quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Curia X Vat II

O horror curial perante o anúncio do Concílio de João XXIII



No dia 11 de outubro de 2012, completam-se os 50 anos de abertura do Concílio Vaticano II. E o que mais surpreendeu os cardeais da Cúria foi que um papa que ninguém esperava que produziria qualquer surpresa tomou uma decisão tão importante.

Publicamos aqui o primeiro de uma série de artigos sobre o Concílio Vaticano II, de autoria de Desmond Fisher, ex-editor do jornal britânico The Catholic Herald. O artigo foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 25-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

No dia 25 de janeiro passado, a Igreja Católica deveria ter celebrado – mas não celebrou – um importante aniversário, o dia em que, há 53 anos, o Papa João XXIII convidou 18 cardeais da Cúria para acompanhá-lo a uma cerimônia em São Paulo Fora dos Muros. Era o dia da festa de São Paulo, que se acredita ter sido executado em Roma cerca do ano 67 d.C. e enterrado onde a basílica que leva seu nome se encontra agora.

Era também o último dia da Oitava da Unidade dos Cristãos, um objetivo próximo do coração do papa. Presumivelmente por causa da participação de tantos superiores vaticanos, a cerimônia durou mais tempo do que o habitual. O resultado foi que o conteúdo do anúncio cuidadosamente programado que o papa fez aos cardeais havia sido divulgado para a mídia antes que os cardeais fossem informados.

O que eles ouviram os surpreendeu. O novo papa – ele havia sido eleito apenas três meses antes – lhes disse que pretendia convocar um concílio ecumênico e lhes pedia o favor de lhe darem as suas opiniões a respeito.

Não era preciso estar no Vaticano muito tempo antes para saber o que os cardeais pensariam sobre um concílio ecumênico. Se tivessem sido convidados a votar a respeito, eles poderiam ter voltado os seus polegares firmemente para baixo.

Ao contrário, eles olharam para o papa, primeiro com espanto e depois com horror. Em qualquer tempo a Cúria desfavorece concílios ecumênicos. Os concílios denotam mudança; e, para a Cúria, a mudança é um anátema. Eles também sugerem que a situação existente não é perfeita; e, para a Cúria, a Igreja é perfeita. Um concílio também sugere que o papa precisa que os bispos lhe aconselhem. A visão da Cúria, especialmente desde 1870, quando a infalibilidade papal foi promulgada, é que o próprio papa pode tomar qualquer decisão necessária, de forma que não há mais necessidade de concílios. E qualquer indicação de que as pessoas do lado de fora dos muros vaticanos precisavam ser consultadas era um insulto contra a Cúria, que gostava de se considerar como uma participante daquela progressiva infalibilidade papal.

O que mais surpreendeu os cardeais foi que um papa que ninguém esperava que produziria qualquer surpresa tomou uma decisão tão importante. O cardeal Angelo Giuseppe Roncalli estava longe de ser contado entre os papáveis, os principais concorrentes no conclave de outubro de 1958 para eleger um sucessor para Pio XII. Foi apenas no terceiro dia do conclave, quando a votação se tornou um impasse, que seu nome foi mencionado. Ele mesmo ficou pasmo. Ele tinha ido a Roma com uma passagem de ida e volta de trem e com apenas uma mala para pernoite, esperando estar de volta em Veneza depois de dois dias. Ele não esperava ser papa. E não queria ser.

Os cardeais que o apoiaram tinham votado em um homem que eles consideravam que seria um papa interino, sem criar ondas em uma Igreja que se recuperava do frenético pontificado de Pio XII. Em seus 19 anos no trono de São Pedro, Pio XII não tinha pensado ser necessário convocar um concílio ecumênico. Por que, então, pensavam os cardeais em São Paulo naquela manhã de 1959, esse velho homem – ele tinha 77 anos naquela época – quer agitar as coisas quando tudo o que eles queriam era alguns anos de paz para deixar as coisas acalmarem? Não admira que eles tenham ficado mudos quando o novo homem deixou cair a sua granada.

João XXIII alegou mais tarde que ele esperava que os cardeais, "depois de ter ouvido a nossa alocução, se reunissem em torno a nós para expressar aprovação e bons votos". No entanto, acrescentou, "houve um silêncio devoto e impressionante. As explicações para isso vieram apenas nos dias seguintes". Esta avaliação da reação dos cardeais é ou muito caridosa ou, mais provavelmente, uma observação um pouco magoada de um velho homem do campo que não era nada bobo.

Ele manteve essa atitude até o fim. Quase três anos depois, no dia 11 de outubro de 1962, quando ele formalmente abriu o concílio, ele disse que a decisão de convocá-lo "foi concebida na mente, quase de improviso". E, lembrando a reação silenciosa dos cardeais, ele acrescentou serenamente, senão até implausivelmente: "Os ânimos dos presentes logo ficaram repentinamente comovidos, como se brilhasse um raio de luz sobrenatural, e todos o transpareceram suavemente no rosto e nos olhos".

Os relatos dos historiadores do concílio não apoiam tal benevolente retrato da contribuição da Cúria para o trabalho do Concílio Vaticano II. Desde o início, ela trabalhou para se antecipar ao concílio. Ela propôs 10 comissões, cada uma com 24 membros, para guiar o concílio, com pessoas nomeadas pela Cúria para a maior parte das posições. Ela apresentou 70 documentos para a apreciação do concílio. E confiava que o concílio poderia ser concluído em uma única sessão.

O lance peremptório da Cúria de assumir o controle do concílio de um só golpe suave foi detido bruscamente. Em pouco tempo, dois cardeais europeus, Achille Liénart, de Lille, França, e Josef Frings, de Munique, Alemanha, protestaram. Bispos dos quatro cantos do mundo – 2.500 deles – foram a Roma para o concílio. Eles não tiveram uma chance para conhecer uns aos outros. Como poderiam decidir quem seria o melhor para cada comissão? Eles precisavam de alguns dias para considerar as opções.

Os bispos do concílio – alguns dos quais nunca tinham se visto antes nos opressivos arredores de São Pedro, e a maioria dos quais ficou perplexa com a enormidade e a complexidade do que tinha pela frente – reagiram com prazer. As propostas da Cúria, incluindo os membros das comissões e os 70 projetos de decretos foram postos de lado. A emenda para postergar a abertura do concílio em dois dias foi aprovada com uma massiva maioria.

Os bispos saíram em fluxo de São Pedro para se reunirem do lado de fora da vasta praça em grupos animados para discutir o que tinha acontecido. O primeiro encontro do Vaticano II, que deveria se reunir em sessões de três meses ao longo dos próximos quatro anos, estava encerrado. Ele durou cerca de 17 minutos.(Texto de Unesinos)

Os últimos (en español e em portugues)

Jesús era muy sensible al sufrimiento de quienes encontraba en su camino, marginados por la sociedad, despreciados por la religión o rechazados por los sectores que se consideraban superiores moral o religiosamente.

Es algo que le sale de dentro. Sabe que Dios no discrimina a nadie. No rechaza ni excomulga. No es solo de los buenos. A todos acoge y bendice. Jesús tenía la costumbre de levantarse de madrugada para orar. En cierta ocasión desvela cómo contempla el amanecer: "Dios hace salir su sol sobre buenos y malos". Así es él.

Por eso, a veces, reclama con fuerza que cesen todas las condenas: "No juzguéis y no seréis juzgados". Otras, narra pequeñas parábolas para pedir que nadie se dedique a "separar el trigo y la cizaña" como si fuera el juez supremo de todos.

Pero lo más admirable es su actuación. El rasgo más original y provocativo de Jesús fue su costumbre de comer con pecadores, prostitutas y gentes indeseables. El hecho es insólito. Nunca se había visto en Israel a alguien con fama de "hombre de Dios" comiendo y bebiendo animadamente con pecadores.

Los dirigentes religiosos más respetables no lo pudieron soportar. Su reacción fue agresiva: "Ahí tenéis a un comilón y borracho, amigo de pecadores". Jesús no se defendió. Era cierto. En lo más íntimo de su ser sentía un respeto grande y una amistad conmovedora hacia los rechazados por la sociedad o la religión.

Marcos recoge en su relato la curación de un leproso para destacar esa predilección de Jesús por los excluidos. Jesús está atravesando una región solitaria. De pronto se le acerca un leproso. No viene acompañado por nadie. Vive en la soledad. Lleva en su piel la marca de su exclusión. Las leyes lo condenan a vivir apartado de todos. Es un ser impuro.

De rodillas, el leproso hace a Jesús una súplica humilde. Se siente sucio. No le habla de enfermedad. Solo quiere verse limpio de todo estigma: «Si quieres, puedes limpiarme». Jesús se conmueve al ver a sus pies aquel ser humano desfigurado por la enfermedad y el abandono de todos. Aquel hombre representa la soledad y la desesperación de tantos estigmatizados. Jesús «extiende su mano» buscando el contacto con su piel, «lo toca» y le dice: «Quiero. Queda limpio».

Siempre que discriminamos desde nuestra supuesta superioridad moral a diferentes grupos humanos (vagabundos, prostitutas, toxicómanos, sidóticos, inmigrantes, homosexuales...), o los excluimos de la convivencia negándoles nuestra acogida, nos estamos alejando gravemente de Jesús. (Eclesalia Informativo autoriza y recomienda la difusión de sus artículos, indicando su procedencia).



AMIGO DOS EXCLUIDOS

José Antonio Pagola. Tradução: Antonio Manuel Álvarez Pérez

Jesus era muito sensível ao sofrimento de quem encontrava no Seu caminho, marginalizados pela sociedade, desprezados pela religião ou rejeitados pelos sectores que se consideravam superiores moral ou religiosamente.

É algo que Lhe sai de dentro. Sabe que Deus não discrimina ninguém. Não rejeita nem excomunga. Não é só dos bons. A todos acolhe e bendiz. Jesus tinha o hábito de levantar-se de madrugada para orar. Em certa ocasião revela como contempla o amanhecer: "Deus faz sair o Seu sol sobre bons e maus". Assim é Ele.

Por isso, por vezes, reclama com força que cessem todas as condenações: "Não jugueis e não sereis jugados". Outras, narra pequenas parábolas para pedir que ninguém se dedique a "separar o trigo e o joio" como se fosse o juiz supremo de todos.

Mas o mais admirável é a Sua atuação. O rasgo mais original e provocativo de Jesus foi o Seu hábito de comer com pecadores, prostitutas e gente indesejável. O facto é insólito. Nunca se tinha visto em Israel a alguém com fama de "homem de Deus" comendo e bebendo animadamente com pecadores.

Os dirigentes religiosos mais respeitáveis não o puderam suportar. A sua reação foi agressiva: "Aí tendes a um comilão e bêbado, amigo de pecadores". Jesus não se defendeu. Era certo. No mais íntimo do Seu ser sentia um respeito grande e uma amizade comovedora para com os rejeitados da sociedade ou da religião.

Marcos recolhe no seu relato a cura de um leproso para destacar essa predileção de Jesus pelos excluídos. Jesus atravessa uma região solitária. De repente aproxima-se um leproso. Não vem acompanhado por ninguém. Vive na solidão. Leva na sua pele a marca da sua exclusão. As leis condenam-no a viver afastado de todos. É um ser impuro.

De joelhos, o leproso faz a Jesus uma súplica humilde. Sente-se sujo. Não lhe fala de doenças. Só quer ver-se limpo de todo estigma: «Se queres, podes limpar-me». Jesus comove-se ao ver a Seus pés aquele ser humano desfigurado pela doença e o abandono de todos. Aquele homem representa a solidão e o desespero de tantos estigmatizados. Jesus «estende a Sua mão» procurando o contacto com a sua pele, «toca-lhe» e diz-lhe: «Quero. Fica limpo».

Sempre que discriminamos a partir da nossa suposta superioridade moral a diferentes grupos humanos (vagabundos, prostitutas, toxicómanos, sidoticos, imigrantes, homossexuais...), ou os excluímos da convivência negando-lhes o nosso acolhimento, estamos a afastar-nos gravemente de Jesus.
(Copiado de Eclesialia, P.Jose Antonio Pagola)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Minha historia

Dentro de alguns meses, estarei completando 80 anos de vida e 57 de ministério quase todo dedicado a uma itinerância constante de sul a norte, de leste a oeste, acompanhando a circunferência do nosso planeta. Estou para completar logo, minhas 10 mil horas de voo e já mais de 3 mil viagens aéreas... e outros 3 mil e 200 cursos ou encontros, ao longo de todos os continentes. He dado duas voltas ao redor do mundo, nunca por turismo.
Sugeriram-me, escrever minhas memórias dessa querida Igreja pré-Vaticano II, conciliar e após Medellín, que vivi e continuo vivendo intensa e apaixonadamente. Achei que não deveria só fazer um “apanhado”, por eventos e cronológico, nem pelas constelações de papas, sínodos, assembleias gerais. Optei por partir, reunindo conteúdos que têm sido significativos, não a partir das cúpulas oficiais das grandes estruturas de poder econômico, político ou religioso... mas do que tem gerado vida e esperança fecunda, a partir dos indivíduos, mesmo dos mais simples deles, que são as galáxias da esperança no espaço humano.
Claro está, tudo vai delimitado pela perspectiva pessoal de observação e reflexão. E também pela limitação de todo projeto, que se orienta por um sonho (utopia), sem jamais esgotá-lo. Nem poderia ser de outro modo.
Então, aí está.
Começo dos meus tempos em Roma, porque mudaram a minha vida.
Sete anos depois da Segunda Guerra Mundial, em Setembro de 1952, meu pai Joaquin e meu irmão Francisco me despediram no porto de Santos,SP. Vinte e dois dias depois desembarcamos no porto de Nápoles, que ainda não se havia recuperado completamente da última catástrofe bélica.
O “Antoniotto Uso di Mare”, um navio da Linha C (italiana), transportador de bananas da América Central a Europa, fora, ocasionalmente desviado dos seus habituais serviços de carga, para uma viagem da América do Sul (Porto de Santos) à Itália (Nápoles)... que conseguiu realizar em 22 dias!
Finalmente chegávamos à Europa, pelo Mediterrâneo. O navio de segunda linha (ou terceira?), agora se despedia ou se libertava da sua carga de bananas e de gente pouco importante. Na verdade eram famílias migrantes fracassadas no seu sonho de “fare l’America”; comerciantes árabes rechaçados pelas autoridades ultra-marinhas; judeus a caminho de Israel; jovens seminaristas brasileiros (nós)... Todos viemos na terceira classe, somente porque não havia quarta classe. O grupo de seminarista que íamos juntos ao Pio Brasileiro-Roma, logo se integrou muitíssimo bem: gaúchos, catarinenses, curitibanos, paulistas, dois de Sobral CE, do Rio, Bahia, R.G.do Norte... Um “zoológico eclesiástico” bastante interessante e diversificado. Claro, batina e cara piedosa, mas progressivamente libertando-se de muitas amarras sem sentido.
O fato é que a “libertação” acima discretamente mencionada, era recíproca: - dos passageiros entre eles; de todos em relação ao deteriorado navio. Certamente conosco, o Uso di Mare, que o José Rubens Pilar cantava em seus “corridos” gaúchos, para deleite de todos nós, fez a sua última viagem. Vozes não autorizadas disseram que depois de deixar-nos no porto, o levaram direta e imediatamente ao “desmanche”, com a esperança de pelo menos aproveitar algumas de suas partes de ferro e aço.
Num ônibus do Vaticano (daquela frota desativada depois de vários anos de uso transportando crianças nas escolas primarias norte americanas e generosamente deixadas como presente para a Santa Sé), completamos a viagem até a Cidade Eterna. Entramos em Roma pela via Aurélia (não pela Apia Antiga, por onde chegou o prisioneiro Paulo de Tardo, quase dois mil anos antes). O Apóstolo dos Gentios ficou numa prisão domiciliar. Nós no Colégio Pio Brasileiro (Não estamos comparando, evidentemente. Qualquer semelhança é puramente acidental e não intencional, particularmente porque o Pio Brasileiro foi sempre para nós um lugar muito querido e até nostálgico).
Nos dias seguintes, vivemos a emoção de visitar a Cidade Eterna: o túmulo de Pedro, as Basílicas, as Catacumbas, o Trans-Tevere, Castel Gandolfo, onde o papa Pio XII estava de férias.
O que mais me impactou não foi somente a gloria passada, o magnífico dos edifícios e monumentos...mas o ambiente de universalidade eclesial que se respirava por todo lado – peregrinos falando as mais diversas línguas; colegas de estudo vindos de cada parte do globo; encontro dos católicos do mundo inteiro, em torno da sede romana.
Na universidade, o meu colega da direita (e ele ficou sempre na direita), foi um norte americana que muitíssimo mais tarde chegou a ser o cardeal de Baltimore, sede primacial de USA, D. William Keller.
Entre os colegas dos últimos anos de teologia ou já escrevendo suas teses, tivemos algumas classes juntos com o jovem suíço do colégio Germânico-Hungárico, Hanz Küng... outro menos visível, mas que também passou pelos pórticos da Gregoriana, o alemão, José Ratzinger...
Todos usávamos batinas ou hábito religioso (segundo a ordem, congregação ou instituto) de cada quem. Era um festival de cores, uma vez que as congregações religiosas são geniais para imaginar seus “hábitos” ou uniformes e mais ainda para usá-los em público, sem nenhum complexo. Não menciono a área religiosa feminina, porque naquela época as mulheres não tinham ainda licença para freqüentar a Universidade Gregoriana, absolutamente masculina no que se referia a sues dirigentes, mestres, alunos, servidores e mentalidade comum.
Todas as classes eram dadas em latim, idioma oficial até para os avisos de como encontrar o WC (grave problema para alguns recém chegados e ainda não fluentes no mencionado idioma sagrado... passaram momentos de angústia visceral indescritíveis).
Na Piazza de la Pilota, em frente do edifício imponente na nossa Universidade, dominavam idiomas francos – se podia comunicar em qualquer língua. E assim era. E os fumantes desafogavam sua angústia existencial, depois das longas preleciones dos qualificados mestres, que nem sempre eram entendidos, seja pelo nível superior da sua reflexão, seja porque muitos dos alunos ainda não haviam conquistado a língua oficial.
Nos corredores nos metíamos em colóquios que iam de 4 a 5 idiomas diferentes, e muitos gestos que eram quase iguais nas diferentes partes do mundo (o desastre era quando havia exceções àquela referência que se dava por igual e era diferente noutro pais... e então os gestos de uma língua eram entendidos no seu duplo sentido , particularmente pornográfico.... e o interlocutor se ruborizava (às vezes), ou não entendia, por inocência (não todos).
Hoje diríamos que aquele ambiente era teologicamente conservador e comunitariamente superficial. Naquele tempo achávamos que era normal, numa instituição seminarística (- Que horror!).
Estávamos em contato diário com os cidadãos (“i romani”), pelas ruas e praças, nos ônibus e mercados, mas distantes dos seus problemas e preocupações. Éramos clérigos y clericais, como uma classe humana especial, evidentemente (para nós), muito superior aos demais seres humanos. Disso estávamos seguros, porque com tal mentalidade fomos formados, ou digamos “deformados”.
Apesar de tudo, foi em Roma que ampliei a minha visão eclesial, meus sonhos, meus amores em relação à Igreja e quanto ao entendimento da minha própria missão. Como se vê, tudo é possível! Mas foi um processo longo.
Vou dar um salto para frente, para explicar o que acabo de dizer.
Em fevereiro de 1956, dia 25, fui ordenado presbítero, na Basílica de São Paulo “fora dos muros”. Pedi a Deus, como presente de ordenação: 1º) Seguir o exemplo do homem de Tarso, até os confins da terra, criando e animando comunidades. (Depois de mais de meio século, posso dizer que o primeiro pedido foi “granted”, que dizer “outorgado”. Bem, o termo é inglês, mas a verdade é minha: - Obrigado Senhor”).
2º) Anunciar sempre a Mensagem de Deus, sem complicação, de maneira que todo mundo pudesse não somente entender, mas também entusiasmar-se por ela: - Outorgada também.
3º) Perseverar na fé e na Igreja, apesar das minhas limitações, infidelidades e falhas previsíveis e não previsíveis, ir até o fim (O que até agora está comprovado, seja em relação à existência de falhas minhas, como sobre a graça de não desistir da missão. Eu o reconheço: é uma pura gratuidade da parte de Deus.
Até Junho de 1956 concluí a minha Licença em Teologia, na Universidade Gregoriana; e na Universidade “Pro Deo”, em ciências da opinião pública, juntamente com o Gilberto de Santa Catarina e outros corajosos. Completei um curso longo de treinamento em Bruxelas, com a metodologia de Jose Cardjn e outro com a de Ricardo Lombardi, em Rocca di Papa, na área “dei Castelli”, periferia de Roma.
Rodei toda a Europa ocidental, viajando de carona e sendo “cara dura”, junto com o Pe. Julio Giordani e em parte com o Pe. Pedro Terra, um mineiro que dominava muito bem o alemão (falo da língua). Esse tipo de viagem tem surpresas de todo tipo e foi dose suficiente para não mais fazê-lo pelo resto da minha vida, embora tenha sido altamente útil para o exercício das línguas e relações humanas em diferentes culturas... sem falar da experiência de pobreza, insegurança, dieta alimentar mínima e de lavar diariamente a própria roupa (só uma muda).
Fiquei até o ano seguinte, para completar a experiência com a equipe do Mundo Melhor debaixo da orientação direta do mesmo Pe. Lombardi, Pe. Rotondi, D. Casali y “companía bella”, como se diz em italiano.
É necessário sublinhar que era antes do Vaticano II. Tempos do Papa Pio XII e do considerável impacto causado, em muitas partes da igreja Católica, pelo Movimento por um Mundo Melhor (MMM). Este assumia a divulgação e aplicação das duas importantes convocações que o Pontífice havia feito: a primeira para uma renovação radical e ampla da diocese de Roma ( 10 de Fevereiro de 1952) e a segunda, a 15 de Outubro do mesmo ano (que escutei diretamente pela radio, reunido com os colegas no salão de estudo do Pio Brasileiro... porque ainda não era o caso da TV), estendendo a todo o mundo a mensagem profética de Fevereiro (Que o Papa tinha decidido fazer, sem esperar pela minha chegada a Roma!): “Como num dia já distante, dizia o Papa, aceitamos a pesada cruz do pontificado, aceitamos agora ser arautos de um mundo novo e melhor, quer dizer, segundo o coração de Deus... mundo que deve ser transformado de selvagem em humano, de humano em divino”.
# Nesse tempo vivíamos o ingênuo sonho de que a Instituição eclesiástica (Vaticano y companhía, como dizem os romanos, ia renovar-se de cima para baixo, sendo para tal suficiente uma convocação papal.
Lentamente, retificamos a nossa compreensão do aparato eclesiástico católico. Depois de múltiplas experiências, não todas bem sucedidas, aprendemos que é difícil avançar partindo dos últimos, contando com gente que não tem poder eclesiástico, embora esse seja o caminho seguido por Jesus e portanto o mais efetivo, permanente e libertador. Mas já se trata de outro tema, que oportunamente consideraremos.
Desde o meu primeiro ano na Europa (1952), estive nas magníficas e proféticas conferências do Pe. Ricardo Lombardi sj. Participei também dos cursos chamados Exercitazioni e dos projetos do referido MMM.
Fui convidado a ser da equipe central do mesmo Movimento. O plano inicial era que eu ficasse em Roma, depois de terminar o tempo de estudos na Gregoriana.
Usando do prestígio que gozava junto ao Papa, o mesmo P.Lombardi conseguiu que a Sedretaria de Estado escrevesse ao meu bispo, então D. Henrique Golland Grindad OFM. Estava-se pedindo (que é a linguagem curial que significava “se estava requisitando o jovem (então) sacerdote José Marins, para, em Roma, fazer parte da Equipe Internacional do mencionado Movimento “per um mondo migliore”.
O bispo de Botucatu negociou valentemente. Noutras palavras, diplomaticamente “desobedeceu” ao Vaticano (certamente foi a primeira e última vez que o fez, mas da qual parece que nunca se arrependeu, nem pediu perdão). - “O bom padre, disse D. Henrique, venha à sua diocese fazer experiência pastoral de base, pelo menos por três ano. Isso o ajudará no exercício do seu futuro ministério, onde a Igreja lhe confiar. Então, depois de um período e a pedido do mesmo, poderá prestar um serviço eclesial mais amplo, em nome e com a colaboração da sua Igreja de origem”. (Obrigado D. Henrique, seja pelo adjetivo de “bom” padre, como por essa sábia e providencial orientação de um tempo de trabalho de base).
Então a volta ao Brasil, foi mesmo importante. Entre outros valores:
Pude viver a experiência do presbitério, quer dizer, do conjunto dos presbíteros que formam, com o bispo, a instância de animação, aprofundamento, coordenação da vida cristã de uma Igreja Particular ou diocese .
Saí do ambiente dos estudos sistemáticos de uma Universidade, para aprender, de maneira não sistemática (Por certo, ainda continuo aprendendo).
Vivi a situação de enfrentar-se com os meus erros (O que a um seminarista – daquele tempo - parecia ser impossível acontecer, dado que se tratava de um “escolhido” de Deus, consagrado pelo Espírito e etc. (!).
Tive a graça e a oportunidade de ser mais realista em relação às instâncias da Igreja como instituição histórica: e ainda mais, de reconhecer, avaliar e assumir minhas abundantes limitações, principalmente as que não haviam aparecido claramente nos tempos de estudante. Porque então nos envolvia um estilo de vida definido e mantido para cada um dos diferentes momentos do dia – desde o despertar-se pela manhã até o último exame de consciência do dia, antes de dormir: tempos de oração, espaços de estudo mantidos a qualquer preço, segurança de ter sempre uma comida boa, servida na hora certa; férias, colegas piedosos e em geral, gente boa e bem intencionada. Era um ambiente sadio, bastante piedoso e despreocupado em relação aos problemas que afetam qualquer jovem e os contemporâneos, tanto no nível familiar, como econômico, político, cultural.
Como a decisão foi de voltar ao Brasil... outra vez embarquei na terceira classe , mas agora num navio bem maior, da mesma companhia C, o Augustus. Novamente, convivência com emigrantes judeus, árabes, italianos, um considerável grupo de religiosos despachados pelos superiores, para os territórios missionários... o mais longe possível da Europa.
Foi assim, que depois de alguns dias de convivência com aquela “nata” e “reforço” do contingente missionário, se podia entender porque os respectivos chefes estiveram “melhorando e purificando” as estruturas europeias das suas congregações... Claro que também passou pela minha cabeça que outros observadores mais perspicazes, chegariam a idênticas conclusões a meu respeito. Eu também começava a me perguntar: - Quem estaria contente com a minha volta ao Brasil? - Certamente a minha família. Quem sabe, mais ainda, os meus superiores e colegas de Roma. Até hoje isso continua sendo um mistério a ser devidamente desvendado.
Bem já que mencionei a minha família... Devo dizer que o meu pai brasileiro pelo menos por 7 gerações, se chamava Joaquim. Não tinha uma profissão definida. Veio da zona rural, plantou lavouras, foi vaqueiro, foi buscar boiadas em Mato Grosso. Veio comerciar na cidade mais referencial da região, Botucatu, para que os filhos pudessem estudar e ter um diploma. Isabel, minha mãe, nascida no Brasil, era filha de emigrantes italianos do Vêneto (Norte da Italia... com cidades célebres como Venezia, Pádova, Treviso...)
O meu irmão Francisco e sua família em vários momentos ajudaram a financiar meus estudos, também a minha irmã Amelia e o cunhado Nésio. A Maria Aparecida e o Zilo me acompanharam em muitos outros momentos.
Cursei 8 anos os cursos primário e secundário numa escola pública e nesse caso, bastante conceituada. Antes porém de passar para os níveis superiores (pré-universitário em preparação para uma faculdade específica), surpreendi a minha família dizendo que desejava entrar no seminário. Nunca antes havia pensado em ser sacerdote, até que o Padre Jose Melhado (já sei que os “José” são sempre especiais... Muito obrigado), me perguntou à queima roupa- “Nunca pensou em ser padre, como eu?”
- Não, respondi logo, nem pensei em ser padre e menos ainda como o sr! (Acho que foi um dos poucos atos de humildade que fiz na minha vida, pois ele era muito bem conceituado como homem santo, inteligente e grande orador).
Naquele momento a proposta não me interessou, até me deu medo. Mas a perguntou ficou dando voltas na minha cabeça e coração. Quando mais tarde, já com a decisão tomada, o comentei na minha casa, quase se mataram de tanto rir. Apostaram entre eles quantos dias eu agüentaria no seminários, ou melhor, quanto tempo o seminário agüentaria a mim.
O meu tempo do seminário menor e os anos de filosofia não foram nada extraordinários. Ao contrario, vivi no meio de uma piedosa mediocridade (de orientadores, de companheiros e de mim mesmo). A grande graça foi o meu bispo que me ajudou poderosamente com seu testemunho de vida, sua prudência e apoio. Creio que a esse homem de Deus, D. Henrique Trindade OFM, foi muitas vezes aplaudido com entusiasmo, por Jesus e o Espírito.
Os longos dias de navegação na viagem de volta ao Brasil, serviu-me para, tomando distância, avaliar o meu tempo de formação:
- Roma, para mim foi a grande oportunidade da minha vida, ou a paixão transformadora. O que me transformou não foi a Universidade, nem os estudos que me ofereceu... estávamos antes do Vaticano II (fui um aluno medíocre fruto de um ambiente atrasado e conservador).
E então, um único homem foi suficiente para mudar tudo – o Pe.Ricardo Lombardi sj..
Com efeito, ele, a) transmitiu-me um sonho apaixonante de Igreja e do ministério ao qual dediquei a minha vida:
Proporcionou-me uma síntese teológica, espiritual que configurou o meu quadro de referência fundamental. Com isso me ajudou a integrar os diferentes estudos e experiências;
Aprendi a falar de maneira lógica, clara e capaz de despertar interesse, desafiando a inteligência das pessoas, movendo-as a fazer opções decisivas nas suas vidas;
Esforcei-me para respeitar a toda e qualquer pessoa que entrasse na minha vida;
Treinei-me considerar pontos de vista diferentes do meu e até mudar de opinião (muitas vezes, não sempre, é claro);
A experiência de conviver com Lombardi foi como a dos antigos discípulos ao redor de seus grandes mestres. Foi um amor imenso pela missão da Igreja, e pela parte que eu teria nela, por pura misericórdia de Deus (2Cor 4,1).
Fui descobrindo:
-- que um pouco de humor, faz digerir os conceitos áridos, torna mais aceitáveis opiniões não tão simpáticas.... um humor que não leva a rir-se dos demais, mas da gente mesma (para alívio de todos);
-- que as tensões e urgências, as complicações e enigmas, decepções também... devem por em andamento uma atitude de constante esperança e de confiança na Providência de Deus (“Dilligentibus Dem, omnia cooperantur in bonum”, Ro 8,28 – Em tradução livre, diria: “Quando a gente quer de verdade a Deus, tudo acaba dando certo” (Obrigado!)
-- que há uma multidão de gente do nosso lado, que são os nossos santos e santas, daqui e de lá (mais estes do que aqueles). Um constante diálogo com alguns deles abre horizontes e propicia ajudas oportunas, principalmente porque lá na “glória perpetua” não têm agendas muito cheias e podem até “distrair-se” dando-nos uma ajudazinha . Procurei valer-me de santos não muito procurados como Expedito, Antônio, Judas...
-- que muitos, que nem são do nosso grêmio (não se trata da equipe futebolística do Rio Grande do Sul, mas sim da Igreja), que até fazem milagres, embora usem outro nome para tais feitos (no Evangelho de Marcos 9,40 há até uma história a esse propósito)
-- que Deus, de muitas maneiras, em tantas oportunidades, continua nos surpreendendo, como Jeremias 20,7-9 o anotou : “Me atraíste... deixei-me atrair...”

Ao terminar o meu tempo na Europa eu tinha claro onde e em que queria gastar a minha vida. Não seria para conservar o passado (outros o fariam), estava comprometido com o futuro, com uma Igreja comunidade, missionária e servidora a partir de todos seus membros, de coração e missão inclusiva a toda a humanidade. Esse futuro que para mim já havia começado.
Hoje, mais de meio século depois, reconheço e dou graças a Deus: - Não perdi aquele entusiasmo inicial, ao contrário, ele foi crescendo e se tornando mais profundo e definitivo. Claro, que ao longo da vida fui desenvolvendo muita coisa que tinha em semente, as vezes tive que corrigir perspectivas ou desenvolver o que ainda não tivera oportunidade de fazê-lo.
# # #
Depois de uma semana de estar com meus pais e irmãs, recebi a nomeação de, juntamente com o padre Domingos Trivi, italiano de Roma e missionário na minha diocese... (- Quem se livra dos romanos?!) ser responsável pela paróquia de Ourinhos, SP. (Que hoje é sede de diocese, não por minha culpa, isso é certo).
Parti, naquela mesma tarde, aproveitando de um espaço no carro de alguns primos, que viajavam para o norte do Paraná e cujo caminho passaria pela minha primeira paróquia.
Sem descer do carro, deixaram-me no portão de entrada da casa paroquial, ainda ocupada pela família do antigo pároco. Ele estava fora da cidade. Sua velha mãe me atendeu, sem muito entusiasmo. Não houve água para banhar-me, nem o meu quarto estava preparado .
Passados de alguns dias de desorientação e totalmente desubicado na residência, chegou o meu colega o Pe. Domingos Trivi. Num momento em que não estávamos na casa, o antigo pároco mandou buscar a mãe com a mudança e nunca mais os vimos. Foram para o norte do Parana.
O trabalho mais significativo em Ourinhos, foi para mim com os jovens e homens da Congregação Mariana. Chegaram a ser 400, reunindo-se semanalmente em grupos menores, para rezar, orientar suas vidas. Entre eles, quase 200 fizeram parte dos Oasis, ou grupos que comungavam todos os dias.
Depois de um ano o Bispo transferiu-me para a catedral da diocese.
Dei aulas no seminário menor (inglês) e de teologia no Instituto de Educação da cidade e no colégio das religiosas Marcelinas. Comecei a realizar com os leigos (homens, mulheres) as “ezercitazzioni” do Mundo Melhor, com bastante sucesso (Pelo menos na minha opinião).
O fim desse período coincidiu com um retiro para bispos e sacerdotes, orientado pelo mesmo Pe. Lombardi, que veio ao Brasil. Foi em Barueri, na grande São Paulo. E o pedido para os meus serviços na equipe mundial do MMM foi renovado. Então Dom Henrique declarou que a Arquidiocese (sim, já havíamos sido promovidos a Arquidiocese e ele a Arcebispo) de Botucatu, mesmo com escassez numérica de sacerdotes (éramos cerca de 40 diocesanos, para 400 mil católicos em 13 mil quilômetros quadrados), enviava ao P. José Marins (Eu, para ficar claro), para servir à Igreja Universal, sob a responsabilidade do MMM. Textualmente se disse também, que “era para reparar os danos que o bispo cismático de Maura, havia provocado no seio da comunidade católica, com o seu sisma”
Quando o papa João XXIII publicou o documento “Fidei Donum” (“O dom da fé”), pedindo às Igrejas enviar sacerdotes diocesanos à América Latina, o meu Arcebispo não perdeu a oportunidade e justificou o meu envio, naquela perspectiva, com diferenças importantes:
- Os da Fidei Donum eram enviados pela Europa à América Latina, por um período de alguns anos. Eu fui enviado pela América Latina ao resto do mundo, sem especificação de tempo... (Agora me parece um tanto “altiloqüente”,como as vezes são meus compatriotas!)
Anos mais tarde, já com maior “rodagem” eclesiástica, comecei a repetir a famosa pergunta mexicana: - - “En que quedamos?” ( - E daí?) . Isso porque ficou sempre em mim a dúvida se a decisão do meu superior tinha representado um real compromisso da diocese, uma vez que ao enviar alguém oficialmente em nome dela, representaria consequentemente um engajamento efetivo da mesma? Enviar em missão é viagem de efeito duplo – ir e voltar!. O missionário comparte e recebe, leva e traz de volta o que aprendeu. O Espírito Santo não trabalha só na diocese que envia, mas também na que recebe o missionário. Com todos estes anos aprendi finalmente que o mais difícil da missão não é o envio, mas a volta. Esta não se faz uma única vez, no fim de tudo... mas vai acontecendo vida à fora.
Nos últimos meses do ano de 1959, voltei a Roma para um Cenáculo de seis meses de treinamento em Rocca di Papa, perto de Castel Gandolfo, periferia de Roma, no rumo das Colinas de Albano. Éramos companheiros de todas partes do mundo. Dalí saiu a primeira equipe brasileira do MMM.
No ano seguinte fiz equipe com o Pe. Lombardi para dar um retiro ao episcopado brasileiro, reunido por ocasião do Congresso Eucarístico Nacional em Curitiba.
Nos seguintes 10 anos , demos cerca de mil cursos, em quase todas as dioceses do pais e para as congregações dos mais diversos nomes
A partir de 1962 comecei a fazer parte da equipe nacional da CNBB, como encarregado do clero (Linha 1). Acompanhei de perto a iniciativa original do Nordeste brasileiro, com ponto de animação e criatividade em Natal, Rn. Isso me ajudou extraordinariamente a aproximar-medas áreas mais pobres do pais e a ver como um clero trabalhando unido entre si e com os leigos, faz milagres. A falta de recursos – estradas precárias, infra-estruturas deficientes, pobreza generalizada, jamais impediu o chamado Movimento de Natal, de desenvolver uma ação pastoral inteligente e perseverante, com escolas radiofônicas, formação de líderes rurais e urbanos.
De modo particular, tocou-me sempre, como aquele clero vivia seu ministério em circunstâncias tão exigentes, com alegria e constante bom humor, numa dedicação exemplar, unido ao seu bispo D. Eugenio Sales.
Por causa desse extraordinário testemunho, entendi que o amor à Igreja acontece efetivamente no nível da Igreja local. Senão é pura fantasia.
Então, escolheram para papa um velho cardial, gordo e feio. O conclave, claro está, não é precisamente um concurso de beleza masculina e clerical, menos ainda teste de inteligência coletiva.
Os grandes admiradores de Pio XII, o Pastor Angélico, recebemos o novo pontífice, primeiro com certa resignação, depois com muitas perguntas e finalmente com uma enorme surpresa positiva, que continua até hoje. Ao João XXIII ocorreu convocar um Concílio Ecumênico, como se não faltasse mais, chamou como assessores a muitos teólogos que haviam sido duramente censurados ou punidos em anos anteriores em matéria de ortodoxia, como Congar, Danielou, Chenue, Schillebeeckx.
Acompanhei os bispos do Brasil a três sessões do Vaticano II, com a consigna de, junto com eles e outros assessores, começar a pensar no após-concílio. Nisso estiveram ativos: Manuel Larrain (só na primeira sessão); Helder Câmara, Ramón Bogarin, Marcos McGrath, Leonidas Proaño, Luis Fernandes, Eduardo Pirônio, Antonio Batista Fragoso, Benitez, Aloysio Lorscheiter, Devoto...
A partir de 1966, o MMM ficou debaixo da coordenação e responsabilidade da Companhia de Jesus. Desliguei-me, não em protesto, senão porque o post-concílio ia ser outra etapa na minha vida.
Em 1968 fui convocado à Assembleia Geral de Medellín. Em todos os participantes se sentia ainda o entusiasmo pelo rumo que a nossa Igreja havia assumido no Vaticano II. Os convidados de outras tradições cristãs, participaram de todas as discussões, das nossas preocupações, decisões e festas... também o Cardeal Samoré e a presidência da Assembleia acolheu-os na mesa Eucarística, depois de uma carta que todos eles assinaram, pedindo para fazer parte completa daquela comunhão que o Espírito de Deus havia inspirado à nossa Igreja.
O cardeal Landazuri, de Lima, assessorado pelo seu teólogo, P.Gustavo Gutierrez; D. Eugenio Sales; D. Marcos Mc Grath; D. Pirônio... fizeram importantes apresentações.
Eu trabalhei como assessor, junto com o P. Viganó, geral dos salesianos,com o P. Gustavo Gutierrez, e tantos outros que já havíamos estado acompanhando nossos bispos em Roma, durante as sessões do Vaticano II.
Seria então agora a ocasião de mencionar que por vários anos fui professor convidado, ao Instituto de Pastoral do CELAM, em Quito, e depois em Medellín para onde se havia transferido e no de Catequese em Manisales (Colombia).
No CELAM (Conselho Episcopal Latino Americano) estive como secretario geral adjunto do Bispo Eduardo Pirônio, que chegou a ser presidente do mesmo CELAM e depois Cardeal responsável de importantes congregações romanas (Religiosos, leigos), onde rapidamente se santificou , com processo de canonização em andamento.
Fiz parte da equipe de teólogos do mesmo CELAM, por 10 anos (enquanto durou).
Em Julho 1971 realizou-se em Medellín, curso de um mês só para bispos. Edgard Beltran, como Secretario Ejecutivo del Departamento, de Past. de Conjunto del Celam, ha sido el organizador del curso . Cada uno de esos obispos de la foto (sigue abajo la foto de la colección particular del mismo Edgard Beltran) ha sido clave en la vida eclesial posconciliar. Está Zambrado, quien murió en un accidente de aviación...y todo el Comité de obispos del Departamento de Pastoral de Conjunto del Celam. Está Valencia, quien murió en otro accidente de aviación...., hay mártires que dieron su sangre y hay mártires que gastaron su vida en una iglesia conciliar.

Como no CELAM chegavam muitos pedidos de assessoria para implementar Medellín e o Vaticano II, foi-me pedido esse serviço. Entendi que deveria ser feito em equipe e não só de homens. E assim foi: a Ir. Teolide Maria Trevisan, gaucha de St. Maria, das Irmãs do Imaculado Coração de Maria, estava se preparando em Quito, no Instituto de Pastoral Latino Americano, e os superiores a indicaram como candidata para a nossa equipe; também o Pe. Juán Carlos Igártua, basco espanhol, missionário na Venezuela; Pe. Joaquin Martines Córcoles, outro missionário do IEME, trabalhando na Colombia; Pe.Carlos Samaniego, do grupo dos Lazaristasque trabalhava e era do Equador. Partimos para essa ampla missão, com muito carisma e poucos recursos (humanos, econômicos e de infra-estrutura)
# As recomendações que nos deram, da parte do CELAM, foram muito oportunas... para o mesmo CELAM: - Vão com nossas bênçãos. Muito nos alegraremos com os sucessos de vocês. No caso de problemas, terão que buscar as soluções por própria conta. As Igrejas irão ajudá-los económicamente. Da nossa parte não esperem nada disso, porque assim será melhor (- Para quem?)
Pensamos que seria uma pequena gozação (piada). A realidade ensinou-nos que não. (De qualquer modo, obrigado pelo apoio moral)
O nosso primeiro compromisso como equipe foi na cidade de Quito – 12 cursos. A seguir nos deslocamos todos a Lima-Peru, chamados pela Conferencia episcopal daquele pais. Dois membros da equipe viajaram num avião militar (por ser gratuito) – a melhor solução, quando o avião consegue chegar ao seu destino.
Além dos trabalhos em Lima, tivemos uma sessão em Pucalpa, na Região Amazônica, onde o Joaquim e o Juan Carlos tiveram a oportunidade de saborear carne de macaco. Os outros membros da equipe ficaram rezando por eles, pois naquela mesma rota, pouco antes, um avião da mesma companhia aérea se acidentara, deixando uma só sobrevivente, para comprovar que milagres ainda podem acontecer.
No fim, toda a equipe se concentrou em Lima por todo um mês. Residimos no Seminário Santo Toribio. Houve até um curso para bispos do pais (Tempos extraordinários aqueles!).
O trabalho seguinte foi no Chile. La estivemos nos últimos dias do Presidente Allende. O pais sofria por falta de quase tudo; combustível, alimentos, pasta de dente. Dois bispos nos ajudaram a carregar as maletas ao longo de alguns quarteirões, no centro da capital... não havia taxis. (Note-se que um deles, foi depois Cardeal de Santiago, não precisamente por haver ajudado a carregar as minhas malas).
Nossos cursos foram primeiro em Copiapó (norte), depois em Temuco (sul) e finalmente no centro, Santiago. Em Punta de Tralca, um curso só para bispos (Nunca mais aconteceu isso).
A seguinte área, foi a da América Central.
Descemos no aeroporto de Ilopango, São Salvador. Por 4 horas ficamos na sala do Arcebispado, conversando primeiro com Mons. Romero, depois com Mons. Ricardo Urioste, com Mons. Rivera e Damas, com o Arcebispo Mons. Luis Chaves e finalmente dom o padre de Maryknoll, Larry Egan. Depois descobrimos que era porque não sabiam onde colocar-nos. Tinham se esquecido que Mons. Romero nos havia convidado vir ao pais.
Estava claro que não começávamos mal, mas terminamos muito bem. Com efeito, por 40 dias (não por ser um número bíblico) orientamos uma série de cursos, seja em diferentes paróquias, como para sacerdotes e bispos, religiosas, leigos, seminaristas. Cada dia estávamos juntos, em três ocasiões, com o Arcebispo Luis Chaves, com Dom Oscar Romero e Dom Artur Rivera y Damas. Comíamos juntos no pequeno refeitório do seminário São José da Montanha – desjejum, almoço e ceia. Nunca pensaríamos que estávamos convivendo tão de perto com os três maiores bispos da história da Igreja salvadorenha.
Numa das noites livres, Dom Romero, levou-nos no seu carro, ele mesmo dirigindo, ao lugar chamado Planos de Rendeiro, onde se comiam as populares “pupusas” salvadorenhas (tortilha com queijo e feijão e um tempero proprio).
Reservado por sua própria maneira de ser, Dom Romero se transformava em contacto com o povo, principalmente com os mais simples. Naquela noite falamos longamente – a situação do pais, da Igreja... as nuvens negras de tempestade que se estavam formando. As áreas camponesas já não agüentariam por muito tempo a opresssão das minorias privilegiadas, apoiadas pelo capitalismo internacional e nacional. No exército, os soldados eram gente do povo que seriam lançados contra o seu próprio povo. Os novos sacerdotes já formados na linha do Vaticano II e de Medellín, certamente estariam certamente ao lado dos oprimidos. As grandes paróquias, os colégios católicos, muitas religiosas e vários bispos do interior, certamente não.
Hoje me comove recordar que naquela noite estivemos, por varias horas a sós, em colóquios profundos com o grande mártir da América Latina , único santo católico da atualidade reconhecido igualmente pelas outras confissões cristãs e por todas as grandes religiões do mundo, e também pelos que não professam nenhuma Fe religiosa.
Vários sacerdotes e seminaristas desses cursos, assim como muitos leigos, formaram parte das primeiras levas de mártires salvadorenhos.
Ainda neste primeiro serviço prestada à América Central, estivemos em Guatemala, Honduras, Nicaragua , Costa Rica e Panamá.
Então chegou a vez do México. Nosso curso foi organizado primeiro em Monterrey, pelas Irmãs do Serviço Social.
Os jornais locais haviam “preparado” a nossa chegada, anunciando que “agitadores comunistas” vinham criar confusão no seio do pacífico e religioso povo mexicano. E como era de esperar-se, depois de tão “objetiva e acolhedora” declaração, choveram entrevistadores dos principais jornais, radio e televisão. De um momento para outro eu e a minha equipe, éramos personagens nacionais. Logo, porém se surpreenderam e se saturaram com o “piedoso” dos nossos conceitos religiosos (Éramos mais católicos do que o papa e muito marianos). Assim sendo, nas seguintes semanas pudemos trabalhar nas paróquias, sem maiores problemas com a imprensa.
Na capital mexicana pudemos contar com o apoio do cardeal e seus auxiliares, assim como de um considerável número de sacerdotes e religiosas. Até agora não podemos entender como tudo isso foi possível acontecer... tão simples e natural que deixa a gente com enorme surpresa.
O problema econômico existiu sempre. Éramos três, as vezes quatro na equipe, viajando de um lado para outro, só com um pouco de dólares nos bolsos (entre todos não tínhamos mais do que 80 dólares).
Quando já estávamos quase sem dinheiro, o P. Lourenço Egan, Maryknoll, chegou com um cheque de 500 dólares, que um amigo mandava para ajudar a pastoral... E assim nos salvamos para pagar as passagens aéreas pendentes.
Sem que o tivéssemos procurado, Deus nos empurrou aos Estados Unidos. Começamos onde havia maior concentração de migrantes latinos. A nossa equipe inaugurou, com um curso de duas semanas, o Mexican american Cultural Center de San Antonio,Texas.
A partir desse evento, chegaram muitos convites para outras áreas do pais: California, Arizona, Novo México, Flória, Lousiana, Illinois, Minnesota, New York. Por 12 vezes seguidos fomos ao Mission Institute das Irmãs de Maryknoll. Muitas vezes voltamos a Santo Antonio, MACC... nos últimos 35 anos, anualmente temos algum trabalho em várias partes de USA.
Na América Latina, fomos a todos os países, menos as Guianas Francesa e Holandeza.
Venezuela, Equador, Colombia, Peru, Chile, Paraguai, foram logo parte do nosso caminho da roça. Depois a Bolivia, Uruguai e Argentina (por convite de De Nevares, de Devoto, e Angelelli, que foi martirizado antes que pudéssemos chegar até La Rioja (o que o fizemos um ano depois).
O CELAM enviou-nos por quatro vezes para ajudar a preparação dos missionários que se formavam na Europa, para vir a América Latina e Caribe (O documento papal “Fidei Donum”, havia despertado um especial movimento missionário na direção da América Latina... José Comblin... Luis Ceppi… Alwin Naggy… são testemunhas disso ). Por isso, estivemos varias vezes em Madrid; Lovaina; Verona… lógicamente atendendo a missinarios das tres linguas respectivas: español, francés, italiano (Como todos eles também estavam aprendendo novas línguas, não se assustaram tanto com o nosso sotaque e constantes falta de respeito aos seus sagrados idiomas pátrios).
Na década do 80 e por mediação dos Padres Claretianos (em primeiro lugar por iniciativa do querido P. Alberto Rossa, nosso ex-aluno do IPLA, argentino de Córdova), fomos dar cursos em 11 países asiáticos: Filipinas, Indonésia, Singapura, Tailandia, Hong Kong, Macau, India, Coréia, Japão, Sri Lanka, Taiwan.
Nas décadas seguintes voltamos ainda por mais vezes às Filipinas, India, Coréia, Singapure, Hong Kong. Em 2008 fomos novamente e por quase três meses no Extremo Oriente. Dessa vez foi um convite oficialmente assumido pelas conferencias episcopais de 7 países, articulados pela conferencia geral asiática.
Na Australia estivemos 7 vezes. Nova Zelandia, 1 vez.
Com a colaboração do P. alwin Naggy, entramos no mundo alemão –Stuttgard e encontros de CEBs de língua alemã (4 ou 5 vezes).
Pelos mesmos Claretianos, nos reunimos no Congo-Kinshasa, com agentes da pastoral de 5 países africanos, principalmente de língua francesa, para dialogar sobre o tema das CEBs.
A Igreja Anglicana (Inglaterra) chamou-nos 12 vezes seguidas a fim de apresentar o tema das CEBs em diferentes áreas da Inglaterra, Bermiham Escócia, Gales. Acompanhamos processos de paróquias em Liverpool, com o P. Gerry Proctor, assim como em Plymouth (com o pastor John). Ainda aproveitamos a viagem para atender a pedidos na Irlanda, particularmente em Dublin, por 4 vezes; e novamente na Bélgica, Italia e Espanha, sem deixar de lado Portugal, com ajuda da Ir. Ivana Gastaldelli e do P. Tavares.
Estando no Mediterrâneo, uma vez entrar numa peregrinação franciscana à Terra Santa. Noutra oportunidade decidimos gastar duas semanas visitando os roteiros de Paulo e os lugares das primeiras comunidades do Novo Testamento (Turquia e Grecia). Alugamos um carro e comemos cerejas e figos secos em lugar das refeições diárias, para salvar cada dólar que ainda tínhamos. Tanto o contacto com a Terra de Jesus, como com os caminhos de Paulo, muito nos ajudaram no modo de apresentar os nossos cursos e conferências.
O mundo canadense se nos abriu a traves dos Missionários de língua francesa – Missión Étrangere, Montreal-Pont Viau). Logo depois fomos também à área de língua inglesa (Victoria, Toronto, Winnipeg, New Foundland, etc).
Trabalhamos também no Caribe inglês (Bahamas. Antigua, San Vincent, Guyana...); Frances (Guadeloupe, Martinique); e de língua espanhola (Cuba, Santo Domingo, República Dominicana).
A nossa equipe começou com Teolide Maria, Juan Carlos, Joaquin, Samaniego, Depois de um tempo de serviço alguns partiram para seus lugares de origem , mas Deus nos foi mandando outros Gladys (El Salvador), Edwin (Costa Rica) - Carolee (Belise), Philippe (Francia), Gerry (Inglaterra), Daniel (Maryknoll), Balty (USA), Tche Roberto (Argentina), Bruce Miller (USA), Bill Calhoun (negro americano), Maria Eugenia (México). Jose Luis SJ (México)…Participaram na Equipe 30 pessoas em tempos e em momentos distintos,.
Em 1979, fui coordenador da dinâmica da Assembléia de Puebla.
Por convite do CELAM, ajudamos a preparar a assembléia de Santo Domingo, mas não participamos do evento. O mesmo aconteceu em relação a Aparecida. Estivemos em dois encontros preparatórios (Quito e Chicago), mas foi Amerindia que nos convocou para ajudar na assessoria não oficial à Assembléia. Nós o fizemos por internet, por estar em tratamento de saúde em Santo Antonio,Tx, na oportunidade.
ACHO QUE POSSO FALAR DAS SETE GRAÇAS DA MISSÃO
Puedo ahora sintetizar en siete núcleos vitales, el camino que he seguido, las referencias claves de mi vida y servicio eclesial
A META – O objetivo fundamental que se propõe é que dá sentido e força a tudo o que se ama e se quer. O Concílio Vaticano II e Medellin colocaram, naquele momento, palavras mais precisas do que têm sido sempre a minha mística – Viver e comprometer-se por uma Igreja comunidade de Jesus e do seu Espírito; misionária e profética. Primícia e sinal do Reino. Nela todos somos apóstolos. E os apóstolos são amigos entre si. Não somos profetas de desgraças, mas de esperança, revelando o maravilhoso do projeto de Deus manifestado em Jesus, pelo Espírito. Isso nos enche a vida de felicidade e mística, bem como viveram as primeiras comunidades cristãs.
Por isso, se tem que partir logo… ao meio dia poderá ser tarde demais. Mas é importante saber para onde. A meta é decisiva, mesmo que não esteja completamente visível. Muitas vezes se tem que voar por instrumentos porque está escuro.
A MÍSTICA ou ESPIRITUALIDADE – tudo depende do amor mais forte que se tenha na vida. Significa amar o que se faz, para o que se ama.
OS COMPANHEIROS - As amizades são um tesouro. Multiplicam geométricamente os talentos dos amigos. Significam escuta, apreço, espera, comunhão. Os apóstolos ou são amigos ou deixam de ser apóstolos de Cristo.
O MÉTODO – tudo o que fazemos e como o fazemos revela o que amamos e assumimos como prioritário. O esquema é efetivo: ver, julgar, agir, avaliar e celebrar, comunitariamente.
REALISMO – sem deixar-se paralisar ao não encontrar o que se esperava. Não viver se lamentando pelo que não se tem, pelo que falhou... mas agarrar-se com confiança ao que ainda se pode, mesmo que seja pouco. Em muitos casos o caminho se faz ao andar.
CONSTANTEMENTE CONFIRMAR O RUMO. Os fracassos próprios e alheiros, são providenciais, podem abrir portas inesperadas, se sabemos avaliá-los e aprender da vida.
O PEQUENO NÃO É POUCO, É TUDO O QUE GERALMENTE TEMOS. Concentra uma considerável energia (a semente, o fermento, o átomo). “Gente pequena, em lugares pequenos, fazendo coisas pequenas, articuladas, chegam a resultados extraordinários”.
Os pequenos (desconsiderados) são uma bênção de salvação. Com eles se deve cursar a “universidade” de Jesus e fazer o doutorado da comunhão, da esperança, da Fe, da missão... para entender as horas e feitos de Deus.
CULTIVAR O HUMOR. Rir-se de si mesmo (não se crer superior, não se assustar quando de algum ridículo) e não dos outros (Nunca ferir a dignidade de alguém)
A MISSÃO - A ITINERANCIA. Atravessar fronteiras (geográficas, ideológicas, pastorais, religiosas…) descobrir e acolher mundos novos dos quais se deve aproximar sem preconceito e também sem ingenuidade. O gheto ideológico, religioso, termina sendo o inferno de uma cultura, raça ou religião.
PONTO FINAL:
Este alentado escrito foi preparado principalmente pela persistente dedicação da Ir. Teo,durante todo o ano de 2009. Foi quando ela, para cuidar da saúde, ficou fora das viagens missionárias da equipe (Inglaterra, Índia, Sri Lanka, Singapura, Macau, Hong Kong, Coreia, China do sul, México, Argentina, Chile, Paraguai, Bolívia, Rondônia, Belo Horizonte, Caxias do Sul, Nova Palma, Cachoeira...)
A Teo nem sempre viajou, mas animou a nossa missão, escrevendo diariamente a tantos assessores e membros de comunidades, do mundo afora, que através dos anos, continuam ligados conosco.
Dia após dia, mesmo com os inconvenientes das quimoterapias, parte de noites e madrugadas... lá estava ela, na frente do computador – revisando, dando forma ao que havíamos decidido suprimir, modificar ou manter, lutando com numerações e ilustrações. Um trabalho exigente de continua atenção e sensibilidade.
Este empenho alegre e decidido foi também uma terapia. – “Aos que amam... tudo coopera para o bem!” (Rom 8,28). Quando o cansaço e um certo estancamento rondavam a nossa tarefa, ela repetia a pergunta que sempre nos fizemos: - Quem vai poder aproveitar-se do que estamos produzindo? E diante de nós, como numa luz especial sonhávamos com feições de tanta gente querida, nos lugares mais diversos do mundo e quase sem apoio das estruturas e lideranças eclesiais. Eles e elas chegam onde ninguém vai, conscientizam os descartados pelo sistema elitista globalizado, mas que começam a sonhar com um novo mundo possível, do qual decidem ser sujeitos em comunidade.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

10 Pontos sobre CEBs e o socio-político-civil

10 PONTOS SOBRE CEBs e o sócio-político-civil
1. Os seguidores de Jesus, desde que conheceram seu evangelho sabem que o julgamento da historia e de cada um, foi antecipadamente descrito com cores fortes, no evangelho de Mateus 25,36ss – “Eu estava faminto, desnudo...” . Então, a partir disso, ninguém pode ficar indiferente diante do sofrimento de outro ser humano.
2. A dedicação aos necessitados não está condicionada previamente às condições morais dos mesmos. São prioritários, não porque o mereçam, mas porque o amor de Deus e dos que com Deus estão, é gratuito.
3. A dor, a tortura, a morte não são realidades ou instrumentos dos quais um ser humano possa se servir para glorificar a Deus.
4. A comunidade de Jesus, em razão da sua fé e batismo, nunca é indiferente diante dos humilhados, oprimidos, ameaçados, perseguidos, segregados... Esse compromisso muitas vezes começa pelo que é meramente assistência, passando pelo promocional e chegando ao estrutural. Deve enfrentar o monstro de sete cabeças: efeito, causa, estrutura, mediadores, atrações, sistema, ideologia.
5. A presença do mal não é ação de um espírito superior aos humanos, que Deus deixa agir livremente, que tem poderes superiores aos nossos, que é numeroso e está em toda parte, é indestrutível e eterno. O mal é responsabilidade das pessoas. Pode e deve ser superado. Não esta só dentro de cada um, na sua mente, sentimentos, palavras e ações... É também um acontecimento social, comunitário, estrutural. Como existe uma estrutura de graça, ha também o pecado estrutural.
6. Reduzir a fé cristã ao devocional-sacramental é negar a proposta do Reinado de Deus, que não é um premio para depois, mas uma responsabilidade para agora. Tem-se um encontro com o Filho de Deus, cada vez que se passa por perto de uma pessoa que precisa da gente.
7. Nem Deus, nem a Igreja podem querer que alguém seja infeliz agora para poder premiá-lo depois da morte. A fé e a vida estão ligadas e se condicionam reciprocamente já agora.
8. Os seguidores de Jesus, como indivíduos e como comunidade têm a responsabilidade de analisar os sinais dos tempos, iluminando-os com a perspectiva suprema de Deus e comprometendo todas suas energias para sanar a presença destruidora do que se chama pecado e suas consequências.
9. Houve um período em que o compromisso social se reduzia ao econômico e político. Sem descuidar dessas áreas, hoje a preocupação das comunidades eclesiais concentra-se também na área da ecologia, da cidadania e da conscientização, entendida e assumida na perspectiva de Paulo Freire.
10. Não é só inteligência estratégica, mas responsabilidade evangélica identificar aliados do Reino de Deus, mesmo quando as expressões externas deles sejam divergentes da fé cristã e as orações do grupo utilizem nomes ou símbolos oriundos de uma religião determinada. Nem se pode renegar a bandeira certa, só porque está em mãos equivocadas.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

10 pontos sobre as CEBs

10 PONTOS SOBRE AS CEBs.
1. A semente é uma árvore em síntese e promessa. Se a semente de larfanja laranja, não vai produzir mangas. Tudo que sera, já está presente, mesmo que ainda não se desenvolveu completamente. Um embrião é uma pessoa humana em potencia. Já leva no seu ser, tudo o que mais tarde vai ser. A passagem dos anos não muda a sua identidade fundamental: não será uma águia ou leão, mas pessoa humana (Não estamos falando do sentido metafórico). Assim, a CEB já é a Igreja, na sua menor expressão. Ela se define pelo que a Constituição Lumen Gentium diz no seu n.1: é Sacramento de Cristo, como Cristo é sacramento de Deus. E o documento de Medellín: “A CEB é a célula fundamental de estruturação eclesial” (Med 15,10).
2. Pelo negativo, talvez se possa entender melhor. A CEB não é um método, uma ONG, um programa, um movimento, mera comunidade de amigos/as, um grupo de oração, uma célula social de militância política. Poderá apresentar qualquer dessas características, mas não é o seu constitutivo fundamental. Não basta ser comunidade pequena para ser CEB. Tem que ser o primeiro nível da Igreja como tal e não uma área de ação eclesial como seria a catequese, a liturgia, a ação social, etc. A CEB não é uma pastoral da Igreja, nem se reduz a uma das ações pastorais.
3. A base bíblica das CEBs é a mesma da Igreja. Com o específico que elas retomam o modelo eclesial das primeiras comunidades do Novo Testamento (Atos 2,42 e 4,36), com um mínimo de estruturas e máximo de vida. São essencialmente missionarias e se configuram primeiro como Igreja doméstica, formando com as demais CEBs, uma rede de comunidades dentro da Igreja local. Necessitam de um mínimo de autonomia para anunciar a fe em cada realidade e para configurar a uma, santa, católica e apostólica Igreja do Senhor, em diferentes situações culturais e históricas (LG 26)
4. Os elementos essenciais de uma CEBs são, a realidade comunitária, na linha da “koinonia”, quer dizer, no modelo da Trindade: por Jesus, no Espírito, anunciando e vivendo o Reinado de Deus; a fidelidade à Palavra (Sensus Fidelium LG 12, a “totalidade dos fieis não pode equivocar-se”); o culto, o serviço aos mais necessitados, a missão.
5. A participação vital das CEBs se faz pelo sacramento do batismo. Por isso mesmo é uma realidade que transforma completamente a vida de uma pessoa, em membro do Cristo Ressuscitado, Trata-se de uma realidade para sempre. Essa adesão configura cada membro, no Corpo de Cristo, com a responsabilidade de continuar em comunidade, sua missão.
6. O Método usado pelas CEBs é o que foi lançado pela ação católica e completado pela experiência pastoral latino americana: ver, julgar, agir, avaliar, celebrar constantemente e como comunidade.
7. As CEBs, como Igreja são coordenadas pelos ministros ordenados da Igreja Particular, diretamente ou por “missões canônicas” dadas a ministros extraordinários que exerçam essa tarefa de assessorar as comunidades e expressem visivelmente a comunhão católica com os apóstolos e seus sucessores. Os ministros ordenados não são capelães ou meros assessores das CEBs, mas têm a responsabilidade de presidi-las em nome de Cristo, na mesma linha que presidem uma paróquia, em comunhão com o Bispo.
8. Uma CEB não é somente uma Pequena Comunidade Eclesial, nem um grupo pastoral dependendo da livre escolha de cada membro da Igreja. Ao contrario, só é possível ser membro da Igreja, participando vitalmente de uma comunidade visível-missionaria na qual acontece a sacramentalidade do único mediador, Jesus. Na prática, são os movimentos eclesiais como Cursillo, Renovação, Foccolare que formam Pequenas comunidades Eclesiais...A CEB mais do que experiência grupal em pequeno grupo, é de uma expressão da Igreja Sacramento e não um mero carisma na Igreja.
9. As CEBs são diferente da estrutura paroquial, porque expressam outro modelo eclesial (mantendo essencialmente a mesma fé eclesial). São comunidades missionarias, em diáspora, participativas... Já não são um modelo de “cristiandad”, patriarcal, centralizador, clerical...
10.O magistério eclesial, tanto pontifício como episcopal, dedicou muitos documentos para afirmar a importância e oportunidades das CEBs. Concilio LG 1 – Igreja Sacramento: primícia, sinal, acontecimento. LG 26, nela acontece a uma, santa católica, apostólica comunidade de Jesus.
Documentos Papais: Dei Verbum 58; Redemptoris Missio 51; Christifideles laici, 26; Cateqluesi Tradendae, 47; Familiaris Consortio, 85; Ecclesia in Asia, 132; in Africa, 89; in America, 73.
As Assembleias Gerais do Episcopado Latino Americano: Medellin 15,10, Puebla, Santo Domingo, Aparecida se manifestam positivamente sobre as mesmas. “As CEBs não são só o futuro da Igreja. Sem elas a Igreja não terá futuro em muitos lugares” (Episcopado Filipinas).

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

M-D.Chenu tradução e adaptação Marins

M.-D. Chenu, Cosa è stato il Concilio Vaticano II (original do P. Chenu e tradução adaptada do P.Marins)
“Prima la Chiesa faceva dell’immobilità il suo ideale, sotto il nome – un po’ abusivo – di “tradizione”; ora è nel movimento e la prova è che la Costituzione Gaudium et spes, che fu votata, comincia con un’introduzione che mai prima si era fatta nella Chiesa. Questo Concilio è molto nuovo: ha introdotto un’analisi del movimento del mondo. Dice letteralmente: “siamo in un’era nuova” e questa “era nuova” è la provocazione alla mobilitazione della Chiesa. Questa è la rivoluzione che si è fatta! Dunque è ancora attuale, perché il movimento continua: non è ritornare a delle verità eterne, ma trovarle nel mondo. Certo che bisogna avere la continuità, perché la Chiesa viene da Cristo e dagli Apostoli, ma questo è nel movimento stesso. Ora è l’uomo l’oggetto; non è più direttamente Dio. Il cardinale Colombo di Milano, che era un molto conservatore, dice che questo Concilio non è un Concilio di Dio, ma dell’uomo. E il papa attuale [leggi: Giovanni Paolo II] ha detto che l’uomo concreto è la strada della Chiesa. E’ direi quasi il contrario, o almeno complementare, a quello che si diceva prima, l’uomo è il luogo dove la Chiesa […] se stessa, già per il fatto che Dio si è fatto uomo, ora l’uomo è il centro del pensiero cristiano. Questa è la rivoluzione.”
TRADUÇÃO COM ADAPTAÇÃO (Marins)
Nos últimos séculos a Igreja fazia da “imobilidade” o seu ideal, abusando doo título “tradição”.
Agora o que o Vaticano II propõe é exatamente o contrário: “aggiornamento”, “mudar” e Aparecida fala até de deixar as “estruturas caducas”. A Constituição Gaudim et Spes, começa com uma introdução sobre as transformações (movimentos) do mundo. Isto, jamais se tinha feito na Igreja, antes. Introduzir uma análise sobre as mudanças do mundo significou uma importante novidade do Concílio. Afirmou-se literalmente: - Estamos numa nova época! A Igreja está agora desafiada a aceitar transformações dela mesma. É certamente uma revolução em marcha. Não se trata de voltar às verdades eternas, mas de descobrir o que está acontecendo no mundo. Não é um rompimento com a “continuidade”, porque a Igreja continua firmemente ligada a Cristo e aos Apóstolos. Ora, precisamente isto explica a necessidade de mudanças.
Agora se trata de tomar como objeto da visão teológica e do compromisso pastoral, o ser humano e não diretamente a Deus. O Concilio não foi sobre Deus, mas sobre a humanidade. João Paulo II disse, no tempo do seu pontificado, que a pessoa humana concreta é “o caminho” da Igreja. Por isso, acrescentaríamos algo complementar ao que antes se afirmava: “É no ser humano onde a Igreja se configura e comprova sua fidelidade a Deus, dado o fato de Deus ter se encarnado. Por isso o homem/a mulher, são o centro do pensamento cristão. Esta é a revolução fundamental do Vaticano II.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Entrevista á Adital, Janeiro 2012.Brasil

31.01.12 - Brasil
As Comunidades Eclesiais de Base: Entrevista com Pe. José Marins e Ir. Teolide Trevisan










Ermanno Allegri

Diretor da ADITAL

Adital

O que move as Comunidades Eclesiais de Base hoje? Há espaço para o caminhar das CEBs dentro do momento atual da Igreja? São algumas dessas questões que a Irmã Teolide Maria Trevisan e o Padre José Marins tratam nesta entrevista concedida à ADITAL no começo de janeiro.
Na ocasião, os dois participaram das reuniões que discutem o 13º Intereclesial das CEBs, previsto para acontecer em janeiro de 2014, na cidade do Crato, no Estado do Ceará.

Nascida em Santa Maria (RS), Irmã Teolide está há 41 anos se dedicando ao serviço com as CEBs. Já o Padre José Marins, da arquidiocese de Botucatu (SP), atua há mais de 41 anos nas igrejas na América Latina, na Ásia, nos Estados Unidos, na Europa, no trabalho com as Comunidades.

Adital - Como vocês avaliam o momento que a Igreja está vivendo? Há espaço para as CEBs nesse momento?

José Marins - É um momento de crise, mas como toda crise também é um momento de oportunidade. A Igreja está colocada no desafio do Vaticano II, que é o desafio da primeira comunidade cristã: muita coisa que nós tínhamos por certo, nós precisamos revisar; e essa é a grande oportunidade, que ao revisar coisas que foram boas no outro século, nós encontramos uma maneira de ser criativos no nosso tempo. O Espírito Santo está tão vivo hoje como esteve vivo em todas as épocas da Igreja.

Teolide Maria Trevisan- Realmente o caminhar das comunidades disse que elas são uma alternativa para essa revisão e para criar um processo de Igreja onde os leigos são mais sujeitos, não só de participar da vida da Igreja, mas em fundar e dar qualidade à Igreja. Então as CEBs é um espaço, é uma resposta e a Igreja tenta recomeçar a superar essa crise a partir do seu nível de base, do fundamento.

Adital- A Comunidade de Base tem lugar hoje na Igreja?

José Marins – Eu colocaria a pergunta de outro modo: a Igreja Católica tem hoje uma base respeitável e efetiva no mundo contemporâneo ou ela está trabalhando com um nível paroquial, que não é um nível de base? Então, se a Igreja Católica tem oportunidade de estar na história a sua base tem que estar na história, ela é sempre oportuna. A questão fundamental então é outra, é o modelo eclesial. Se a Igreja hoje está desenvolvendo um modelo eclesial que não chega realmente ao povo de hoje, é a dimensão missionária da Igreja que está em desafio e a resposta é que hoje as comunidades estão representando a presença da Igreja naquela área onde a Igreja historicamente não está chegando.

Adital - Quando podemos dizer que numa paróquia ou diocese existem de fato Comunidades Eclesiais de Base, o que é característico delas?

Teolide Maria Trevisan- Eu diria que quando realmente aceita criar essa nova instância, em estar mais dentro da vida e da cotidianidade do povo. É fazer voltar a Igreja ao tamanho do povo. Então essa é uma dimensão. A segunda dimensão é quando ela coloca todo o seu caminhar no espírito das comunidades. Então mesmo as pessoas que não entram numa experiência concreta de comunidade podem estar vivendo aquelas prioridades, aquele modo de entender-se Igreja, de ler a palavra, de estar na vida, de viver a relação de irmãos na fé, de realmente ser corresponsável no caminhar da Igreja. Diria que são estas as grandes linhas que a gente pode colocar para dizer que realmente uma Igreja está nos processos das Comunidades. Então a gente encontra hoje paróquias com comunidades e paróquias de comunidades. Esse "de comunidades” é mais sonho que realidade. Nós temos hoje paróquias que têm algumas comunidades.

José Marins - É mais fácil, às vezes, começar respondendo pelo negativo, o que não é Comunidade de Base: elas não são um método, as CEBs não são um movimento, não é uma organização, não é um projeto, é a própria Igreja que volta ao seu modelo histórico, a sua maneira de estar no mundo. Então é a mesma Igreja, não muda o que é essencial da Igreja, quer dizer, a comunidade, a palavra de Deus, é a parte do culto, o serviço aos mais necessitados e é missionária. Tudo isso em nome da Igreja, e no caso da Comunidade de Base, lá onde a Igreja ordinariamente, sistematicamente, estruturalmente não está chegando hoje.

Adital – Pode-se dizer que a ação de Jesus Cristo começou bem na periferia da humanidade. Nazaré, quando Jesus fez o grande anúncio do Reino, era um povoado de 200, 300 habitantes. Lá no fim do mundo para anunciar a missão do Filho de Deus. Então nesse sentido As CEBs também nasceram na periferia e vivem o processo de ser Igreja?

José Marins - Teologicamente a Igreja, a Comunidade de Base, tem seu ponto de partida no pequeno, no marginal, no distante: a preferência sempre é de Deus. Mas, o seu objetivo, a sua meta, inclui a todos, quer dizer, ninguém está excluído, mesmo que o ponto de partida seja com os pequenos e os humildes. Na proposta bíblica, o maior anúncio da história humana Jesus veio fazê-lo em Nazaré. Lucas, no capítulo 4, versículo 16 a 22, diz que ele esteve com João Batista e quando João Batista foi eliminado, Jesus vem para a Galiléia e da Galiléia vem a Nazaré, um povoado não importante, que não aparecia nos livros da Bíblia, só depois de Jesus. Então Jesus faz esse anúncio que é a proclamação do Reino. Esse é o ponto de partida. Mas essa proclamação ela é universal, ela parte do pequeno, mas se abre e não exclui a ninguém.

Adital – Fala-se muito que as CEBs são um processo onde nos construímos, como cristãos, como Igreja. O processo é o contrário da igreja parada, que se repete, que é uma rotina. As CEBs têm essa dinâmica dentro de si e dentro das pessoas.

Teolide Maria Trevisan- Eu diria o seguinte: que no caminhar das comunidades, a gente sempre procura colocar a meta. Para que existe a Igreja? A Igreja existe para ajudar as pessoas a encontrar-se com o reinado de Deus. Então esse é um ponto muito novo na vida da Igreja de base, a meta não é constituir uma Igreja linda, bonita, para colocar-se numa vitrine, a meta é ser sujeito corresponsável, como comunidades de Jesus que conhecem e realizam esse reinado de Deus, que é uma proposta para a humanidade.

Esse não é um caminho pré-determinado. Cada passo é um caminhar, é um processo. Muitas vezes dizemos para o povo "a gente sendo e fazendo Igreja”: não somos uma Igreja acabada, para por na vitrine, mas a gente que tem uma meta e vai se constituindo. Toda a essencialidade da Igreja está na proposta, mas na vida da comunidade, ela vai acontecendo progressivamente. Muitas vezes aparece forte o comunitário e o serviço aos pobres e não está tão forte a missão. Muitas vezes, a missão, ou a presença na realidade está clara, está bem definida e a comunidade assumiu, mas a palavra ainda não entrou o suficiente. Outras vezes, a palavra já é assumida, lida e relacionada com a vida, e não está clara a consciência de que nós somos Igreja para o nosso entorno e não só para nós.

Então realmente é o que tu disseste: ela é um caminho para constituir o nível menor da Igreja aí onde o povo se joga a vida, onde ele luta, onde ele sofre, onde ele se alegra, onde ele pode ser sujeito nessa dimensão que estamos falando.

José Marins - Nós usamos três palavras para definir esse caminhar da comunidade: ela é um nível de Igreja, ela é um modelo de Igreja e ela é um processo. Analisando essa última palavra ‘processo’, quer dizer é diferente de um evento. Evento é um acontecimento que praticamente termina com ele mesmo. A Comunidade de Base é formada de eventos que se sucedem formando um processo. Processo tem altos e baixos. Quer dizer, a Comunidade de Base tem limitações, tem falhas e também tem acertos, talvez o grande desafio para quem trabalha com Comunidade de Base é não deixar de fazer avaliações e descobrir aonde a gente está falhando e quando um modelo histórico já tem que ser superado, não confundir um modelo histórico com o fundamental da fé. Dentro desse processo a gente, como as Comunidades de Base, não tem cartilha, mas tem a referência do Evangelho. As CEBs também cometem erros, e avaliando os seus erros, a gente aprende que é a maneira como o povo simples aprende: avaliando os seus próprios erros e corrigindo-os. Por isso, a Comunidade de Base sempre cai, levanta, mas continua.

Teolide Maria Trevisan- Não é uma rampa, mas é uma escada, e eu gostaria de enfatizar essa palavra ‘processo’. Ela cria dificuldade para que a Igreja instituição veja que este grupo pequeno de dez, doze pessoas é a representação primeira, oficial da Igreja no lugar, ainda que não tenha na sua experiência cotidiana tudo que significa ser a Igreja de Jesus. Esse é um ponto muito delicado. Difícil um sacerdote, um bispo acreditar e aceitar que aquele grupo, aquela comunidade pequena representa oficialmente a Igreja naquele bairro, naquela vizinhança. É muito difícil porque ele analisa a Igreja não a partir do conceito que a gente tem de Igreja, mas do nível da paróquia.

José Marins - Talvez aí eu colocaria que representar a Igreja não é levar um documento assinado pela Cúria Episcopal, mas é colocar os valores do Evangelho naquela realidade e naquela circunstância. No momento que coloco os valores de Jesus e do Evangelho, estou representando a Igreja, que representa Jesus.

Adital - Anos atrás, no Brasil havia 80 mil CEBs. Foi um tempo forte em que as comunidades conduziam as lutas populares junto com outras entidades e tinham um discurso de mudança social, de estruturas novas, de superação das injustiças para criar uma sociedade mais fraterna, mais solidária. Hoje, a sociedade cresceu e temos grupos, movimentos e estruturas que trabalham para uma sociedade mais parecida com o Reino de Deus. As CEBs devem ainda estar com os indignados e os lutadores para renovar o mundo ou já passou esse tempo?

José Marins - Eu creio que todas as coisas têm um lado certo e um lado errado e a gente tem que, constantemente, revisar. O que a Comunidade tem que fazer não é substituir uma ONG ou um partido político, mas isso também não é deixar de profeticamente denunciar ou convocar uma mudança daquilo que é injusto. Às vezes a urgência de algo que não está bem, dá a impressão que a comunidade só faz isso. A gente tem que ter o cuidado de dizer: "Ela faz isso, mas não é somente isso”. Nem está substituindo o povo, a cidadania no que eles devem assumir. A Igreja não vai substituir aquilo que o povo, por sua responsabilidade, deve fazer.

Por isso se as Comunidades diminuíram ou aumentaram para nós não é critério. O critério é se elas são autênticas, porque nunca a questão do número vai ser, mesmo para a Igreja, um critério decisivo. Ela é "fermento”, o fermento não tem que ter o mesmo tamanho da massa e o pão não fica melhor porque a gente aumentou o peso do fermento. Então a preocupação nossa é que: onde ela se manifeste seja coerente com os valores fundamentais que orientam a sua vida, e não substitua a sociedade, senão nós voltamos ao método da cristandade, quando a Igreja, politicamente, tentou substituir a sociedade e pôs na cabeça do Papa três coroas.

Teolide Maria Trevisan- Creio que o maior desafio que a gente tem hoje com as comunidades, não só aqui no Brasil, é a gente ser capaz de somar esforços com os diferentes de nós, mas que têm um rumo e uma meta comum. Devemos nos articular com as pastorais especializadas da rua, dos direitos da mulher, do direito à terra, da ecologia, as mais diversas frentes pastorais ou civis, que estão buscando criar uma sociedade distinta, ‘um mundo diferente é possível’. Muitas comunidades resistem a essa articulação, ou dificultam porque num primeiro momento elas foram protagonistas. Quem convocou, quem ajudou o cooperativismo a organizar o povo foram as comunidades, certo? Mas depois apareceram outros sujeitos porque mudou a conjuntura social, política, etc. A Comunidade queria ser a protagonista de tudo.

Outra coisa, a Comunidade em certos lugares encontra resistência da Igreja oficial que põe muitos porquês e não ajuda. Então muitas delas acharam que o papel delas era resistir. Hoje em dia, a gente diz: "Olha, será que o nosso objetivo é resistir ou é preocuparmo-nos com a incidência da comunidade?”. Tem que passar da resistência para ações de incidência. Qual é a diferença que uma CEBs coloca num bairro, numa vizinhança? Não diminui o compromisso social, é o jeito de agir que está mudando porque hoje em dia há muitas forças que estão comprometidas e estão buscando o mesmo que nós sem ter a mesma fé concreta em Jesus.

José Marins - Em qualquer momento quando a Igreja faz uma denúncia, profeticamente ela nunca se deixa envolver pela amargura ou pela agressividade. É como a própria proposta de Jesus, que ao mudar algo que está errado, está criando uma nova experiência, esperança, está abrindo um espaço para que a gente descubra coisas que não havia descoberto antes. De tal maneira que a Igreja não é um grupo de pessoas mal humoradas, que nunca está contente com nada. Ela em função de um projeto muito grande, muito realizador, faz as correções ou as denúncias que são necessárias. Isso não faz com que a Igreja se reduza a um único aspecto da vida humana, ela assume a globalidade.

Não pode se dizer que a Igreja porque disse uma palavra que tem consequências políticas ela só é politicona ou politiqueira. Ela vai também, ao lado disso, falar de oração, ela vai falar de caridade, e de todos os aspectos que no momento histórico tem a maior urgência.

Teolide Maria Trevisan- A gente sente que a comunidade profética lá no bairro ou no lugar onde está, ela cria alternativas. A denúncia com a palavra é entendida e existe, mas o profetismo hoje é quando nós somos gestores de uma alternativa de Igreja, alternativa de mundo e somos capazes de somar esforços com outros.

José Marins – Vamos ver realisticamente a proporção da comunidade. Ela é sempre um grupo pequeno ela não está falando para os EUA, nem para a Rússia, nem para a Indonésia, ela está falando, em primeiro lugar, para o imediato, onde as pessoas se movem.

Adital - Articulando, porém, tantas experiências nós chegamos até a promover, claro, com outras forças sociais, novos projetos políticos na América Latina. O pobre até que recebe os favores sempre é aceito, mas quando o excluído chega com projetos alternativos, aí se impõem ditaduras e repressão que só caem quando os projetos alternativos tenham mais força política. Vocês que conhecem as CEBs de outros países, que panorama podem descrever com relação a essa experiência nova de Igreja?

José Marins - Creio que o Brasil foi o país onde apareceu mais claramente a força do pequeno, talvez pela preparação que Paulo Freire havia criado com o método novo de educação e participação. Além do Brasil não há situações homogêneas. Quase em qualquer país a gente vai encontrar caminhos novos que estão abrindo horizontes. Às vezes nem tem o rótulo da Comunidade de Base. De fato, não interessa o rótulo, interessa o conteúdo. Às vezes não são as comunidades que vão depois receber a gratidão por aquilo que se conseguiu, mas é o povo na sua luta, no seu caminhar. Então há lugares no México onde se fez, por exemplo, a diocese de Monsenhor Ruiz, onde as comunidades haviam trabalhado no nível dos indígenas.

Aí houve um caminhar de Igreja que entrou como a Igreja diocesana que ganhou mais o prestígio de estar bem. Outro lugar como Cidade Gusmán, onde se criou um modelo de alternativa de Igreja, é uma diocese no meio de um México, que é grande. Assim, nós podíamos passar quase cada país mostrando que houve momentos e que houve áreas, se falamos das Comunidades de Base.

Teolide Maria Trevisan- Creio que na maioria dos países as comunidades são pequenos grupos, mas vivos. Por exemplo, em Cajamarca, na Argentina, foram as comunidades que garantiram toda a luta em torno das minas a céu aberto. E lutaram, e lutaram, mas se elas ficassem só e não conseguissem outros sujeitos, elas seriam anuladas, porque são grupos pequenos, não têm recursos econômicos, não têm recursos de comunicação, de locomover-se. Então o que a gente sente hoje é que as Comunidades se comprometem com os desafios da globalização, como a ecologia, mas elas são eficazes só criando um processo conjunto com outras frentes, frentes ecumênicas, frentes religiosas, frentes cívicas.

Acho que na maioria dos países, fora México e Argentina, os grupos de CEBs são poucos. Veja a Nicarágua: lá, o único trabalho é com Arnaldo Zenteno que garante uma abertura e uma inserção da igreja na realidade; as CEBs marcam presença nos problemas de fronteira, como no Haiti, com a Marta Boiocchi. Os companheiros haitianos lutam e realizam o que foi dito no 12º Encontro Intereclesial da CEBs: "Gente pequena, fazendo coisas pequenas, em lugares pequenos, consegue grandes mudanças”. Nós, pessoalmente, acrescentamos: "Gente pequena, em lugares pequenos, ARTICULADOS, esse ‘articulados’ consegue mudanças, sozinhas não, comunidades sozinhas não”.

Adital - Hoje, uma dificuldade que a Igreja tem é encontrar a juventude. Sobretudo falando das Comunidades Eclesiais de Base, o que é que elas podem oferecer aos jovens hoje?

José Marins - Uma primeira aproximação dessa questão deve nos obrigar a perguntar-se se nós não estamos querendo superproteger aos jovens, como às vezes acontece nas famílias de pais superprotetores que não deixam que eles sejam desafiados pelo atual momento histórico. E de fato a Igreja não deve se preocupar sobre o que ela vai dar aos jovens. Para isso tem outras instâncias como a família, a sociedade... A igreja tem que transmitir o valor de uma fé. Então, a grande pergunta é outra: "Um jovem que é batizado e que tem fé, o que ele pode dar à Igreja. Qual o projeto de vida que ele tem que ajuda a colaborar no seguimento de Jesus?” A questão é convidar os jovens no seguimento de Jesus.

Eu repeti nesses dias, no nosso encontro, a história daquele jovem que foi a um grupo de militância política extrema e cada dia falavam pra ele: ‘Você está aqui para pôr em risco a sua vida, mas você vai construir um país diferente, você não vai só substituir os poderosos e sentar no lugar deles, você vai começar um país novo’. Depois ele foi a uma paróquia, porque ele era católico, e ficou com medo, porque aquele grupo anterior era marxista, e lá na paróquia ofereceram pro jovem jogar ping-pong e fazer um passeio no fim de semana no lago pra comer um churrasquinho ao som das ondas.

Se nós reduzimos o contato do jovem a uma superproteção light, nós vamos criar uma geração de medíocres. A Igreja justamente ajuda os jovens, quando ela evita que eles sejam medíocres e possam desafiar a sua capacidade criadora; o seu serviço, nesse momento, é ter uma grande paixão, um grande sonho. Não vamos fazer comunidade de jovens, mas vamos pensar os jovens na Comunidade Eclesial, que são o fermento e a força do espírito criador para essa época.

Teolide Maria Trevisan- Gostaria de transmitir o que nós escutamos em El Salvador, em comunidades de camponeses. Havia alguém que dizia assim: "O que adianta lutar, lutar, contra o que está acontecendo no nosso país, se você não vai desfrutar disso?”. Um camponês respondeu: ”Eu vou lutar até o fim porque eu tenho certeza que um dia El Salvador vai ser diferente”. E com aquela convicção que um dia faria seu povo viver em situações de igualdade, de trabalho para todos. Eu gostaria que a gente pudesse transmitir essa mística, essa espiritualidade de convencimento de que eu sou sujeito não porque vou usufruir disso, mas eu quero colaborar porque sei que isso é uma urgência pro meu país, pro meu mundo, pra minha realidade.

José Marins – Nós, às vezes, estamos muito contaminados pela mentalidade da sociedade de consumo. Só vou investir em energia, em dinheiro, tempo, em algo que me vai retribuir. Essa é uma perspectiva muito personalista, individualista e egoísta. A Igreja é aquela comunidade como o crucificado. Não importa se eu não vejo, mas alguém da minha comunidade, algum seguidor meu vai colocar esta experiência para milhões de outras pessoas. É aquela história do camponês que estava trabalhando, plantando uma árvore, e alguém disse: "Mas isso aí só vai dar frutos daqui a trinta anos, e você já está com sessenta.” Ele disse: "Não importa quem vai colher o fruto, sei que alguém, um dia, irá gozar disso.” Então, se só dá fruto daqui a trinta anos, não posso perder tempo, tenho que plantar logo.

Adital – Teo e Marins, são mais de 40 anos que vocês trabalham com as CEBs. Não estão cansados?

Teolide Maria Trevisan- Olha, algumas vezes a gente cansa não de trabalhar com as CEBs. Nossa rotina de arrumar mala, de chegar lá e não ter água pra tomar banho, ficar uma semana sem lavar roupa, isso acontece com quem se move no mundo pobre, mas nós podemos dizer como no Evangelho de João: nós tocamos com nossas mãos, nos vimos com os nossos olhos, a grandeza de um investimento num povo simples, num povo pobre. Então a gente tem um convencimento tão grande que eu, por exemplo, já tenho 76 anos de idade, fragilizada, vejo que, quando estou com o povo, parece que ele me energiza. Então a gente não cansa. Cansa, muitas vezes, a pressão grande da Igreja, isso sim cansa, e até penso: "Será que eu estou no caminho certo, será que isso vale a pena?”. A gente tem esses momentos de dúvida, mas, até agora, eu não me sentei numa cadeira.

José Marins - Queria dizer que você já fez essa experiência na sua própria vida, é nossa experiência. Nós recebemos muito mais do que aquilo que damos, e esse negócio de cada semana, cada quinze dias estar em um país diferente, numa realidade diferente, para nós tem sido uma constante benção e carinho de Deus, porque a gente encontra tantos valores e tanto entusiasmo que a gente não tem vontade de voltar para trás. Já estou fazendo 56 anos de ordenação, e hoje eu tenho mais entusiasmo do que no dia da minha ordenação. Eu acho que a experiência de encontrar, em cada momento, em cada área, surpresas do reino, nos transformam. Elas podem ter o nome de Lino, de Ermanno, elas estão acontecendo na nossa vida, e a gente, então se sente muito abençoado também pelos desafios e pelas dificuldades, muito mais pela alegria desse trabalho.