sábado, 8 de dezembro de 2012

Maximo Trevisan. De Mãos cheias


O sofrimento, a dor persistente no corpo e na alma, a angústia que insiste em ficar, a solidão como companheira de muitas horas, a consciência da própria fragilidade, a sensação de impotência diante da incerteza e da insegurança em novos caminhos, quando isso acontece, as mãos, até ontem carregadas de sonhos e de obras, parecem deixar escorrer por entre os dedos o que de melhor cada um guarda da v ida.

Noutro dia, ao visitar uma querida amiga no hospital, não resisti em dizer-lhe na despedida: “Você está de mãos cheias pelo que sonhou e fez no mundo. Não se esqueça disso!” Repeti o mesmo gesto, noutra ocasião, para outra mulher que admiro muito por sua luta em favor de um mundo melhor, mais solidário, mais humano. A doença, quando prolongada, traz tantas interrogações sem respostas e faz o olhar ver mãos se esvaziando aos poucos, outrora tão cheias de utopias e de inspiração para muitas caminhadas.

Não é justo, penso, que homens e mulheres que andaram pelo mundo semeando idéias, sentimentos e valores e tentaram concretizar sonhos, enriquecendo cada manhã e cada entardecer, ante o peso da doença e da dor, deixem-se abater pelo desânimo. Não é justo que sejam tomados pela consciência e pelo sentimento do “não valeu a pena”, uma sensação de colheita não colhida, apesar de tantas sementes entregues à terra e aos corações humanos.

Ao olhar a amiga no hospital, disse-lhe, com ternura e admiração, que suas mãos estão cheias por sua luta política, por seu testemunho de apostar num mundo mais justo e saudável. Senti necessidade de dizer aos seus ouvidos machucados pelo sofrimento e pelo desafio da sobrevivência, o quanto a admirava como mulher, pelo que fizera no mundo e pelo mundo.

Há tantos e tantos ainda entregues ao sonho e à missão de mudar uma realidade em escolas, hospitais, creches, orfanatos, bairros de periferia, entidades sociais, praticando a generosidade dos que não buscam nem um muito obrigado. Há tantos heróis anônimos, há tantos operários na grande messe do bem, trabalhadores desconhecidos que ajudam a construir o bom, o belo, o justo, o humano.

Saí do hospital, pensando no que dissera à amiga tão frágil, ontem tão cheia de vigor. Desejei

que a dor nunca conseguisse esvaziar as suas mãos. Gostaria de repetir essas palavras aos que são lançados à solidão, à falta de uma palavra amiga, de um aperto de mão, de um olhar de ternura e agradecimento: “Vocês estão de mãos cheias, não se esqueçam disso!”, mesmo diante da dor e da injustiça

 

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