os nossos verdadeiros inimigos são Satanás e Mamom. Um diálogo que se torna o caminho da missão.
Hoje, a tendência na Igreja parece ser a de cerrar as fileiras e proclamar o seu Evangelho, sem nenhuma tentativa séria de diálogo. Não dialogando, a Igreja está perdendo a oportunidade de ser um instrumento de paz e de harmonia em um mundo dividido por tantos conflitos.
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