O sofrimento, a dor persistente no corpo e na alma, a angústia que
insiste em ficar, a solidão como companheira de muitas horas, a consciência da
própria fragilidade, a sensação de impotência diante da incerteza e da
insegurança em novos caminhos, quando isso acontece, as mãos, até ontem
carregadas de sonhos e de obras, parecem deixar escorrer por entre os dedos o
que de melhor cada um guarda da v ida.
Noutro dia, ao visitar uma querida amiga no hospital, não resisti em
dizer-lhe na despedida: “Você está de mãos cheias pelo que sonhou e fez no
mundo. Não se esqueça disso!” Repeti o mesmo gesto, noutra ocasião, para outra
mulher que admiro muito por sua luta em favor de um mundo melhor, mais
solidário, mais humano. A doença, quando prolongada, traz tantas interrogações
sem respostas e faz o olhar ver mãos se esvaziando aos poucos, outrora tão
cheias de utopias e de inspiração para muitas caminhadas.
Não é justo, penso, que homens e mulheres que andaram pelo mundo
semeando idéias, sentimentos e valores e tentaram concretizar sonhos,
enriquecendo cada manhã e cada entardecer, ante o peso da doença e da dor,
deixem-se abater pelo desânimo. Não é justo que sejam tomados pela consciência
e pelo sentimento do “não valeu a pena”, uma sensação de colheita não colhida,
apesar de tantas sementes entregues à terra e aos corações humanos.
Ao olhar a amiga no hospital, disse-lhe, com ternura e admiração, que
suas mãos estão cheias por sua luta política, por seu testemunho de apostar num
mundo mais justo e saudável. Senti necessidade de dizer aos seus ouvidos
machucados pelo sofrimento e pelo desafio da sobrevivência, o quanto a admirava
como mulher, pelo que fizera no mundo e pelo mundo.
Há tantos e tantos ainda entregues ao sonho e à missão de mudar uma
realidade em escolas, hospitais, creches, orfanatos, bairros de periferia,
entidades sociais, praticando a generosidade dos que não buscam nem um muito
obrigado. Há tantos heróis anônimos, há tantos operários na grande messe do
bem, trabalhadores desconhecidos que ajudam a construir o bom, o belo, o justo,
o humano.
Saí do hospital, pensando no que dissera à amiga tão frágil, ontem tão
cheia de vigor. Desejei
que a dor nunca conseguisse esvaziar as suas mãos. Gostaria de repetir
essas palavras aos que são lançados à solidão, à falta de uma palavra amiga, de
um aperto de mão, de um olhar de ternura e agradecimento: “Vocês estão de mãos
cheias, não se esqueçam disso!”, mesmo diante da dor e da injustiça
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