sábado, 8 de dezembro de 2012

Teologia do Natal


       A novidade do Natal não é ser a vinda de Deus até nós. Na verdade, Deus já veio. Toda a criação é obra sua. Cada ser e o “mistério” de tudo o que existe, em última análise é manifestação do seu amor. Deus, então, já esteve presente desde sempre nesse fascinante evento da criação. Nunca foi embora, nunca se esqueceu da gente. Nunca faria isso conosco. Por isso, a referência do Natal, mais do que confirmar onde Deus está presente, aqui entre nós.

       Qual é então a originalidade dos Evangelhos de Mateus e de Lucas, compartilhando com os primeiros discípulos e com toda a humanidade a narração natalina? Qual foi a intuição medieval de Francisco de Assis, inventando o chamado presépio?

       O Natal é o evento do próprio Deus, na pessoa do Filho Amado, acontecendo como ser humano, em tudo igual a nos, menos no pecado. Jesus é a única pessoa da Trindade, que uniu ser Deus e ser humano, por experiência assumida para sempre.

       A humanidade e toda a historia humana chegamos à plenitude, no Cristo Jesus, Senhor nosso. Ele continua presente entre aqueles que se reúnem no seu nome (Mt 18,20); em todo o que esta sofrendo (Mt 25,39); no acontecimento missionário (Mt 28,18-20); na Palavra Revelada (Jo 1, 1-34), na Eucaristia (Lc 22,19ss).

       Assim o tempo do Advento não é apenas um convite para a "conversão" dos indivíduos e particularmente dos batizados, um apelo piedoso de renovação espiritual individual e “individualista”.  É sempre a celebração e a tomada de consciência de que o sentido da vida e consequentemente a felicidade: de cada pessoa e da humanidade como conjunto (em toda época e lugar); a missão da Igreja e no exemplo dela, todas as religiões que tenham aparecido ao longo dos tempos,  estão vital e radicalmente ligadas à graça e compromisso de ser plenamente humanas. Comprometendo-se em respeitar e ajudar a cada ser humano, particularmente os mais vulneráveis e sofredores (enfermidades, solidão, velhice, oprimidos, segregações, econômico, sexo, cultura, cor da pele...), optando efetivamente pela causa dos pobres. Abracem a humanidade “qualquer”, não só os que o merecem (!). com a mesma solicitude e confiança do Filho de Deus que se tornou um de nós. Como dizia Agostinho: "No que é essencial, somos absolutamente iguais em dignidade... no que é relativo, como um cargo, um serviço, um diploma... somos diferentes, mas ninguém é inferior a ninguém"

            No final de um ano, não ficamos mais velhos, só teremos mais anos vividos.

É quando nos renovamos no Absoluto, que é permanente e eternamente jovem. O Evangelho é sempre jovem, são as estruturas que ficam velhas.             Ter vida não significa necessariamente viver os dias do calendário. É preciso amar a vida... não nos deixar arrastar por forças negativas.        Neste final de ano, deixemos claro para nos e para o nosso pais, e para o mundo, que o mal não se pode vencer na base da indiferença e da mediocridade, menos ainda pelo ódio e pela violência. Como dizia Gandhi, “olho por olho, dente por dente, só nos darão um mundo de caolhos e banguelas”.  Ou como dizia Paulo I, patriarca primaz da Igreja Ortodoxa Servia: “Se nos vivermos conforme a Lei do Senhor, haverá lugar na terra para todos os povos e culturas. Se nos comportamos como Caim, então ,mesmo se formos somente duas pessoas, acharemos que a terra é pequena demais para outros além de nós mesmos”.

        Enquanto não arrancamos radicalmente a violência da civilização, Cristo ainda está para nascer. O Mal não se detém com outro mal. O terrorismo também é um sintoma. Nasce da desesperação e do fanatismo, do medo e do ódio aos poderosos da terra, da impotência dos que queriam dominar aos povos. Não necessitamos organizar atos terroristas para semear fome e morte nas diferentes partes do mundo. Nos o estamos já fazendo a partir da nossa política injusta e não solidaria. A partir de uma sociedade centrada no ter, no prazer, na prepotência do poder e numa visão de consumismo, que coloca a felicidade nas coisas materiais e cria necessidades mentirosas, para que as pessoas não deixem de colocar suas vidas em torno a ídolos que cedo ou tarde vão devorar seus adoradores, porque todo ídolo exige sacrifícios humanos.

       A melhor maneira de crer no mistério de Deus entre nós não é tratar de entender as explicações dos teólogos ou os dogmas das Igrejas (que continuam válidos), senão continuar os passos de Jesus, que viveu como Filho querido de um Deus Pai e que, movido pelo Espírito, se dedicou a fazer um mundo melhor para todos. Deus Pai é amor que se dá. Jesus, amor que acolhe e devolve multiplicando. O Espírito Santo é amor desbordante. A festa do Natal não é ponto de chegada, mas de partida.

 

                     Jose Ferrari Marins

                           Teolide Maria Trevisan

Maximo Trevisan. De Mãos cheias


O sofrimento, a dor persistente no corpo e na alma, a angústia que insiste em ficar, a solidão como companheira de muitas horas, a consciência da própria fragilidade, a sensação de impotência diante da incerteza e da insegurança em novos caminhos, quando isso acontece, as mãos, até ontem carregadas de sonhos e de obras, parecem deixar escorrer por entre os dedos o que de melhor cada um guarda da v ida.

Noutro dia, ao visitar uma querida amiga no hospital, não resisti em dizer-lhe na despedida: “Você está de mãos cheias pelo que sonhou e fez no mundo. Não se esqueça disso!” Repeti o mesmo gesto, noutra ocasião, para outra mulher que admiro muito por sua luta em favor de um mundo melhor, mais solidário, mais humano. A doença, quando prolongada, traz tantas interrogações sem respostas e faz o olhar ver mãos se esvaziando aos poucos, outrora tão cheias de utopias e de inspiração para muitas caminhadas.

Não é justo, penso, que homens e mulheres que andaram pelo mundo semeando idéias, sentimentos e valores e tentaram concretizar sonhos, enriquecendo cada manhã e cada entardecer, ante o peso da doença e da dor, deixem-se abater pelo desânimo. Não é justo que sejam tomados pela consciência e pelo sentimento do “não valeu a pena”, uma sensação de colheita não colhida, apesar de tantas sementes entregues à terra e aos corações humanos.

Ao olhar a amiga no hospital, disse-lhe, com ternura e admiração, que suas mãos estão cheias por sua luta política, por seu testemunho de apostar num mundo mais justo e saudável. Senti necessidade de dizer aos seus ouvidos machucados pelo sofrimento e pelo desafio da sobrevivência, o quanto a admirava como mulher, pelo que fizera no mundo e pelo mundo.

Há tantos e tantos ainda entregues ao sonho e à missão de mudar uma realidade em escolas, hospitais, creches, orfanatos, bairros de periferia, entidades sociais, praticando a generosidade dos que não buscam nem um muito obrigado. Há tantos heróis anônimos, há tantos operários na grande messe do bem, trabalhadores desconhecidos que ajudam a construir o bom, o belo, o justo, o humano.

Saí do hospital, pensando no que dissera à amiga tão frágil, ontem tão cheia de vigor. Desejei

que a dor nunca conseguisse esvaziar as suas mãos. Gostaria de repetir essas palavras aos que são lançados à solidão, à falta de uma palavra amiga, de um aperto de mão, de um olhar de ternura e agradecimento: “Vocês estão de mãos cheias, não se esqueçam disso!”, mesmo diante da dor e da injustiça

 

Oscar Niemeyer visto por Leonardo Boff


          Não tive muitos encontros com Oscar  Niemeyer. Mas os que tive foram longos e densos. Que falaria um arquiteto com um teólogo senão sobre Deus, sobre religião, sobre a injustiça dos pobres e sobre o sentido da vida?

         Nas nossas conversas, sentia alguém com uma profunda saudade de Deus. Invejava-me que, me tendo por inteligente (na opinião dele) ainda assim acreditava em Deus, coisa que ele não conseguia. Mas eu o tranquilizava ao dizer: o importante não é crer ou não crer em Deus. Mas viver com ética, amor, solidariedade e compaixão pelos que mais sofrem. Pois, na tarde da vida, o que conta mesmo são tais coisas. E nesse ponto ele estava muito bem colocado. Seu olhar se perdia ao longe, com leve brilho.

Impressionou-se sobremaneira, certa feita, quando lhe disse a frase de um teólogo medieval: “Se Deus existe como as coisas existem, então Deus não existe”. E ele retrucou: “mas que significa isso?” Eu respondi:  “Deus não é um objeto que pode ser encontrado por ai; se assim fosse, ele seria uma parte do mundo e não Deus”. Mas então, perguntou ele: “que raio é esse  Deus?” E eu, quase sussurrando, disse-lhe: “É uma espécie de Energia poderosa e amorosa que cria as condições para que as coisas possam existir; é mais ou menos como o olho: ele vê tudo mas não pode ver a si mesmo; ou como o pensamento: a força pela qual o pensamento pensa, não pode ser pensada”. E ele ficou pensativo. Mas continuou: “a teologia cristã diz isso?” Eu respondi: “diz mas tem vergonha de dizê-lo, porque então deveria antes calar que falar; e vive falando, especialmente os Papas”. Mas consolei-o com uma frase atribuída a Jorge Luis Borges, o grande argentino:”A teologia é uma ciência curiosa: nela tudo é verdadeiro, porque tudo é inventado”.  Achou muita graça.  Mais graça achou com uma bela trouvaille  de um gari do Rio, o famoso “Gari Sorriso: “Deus é o vento e a lua; é a dinâmica do crescer; é aplaudir quem sobe e aparar quem desce”. Desconfio que Oscar não teria dificuldade de aceitar esse Deus tão humano e tão próximo a nós.

         Mas sorriu com suavidade. E eu aproveitei para dizer: “Não é a mesma coisa com sua arquitetura? Nela tudo é bonito e simples, não porque é racional mas porque tudo é inventado e fruto da imaginação”. Nisso ele concordou adiantando que na arquitetura se inspira mais lendo poesia, romance e ficção do que se entregando a elucubrações  intelectuais. E eu ponderei: “na religião é mais ou menos a mesma coisa: a grandeza da religião é a fantasia, a capacidade utópica de projetar reinos de justiça e céus de felicidade. E grande pensadores modernos da religião como Bloch, Goldman, Durkheim, Rubem Alves e outros não dizem outra coisa: o nosso equívoco foi colocar a religião na razão quando o seu nicho natural se encontra no imaginário e no princípio esperança. Ai ela mostra a sua verdade. E nos pode inspirar um sentido de vida.”

         Para mim a grandeza de Oscar Niemeyer não reside apenas na sua genialidade, reconhecida e louvada no mundo inteiro. Mas na sua concepção da vida e da profundidade de seu comunismo. Para ele “a vida é um sopro”, leve e passageiro. Mas um sopro vivido com plena inteireza. Antes de mais nada, a vida para ele não era puro desfrute, mas criatividade e trabalho. Trabalhou até o fim, como Picazzo, produzindo mais de 600 obras. Mas como era inteiro, cultivava as artes, a literatura e as ciências. Ultimamente se pôs a estudar cosmologia  e física quântica. Enchia-se de admiração e de espanto diante da grandeur do universo.

         Mas mais que tudo cultivou a amizade, a solidariedade e a benquerença para com todos. “O importante não é a arquitetura” repetia muitas vezes, “o importante é a vida”. Mas não qualquer vida; a vida vivida na busca da transformação necessária que supere as injustiças contra os pobres, que melhore esse mundo perverso, vida que se traduza em solidariedade e amizade. No JB de 21/04/2007 confessou: ”O fundamental é reconhecer que a vida é injusta  e só de mãos dadas, como irmãos e irmãs, podemos vive-la melhor”.

         Seu comunismo está muito próximo daquele dos primeiros cristãos, referido nos Atos dos Apóstolos nos capítulos 2 e 4. Ai se diz que “os cristãos colocavam tudo em comum e que não havia pobres entre eles”. Portanto, não era um comunismo ideológico mas ético e humanitário: compartilhar, viver com sobriedade, como sempre viveu, despojar-se do dinheiro e ajudar a quem precisasse. Tudo deveria ser comum. Perguntado por um jornalista se aceitaria a pílula da eterna juventude, respondeu coerentemente: “aceitaria se fosse para todo mundo;  não quero a imortalidade só para mim”.

         Um fato ficou-me inesquecível. Ocorreu nos inícios dos anos 80 do século passado. Estando Oscar em Petrópolis, me convidou para almoçar com ele. Eu havia chegado naquele dia de Cuba, onde, com Frei Betto, durante anos dialogávamos com os vários escalões do governo (sempre vigiados pelo SNI), a pedido de Fidel Castro, para ver se os tirávamos da concepção dogmática e rígida do marxismo soviético. Eram tempos tranquilos em Cuba que, com o apoio da União Soviética, podia levar avante seus esplêndidos projetos de saúde, de educação e de cultura. Contei que, por todos os lados que tinha ido em Cuba, nunca encontrei favelas mas uma pobreza digna e operosa. Contei mil coisas de Cuba que, segundo frei Betto, na época era “uma Bahia que deu certo”. Seus olhos brilhavam. Quase não comia. Enchia-se de entusiasmo ao ver que, em algum lugar do mundo, seu sonho de comunismo poderia, pelo menos em parte, ganhar corpo e ser bom para as maiorias.

         Qual não foi o meu espanto quando,  dois dias após, apareceu na Folha de São Paulo, um artigo dele com um belo desenho de três montanhas, com uma cruz em cima. Em certa altura dizia: “Descendo a serra de Petrópolis ao Rio, eu que sou ateu, rezava para o Deus de Frei Boff para que aquela situação do povo cubano pudesse um dia se realizar no Brasil”. Essa era a generosidade cálida, suave  e radicalmente humana de Oscar Niemeyer.

         Guardo uma memória perene dele. Adquiri de Darcy Ribeiro, de quem Oscar era amigo-irmão, uma pequeno apartamento no bairro do Alto da Boa-Vista, no Vale Encantando. De lá se avista toda a Barra da Tijuca até o fim do Recreio dos Bandeirantes.  Oscar reformou aquele apartamento para o seu amigo, de tal forma que de qualquer lugar que estivesse, Darcy (que era pequeno de estatura), pudesse ver sempre o mar. Fez um estrado de uns 50 centrímetros de altura E como não podia deixar de ser, com uma bela curva de canto, qual onda do mar ou corpo da mulher amada. Ai me recolho quando quero escrever e meditar um pouco, pois um teólogo deve cuidar também de salvar a sua alma.

            Por duas vezes se ofereceu para fazer uma maquete de igrejinha para o sítio onde moro em Araras em Petrópolis. Relutei, pois considerava injusto valorizar minha propriedade com uma peça de um gênio como Oscar. Finalmente, Deus não está nem no céu nem na terra, está lá onde as portas da casa estão abertas.

         A vida não está destinada a desaparecer na morte mas a se transfigurar alquimicamente através da morte. Oscar Niemeyer apenas passou para o outro lado da vida, para o lado invisível. Mas o invisível faz parte do visível. Por isso ele não está ausente,  mas está presente, apenas invisível. Mas sempre com a mesma doçura, suavidade, amizade, solidariedade e amorosidade que permanentemente o caracterizou. E de lá onde estiver, estará fantasiando, projetando e criando mundos belos, curvos e cheios de leveza.

 

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Rupturas, limitações no Vat II

Quais são os principais pontos de ruptura contidos nos textos do Concílio Vaticano II?

Um dos mais textos mais importantes e mais inovadores, a Gaudium et Spes, define as relações da Igreja com o mundo e lhe dirige uma mensagem. Tornar-se-á um dos eixos centrais do debate conciliar, embora não houvesse sido nem objeto de trabalhos preparatórios! É o Concílio que cria essa necessidade. Esse texto, de inspiração francesa, parte das expectativas do mundo, dos "sinais dos tempos".

É preciso situá-lo no contexto dos anos 1960, marcado por uma espécie de euforia com o surgimento da sociedade de consumo, a conquista do espaço, as evoluções culturais... Encontra-se nele aquele otimismo que alguns podem achar hoje um pouco ingênuo e um pouco datado. No entanto, traz um grande respiro, porque apresenta uma Igreja que quer estar ao serviço do ser humano, uma Igreja que não reivindica nenhum privilégio, mas que propõe. Os debates sobre esse texto foram uma verdadeira linha de ruptura entre os Padres conciliares, e continua sendo ainda hoje.

Tomemos também o exemplo do trabalho sobre a revelação divina. Os bispos constatam que os estudos de exegese histórico-bíblica, considerados como potencialmente perigosos por Roma, não foram levados em consideração pela Cúria. Com o apoio do papa, retomarão a reflexão. O resultado será a constituição Dei Verbum ("Palavra de Deus"), um dos textos mais novos, que encorajará os fiéis a lerem e a estudarem a Bíblia, enquanto até aquele momento o magistério se reservava o monopólio da interpretação da Escritura.

Podendo-se levar em conta as descobertas científicas em arqueologia ou em filologia, rompe-se em parte com a leitura literal da Bíblia, com a ideia da "infalibilidade absoluta" da Escritura, segundo a qual a Bíblia não pode conter erros, já que é a Palavra de Deus. Alguns historiadores falam a esse respeito da derrota da teologia romana.

Mas há dois outros documentos fundamentais do Concílio, Nostra Aetate, sobre as relações com as outras religiões, particularmente a religião judaica, e Dignitatis humanae, sobre a liberdade religiosa, que são a maior ruptura com relação à situação anterior. Esses textos são também os mais atuais. Por exemplo, antes do Concílio, nenhum único bispo havia pedido uma condenação do antissemitismo ou levantado a questão judaica. Nem mesmo a problemática da relação com as outras religiões havia sido posta. Depois de um encontro com o historiador Jules Isaac, pioneiro das amizades judaico-cristãs, João XXIII imporá esse tema. Trata-se de rever o ensinamento da Igreja sobre os judeus, de repensar a relação teológica da Igreja com o judaísmo. Passa-se de uma teologia da substituição (a Igreja se substitui a Israel, que é reprovado por Deus) à teologia da filiação.

No início, o ponto central do texto refere-se, portanto, à questão judaica, mas os bispos, querendo evitar dar a impressão de que o Concílio tomava uma posição política em favor de Israel, sob a pressão dos bispos orientais, ampliarão o texto a outras religiões, particularmente ao Islã. Esse alargamento o torna hoje de grande atualidade. Quanto à liberdade religiosa, que pressupõe que nenhum ser humano deve ser forçado ou impedido de praticar uma religião, ele teve que superar uma herança histórica pesada, feita de intolerância. É um fato aceito muito importante, que permite que a Igreja hoje, nas suas relações com o Islã, assegure: "Não temos problemas com a liberdade religiosa", e convide à reciprocidade. Embora não devamos esquecer que essa atualização é recente!

Esses textos sobre o diálogo inter-religioso e sobre a liberdade religiosa, agora considerados fundamentais por Roma, suscitaram o cisma lefebvriano. Era previsível?

As discussões sobre a Nostra Aetate estiveram entre as mais tensas. Havia irredutíveis que não podiam suportar a ideia de que se reabilitasse o povo judeu, "deicida", ou que se instaurasse uma liberdade religiosa que assimilavam ao relativismo. E foram justamente esses textos que os integralistas rejeitariam. A sua rejeição da reforma litúrgica foi apenas um pretexto: Dom Lefebvre havia votado o texto que introduzia as mudanças e que previa, particularmente, a introdução das línguas modernas no rito católico.

Mas deu-lhes uma alavanca de mobilização, já que as mudanças litúrgicas modificavam diretamente a vida dos fiéis. Mas não era esse o centro das suas contestações do Concílio. Apesar das concessões de João Paulo II e de Bento XVI – que deram novamente legitimidade à missa em latim –,eu não vejo a possibilidade de uma reconciliação com os integralistas sobre a liberdade religiosa ou sobre o diálogo inter-religioso.

Hoje, à parte dos integralistas, todos na Igreja, desde o mais progressista ao mais conservador, se dizem "conciliares". Isso significa que o Vaticano II tinha ambiguidades em si mesmo desde o início?

Sobre a interpretação do Concílio, há um mal-entendido desde o início, e, em pouco tempo, duas leituras se contrapuseram. Alguns interpretam o Concílio como uma atualização sinônima a uma adaptação ao mundo e se referem mais ao "espírito" do Concílio do que aos textos. É preciso ligar também essa abordagem à crise latente da Igreja pré-conciliar, mas também à evolução geral da sociedade, que entra em uma fase de contestação depois do Maio de 1968. Isso tem um efeito de arrastamento na Igreja. Essa corrente pensa que o Concílio legitima todas as inovações.

Outros, como Bento XVI, interpretaram-no "à luz da tradição" mais antiga da Igreja. O papa atual, que foi um dos teólogos do conselho, soou muito cedo o alarme sobre a interpretação que ele considerava abusiva do Concílio. Essa leitura, que pode ser julgada como "normalizante", tende a minimizar a parte de novidade do Vaticano II e rejeita a noção de atualização, que desejaria que a renovação fosse uma adaptação ao mundo. Para essa corrente, o Concílio não é uma assembleia constituinte que substituiria uma nova Constituição da Igreja antiga, e o critério não é a modernidade, mas sim a verdade.

Bento XVI, em particular, era muito crítico à Gaudium et Spes. Como outros, ele considerava que o texto era otimista demais, aberto demais, teologicamente frágil e que não levava em consideração a dimensão escatológica do cristianismo: a esperança do cristianismo não se confunde com o progresso técnico ou a defesa dos direitos humanos, porque porta uma mensagem de salvação, de vida sobrenatural. Por muito tempo, era tabu discutir o Vaticano II. Havia uma posição positiva do Concílio, à parte dos integralistas. Esse tabu caiu. Hoje, aparecem avaliações mais críticas do Concílio e dos seus efeitos, particularmente nos ambientes conservadores.

A Igreja não parece totalmente reconciliada com as sociedades ocidentais...

A Igreja nunca poderá se reconciliar completamente com o mundo moderno e estar no "politicamente correto" do momento: ela perderia sua razão de ser, diluindo a sua mensagem. Com relação aos temas ligados à família, ao casamento, à vida, não devemos esperar uma evolução. A posição da Igreja tem a sua coerência: se ela ceder em um ponto, corre o risco de derrubar o edifício. Mas há uma margem entre as posições de princípio e a tolerância em nível pastoral, como com relação ao destino dos divorciados em segunda união (oficialmente excluídos da comunhão) ou com relação à contracepção – um assunto que os bispos adiam para depois do Concílio e deixam à decisão do Papa Paulo VI, que publicará, em 1968, a encíclica Humanae Vitae, que proíbe a contracepção. Pode-se imaginar evoluções no casamento dos padres, mas não no sacerdócio para as mulheres.

Quais são os assuntos sobre os quais o Concílio não foi muito longe e que colocam um problema de credibilidade para a Igreja, assuntos que exigiriam um Vaticano III?

O problema do lugar da mulher não foi claramente posto no Concílio, e o do lugar dos leigos é frágil. Resta muito a ser feito também na colegialidade entre os bispos, porque a centralização romana permanece. As questões de bioética e de moral, que naquela época não eram colocados nos mesmos termos que hoje, também estão ausentes. Um novo concílio poderia abordar esses problemas de crítica, de ética, de bioética, de moral sexual, de concertação... Mas, apesar dessas lacunas, pode-se obter muitas coisas no Vaticano II.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

4 PRINCIPIOS E 4 VIRTUDES (CRISE)


 

Frente a la crisis: cuatro principios y         

             cuatro virtudes

  Goza de plena actualidad esta frase de Einstein: «el pensamiento que ha creado la crisis no puede ser el mismo que va a solucionarla». Es demasiado tarde para hacer sólo reformas, éstas no cambian el pensamiento. Necesitamos partir de otro pensamiento, fundado en principios y valores que puedan sustentar un nuevo ensayo de civilización. O si no, tendremos que aceptar un camino que nos lleva al precipicio. Los dinosaurios ya lo recorrieron.

Mi sentimiento del mundo me dice que hay cuatro principios y cuatro virtudes capaces de garantizar un futuro bueno para la Tierra y la vida. Aquí solamente voy a enunciarlos, sin espacio para profundizar en ellos, cosa que he hecho en varias publicaciones en los últimos años.

El primero es el cuidado. El cuidado es una relación de no agresión y de amor a la Tierra y a cualquier otro ser. El cuidado se opone a la dominación que caracteriza el viejo paradigma. El cuidado regenera las heridas pasadas y evita las futuras. Retarda la fuerza irrefrenable de la entropía y permite que todo pueda vivir y durar más. Para los orientales lo equivalente al cuidado es la compasión; por ella nunca se deja abandonado al que sufre; se camina, se solidariza y se alegra uno con él.

El segundo es el respeto. Cada ser posee un valor intrínseco, independientemente de su uso humano. Expresa alguna potencialidad del universo, tiene algo que revelarnos y merece existir y vivir. El respeto reconoce y acoge al otro como otro y se propone convivir pacíficamente con él. Ético es respetar ilimitadamente todo lo que existe y vive.

El tercero es la responsabilidad universal. Por ella, el ser humano y la sociedad se dan cuenta de las consecuencias benéficas o funestas de sus acciones. Ambos tienen que cuidar la cualidad de las relaciones con los otros y con la naturaleza para que no sean hostiles sino amigables hacia la vida. Con los medios de destrucción ya fabricados, la humanidad, por falta de responsabilidad, puede autoeliminarse y dañar la biosfera.

El cuarto principio es la cooperación incondicional. La ley universal de la evolución no es la competición en la que gana el más fuerte, sino la interdependencia de todos con todos. Todos cooperan entre sí para coevolucionar y para asegurar la biodiversidad. Por la cooperación de unos con otros, nuestros antepasados se volvieron humanos. El mercado globalizado está gobernado por la más rígida competición, sin espacio para la cooperación. Por eso, campean el individualismo y el egoísmo que subyacen a la crisis actual y que han impedido hasta ahora cualquier consenso posible frente a los cambios climáticos.

Estos cuatro principios deben venir acompañados de cuatro virtudes, imprescindibles para la consolidación del nuevo orden.

La primera es la hospitalidad, virtud primordial, según Kant, para la república mundial. Todos tenemos el derecho de ser acogidos, lo que se corresponde con el deber de acoger a los otros. Esta virtud será fundamental frente al flujo de los pueblos y los millones de refugiados climáticos que surgirán en los próximos años. No debe haber, como hay, extra-comunitarios.

La segunda es la convivencia con los diferentes. La globalización del experimento hombre no anula las diferencias culturales con las cuales tenemos que aprender a convivir, a intercambiar, a complementarnos y a enriquecernos con los intercambios mutuos.

La tercera es la tolerancia. No todos los valores y costumbres culturales son convergentes y de fácil aceptación. De ahí se impone la tolerancia activa de reconocer el derecho del otro de existir como diferente y garantizarle su plena expresión.

La cuarta es la comensalidad. Todos los seres humanos deben tener acceso solidario y suficiente a los medios de vida, y seguridad alimentaria. Deben poder sentirse miembros de la misma familia que comen y beben juntos. No sólo es la nutrición necesaria, se trata de un rito de confraternización.

Todos los esfuerzos serán en balde si la Río+20 de 2012 se limita solamente a discutir medidas prácticas para mitigar el calentamiento global, sin discutir otros principios y valores que pueden generar un consenso mínimo entre todos y dar así sostenibilidad a nuestra civilización. En caso contrario, la crisis continuará su acción corrosiva hasta transformarse en una tragedia. Tenemos medios y ciencia para alcanzar esta sostenibilidad. Sólo nos falta voluntad y amor a la vida, la nuestra y la de nuestros hijos y nietos. Que el Espíritu que preside la historia no nos falte.

Leonardo  Boff

 

Muita cinza


As brasas sob as cinzas.

 Artigo de Vito Mancuso

Estamos submersos, até uma sensação de sufocamento, pelas cinzas eclesiásticas que produzem muito peso sobre aqueles que a ela pertencem.
"O padre
Karl Rahner usava  a imagem das brasas que se escondem sob as cinzas. Eu vejo na Igreja de hoje tantas cinzas sobre as brasas que muitas vezes me assola uma sensação de impotência. Como se pode livrar as brasas das cinzas de modo a revigorar a chama do amor? Em primeiro lugar, devemos procurar essas brasas."
Essa imagem das brasas usada por Carlo Maria Martini  evoca a vida espiritual. Se as brasas são índice do fogo, mas está submersa por tantas cinzas – institucionais, eclesiais, políticas, econômicas – como faço, dia após dia, na monotonia da cotidianidade, para alimentar a esperança, para não deixar apagar dentro de mim a chama da vida espiritual?


A origem da vida: a água e o fogo
Os mitos cosmogônicos da humanidade, todos, na origem da vida, puseram o fogo; há outro elemento que a consciência arquetípica da humanidade, depositada nesses mitos, colocou como origem: a água. Dos sumérios aos babilônios, dos egípcios aos textos hindus dos Vedas até o Gênesis bíblico: a vida se origina da água.

A superfície do nosso planeta é, em sua grande parte, composta de água, assim como o nosso organismo. Sem água, não há vida. O que representa, então, o elemento do fogo? Assim o explica
Simone Weil: "A palavra grega que é traduzida como Espírito significa literalmente sopro ígneo" [1], ou seja, sopro de fogo, fogo primordial que a ciência moderna indica com a palavra energia. A água que é a base da vida é transfigurada pelo sopro quente do Espírito: e eis aquilo que nós somos, água-terra, tornadas luminosas pelo ar-fogo que nelas se reflete criando transparências, arco-íris, reverberações luminosas. Nós somos água-terra que reverbera a luz e ilumina a mente como capacidade de decisão, de liberdade, de emoção, de criatividade, de laços de amor.
            A vida espiritual autêntica, aquela que toca e cura a vida, une os dois elementos primordiais: sopro de fogo que desce sobre as águas e as transforma de obscuras a luminosas.
            Teilhard de Chardin nos faz compreender que entre Espírito e matéria não há oposição. A matéria é mãe de todas as coisas, dela também surge o Espírito, que, surgindo, torna-se algo novo e diferente com relação à própria matéria. Não dualismo, mas sim dualidade; isto é, não dualidade original, mas sim dualidade que surge da evolução dos sistemas físicos, biológicos, psíquicos.

O encontro entre matéria e Espírito
Como ocorre o encontro entre matéria e espírito? Plutarco o indica: "A mente não precisa ser preenchida como um vaso, mas sim como a lenha precisa de uma centelha que a acenda e nela infunda o impulso para a busca e para um amor ardente pela verdade" [2].
            A mente não precisa sobretudo de instrução, de doutrina que diga o que é preciso pensar e o que não, que canalize e encaminhe. A mente precisa sobretudo de uma centelha que acenda: a mente – para que haja vida espiritual – precisa ser tratada como liberdade. Liberdade responsável. Dá-se vida espiritual quando essa liberdade não é vivida como arbítrio, mas sim como impulso para a busca e para o amor ardente pela verdade.
            O cardeal Martini diz algo muito desestabilizante acerca do modo como entendemos o nosso ser comunidade eclesial: "Jerusalém ainda hoje está cheia de escolas bíblicas. (...) Quem quer fazer perguntas vai a um professor, a um rabino e estuda a Bíblia. Hoje em dia, algo semelhante seria importante justamente para tornar os cristãos independentes. Na realidade, todo cristão que vive com a Bíblia deveria encontrar respostas pessoais para as perguntas fundamentais, para ser capaz de testemunhar de modo convincente a sua fé, mesmo diante dos outros e saber respondê-las. A paróquia e a grande Igreja, então, de que servem? A paróquia e a grande Igreja se tornariam um contexto que produz estímulos e apoio, não necessariamente um magistério do qual o cristão deveria depender e que muitas vezes toma como pretexto para se afastar" [3].
            A Bíblia deveria ser a escola que exercita a mente, a paróquia deveria ser um contexto dentro do qual se possa desenvolver essas escolas da mente que visam a ler a realidade animados constantemente pelo amor ardente pela verdade.

As cinzas que cobrem as brasas
            Ao contrário. Ao contrário, estamos submersos, até uma sensação de sufocamento, pelas cinzas eclesiásticas que produzem muito peso sobre aqueles que a ela pertencem. Diz Martini: "A Igreja está cansada na Europa do bem-estar e na América. A nossa cultura envelheceu, as nossas igrejas são grandes, as nossas casas religiosas estão vazias, e o aparato burocrático da Igreja aumenta, os nossos ritos e os nossos hábitos são pomposos. O bem-estar pesa. (…) Eu vejo na Igreja de hoje tantas cinzas sobre as brasas que muitas vezes me assola uma sensação de impotência. (...) A Igreja ficou 200 anos para trás".
             O peso descrito por Martini refere-se à Igreja Católica e à alma ocidental.


Cuidar da centelha sagrada
O que fazer? Martini aponta alguns instrumentos, o primeira dos quais é a conversão. A Igreja deve percorrer um caminho de conversão e de mudança radical. Por que, dentre as coisas a mudar, Martini fala da sexualidade? Porque o fim do
Concílio Vaticano II começou quando Paulo VI impediu que os padres conciliares se pronunciassem sobre a moral sexual, advogou para si mesmo a matéria e publicou, três anos depois, a Humanae Vitae. Ali começou o fim da renovação conciliar.
            No ano 2000, foi publicada uma pesquisa encomendada pela hierarquia eclesiástica para entender em que medida a moral sexual da Humanae Vitae era praticada no mundo católico. Entrevistaram uma amostra de mulheres católicas praticantes, mulheres que pertencem ao corpo vivo da Igreja Católica. O resultado foi de que apenas 8% declararam praticar as normas morais da carta encíclica.
            Esse resultado tão falimentar revela outro aspecto que Martini destacou na entrevista: "Nem o clero nem o Direito eclesial podem substituir a interioridade do ser humano. Todas as regras externas, as leis, os dogmas nos foram dados para esclarecer a voz interior". O fundamento decisivo de todo discurso sobre a verdade está ligado à interioridade humana. A interioridade humana é algo que deve cuidar da centelha sagrada, do núcleo vital que não se resigna ao desespero, que insere energia positiva no mundo, que insere esperança.
            Se não há interioridade, não há vida espiritual. Se não há a pessoa interior, o mundo, com os seus poderes fortes, antes ou depois destrói a imaginação utópica. E nos conformamos com isso, e essa é a desilusão de grande parte da esquerda, porque falta a energia interior, uma fonte outra – que não deve ser necessariamente cristã – com relação à simples lógica dos poderes deste mundo.
            A fé de Dostoiévski. Encarcerado na Sibéria, ele havia sido condenado à morte: o comandante havia enfileirado o pelotão de fuzilamento e, depois, como se fosse um jogo, disse: "Chegou o pedido de graça, não atirem".

Desde então, Dostoiévski ficou vítima de ataques epilépticos. Na Sibéria, ele havia sido visitado por uma mulher que havia dado a ele e aos seus outros companheiros de prisão o Novo Testamento. Quando saiu da prisão, ele procurou aquela mulher e, em janeiro de 1954, lhe escreveu esta carta:

"Eu lhe direi que sou um filho do século, um filho da descrença e da dúvida, e que, eu sei, permanecerei assim até o túmulo. Que terrível sofrimento me custou e me custa agora essa sede de fé, que é tão mais forte na minha alma quanto mais são os argumentos contrários. No entanto, Deus me manda às vezes minutos em que eu estou totalmente sereno. Nesses minutos, eu amo e sei que sou amado pelos outros. Nesses minutos, eu criei em mim uma profissão de fé em que tudo me é claro e sagrado. Essa profissão de fé é muito simples, ei-la: crer que não há nada de mais belo, de mais profundo, de mais simpático, de mais razoável, de mais corajoso e perfeito do que o Cristo, e não só que há, mas, com amor ciumento, digo a mim mesmo que não pode não haver. E não somente isso: se alguém me demonstrasse que o Cristo está fora da verdade e, de fato, resultasse que a verdade está fora do Cristo, eu preferiria ficar com Cristo em vez da verdade."
            "Nesses minutos, eu amo e sei que sou amado": essa é a fonte existencial que levou Dostoiévski a criar a sua profissão de fé. O Cristo do qual ele fala não é outra verdade conteudística ao lado das outras; é o símbolo ao amor concreto, solidário, conectado em todo instante com a realidade, é um método.
            Aquela modalidade que te leva a olhar a vida não sob a insígnia da vontade de poder, do teu credo, da tua Igreja, mas sim que te faz estar em conexão com a vida verdadeira para servi-la a todo instante, para fazer brotar o bem de toda situação. Esse é o sentido em que Cristo dizia "Eu sou a verdade, eu sou o caminho, a verdade, a vida", para caminhar neste mundo servindo sempre o bem e a justiça.
Notas:

1. Simone Weil, L’enracinement [O enraizamento]. Paris: Gallimard, 1949.

2. Essa frase se encontra na conclusão de um pequeno tratado intitulado "A Arte de ouvir".

3. Carlo Maria Martini e Georg Sporschill. Diálogos noturnos em Jerusalém (Mondadori, 2008, p. 66) [versão brasileira: Paulus, 2008].

Sublime abstracción? (Pagola)

No es posible alimentarse solo de doctrina religiosa. No es posible seguir a un Jesús convertido en una sublime abstracción. Necesitamos sintonizar vitalmente con él, dejarnos atraer por su estilo de vida, contagiarnos de su pasión por Dios y por el ser humano.
En medio del "desierto espiritual" de la sociedad moderna, hemos de entender y configurar la comunidad cristiana como un lugar donde se acoge el Evangelio de Jesús. Vivir la experiencia de reunirnos creyentes, menos creyentes, poco creyentes e, incluso, no creyentes, en torno al relato evangélico de Jesús. Darle a él la oportunidad de que penetre con su fuerza humanizadora en nuestros problemas, crisis, miedos y esperanzas.
No lo hemos de olvidar. En los evangelios no aprendemos doctrina académica sobre Jesús, destinada inevitablemente a envejecer a lo largo de los siglos. Aprendemos un estilo de vivir realizable en todos los tiempos y en todas las culturas: el estilo de vivir de Jesús. La doctrina no toca el corazón, no convierte ni enamora. Jesús sí.
La experiencia directa e inmediata con el relato evangélico nos hace nacer a una fe nueva, no por vía de "adoctrinamiento" o de "aprendizaje teórico", sino por el contacto vital con Jesús. Él nos enseña a vivir la fe, no por obligación sino por atracción. Nos hace vivir la vida cristiana, no como deber sino como contagio. En contacto con el evangelio recuperamos nuestra verdadera identidad de seguidores de Jesús.
Recorriendo los evangelios experimentamos que la presencia invisible y silenciosa del Resucitado adquiere rasgos humanos y recobra voz concreta. De pronto todo cambia: podemos vivir acompañados por Alguien que pone sentido, verdad y esperanza en nuestra existencia. El secreto de la "nueva evangelización" consiste en ponernos en contacto directo e inmediato con Jesús. Sin él no es posible engendrar una fe nueva.