quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Rupturas, limitações no Vat II

Quais são os principais pontos de ruptura contidos nos textos do Concílio Vaticano II?

Um dos mais textos mais importantes e mais inovadores, a Gaudium et Spes, define as relações da Igreja com o mundo e lhe dirige uma mensagem. Tornar-se-á um dos eixos centrais do debate conciliar, embora não houvesse sido nem objeto de trabalhos preparatórios! É o Concílio que cria essa necessidade. Esse texto, de inspiração francesa, parte das expectativas do mundo, dos "sinais dos tempos".

É preciso situá-lo no contexto dos anos 1960, marcado por uma espécie de euforia com o surgimento da sociedade de consumo, a conquista do espaço, as evoluções culturais... Encontra-se nele aquele otimismo que alguns podem achar hoje um pouco ingênuo e um pouco datado. No entanto, traz um grande respiro, porque apresenta uma Igreja que quer estar ao serviço do ser humano, uma Igreja que não reivindica nenhum privilégio, mas que propõe. Os debates sobre esse texto foram uma verdadeira linha de ruptura entre os Padres conciliares, e continua sendo ainda hoje.

Tomemos também o exemplo do trabalho sobre a revelação divina. Os bispos constatam que os estudos de exegese histórico-bíblica, considerados como potencialmente perigosos por Roma, não foram levados em consideração pela Cúria. Com o apoio do papa, retomarão a reflexão. O resultado será a constituição Dei Verbum ("Palavra de Deus"), um dos textos mais novos, que encorajará os fiéis a lerem e a estudarem a Bíblia, enquanto até aquele momento o magistério se reservava o monopólio da interpretação da Escritura.

Podendo-se levar em conta as descobertas científicas em arqueologia ou em filologia, rompe-se em parte com a leitura literal da Bíblia, com a ideia da "infalibilidade absoluta" da Escritura, segundo a qual a Bíblia não pode conter erros, já que é a Palavra de Deus. Alguns historiadores falam a esse respeito da derrota da teologia romana.

Mas há dois outros documentos fundamentais do Concílio, Nostra Aetate, sobre as relações com as outras religiões, particularmente a religião judaica, e Dignitatis humanae, sobre a liberdade religiosa, que são a maior ruptura com relação à situação anterior. Esses textos são também os mais atuais. Por exemplo, antes do Concílio, nenhum único bispo havia pedido uma condenação do antissemitismo ou levantado a questão judaica. Nem mesmo a problemática da relação com as outras religiões havia sido posta. Depois de um encontro com o historiador Jules Isaac, pioneiro das amizades judaico-cristãs, João XXIII imporá esse tema. Trata-se de rever o ensinamento da Igreja sobre os judeus, de repensar a relação teológica da Igreja com o judaísmo. Passa-se de uma teologia da substituição (a Igreja se substitui a Israel, que é reprovado por Deus) à teologia da filiação.

No início, o ponto central do texto refere-se, portanto, à questão judaica, mas os bispos, querendo evitar dar a impressão de que o Concílio tomava uma posição política em favor de Israel, sob a pressão dos bispos orientais, ampliarão o texto a outras religiões, particularmente ao Islã. Esse alargamento o torna hoje de grande atualidade. Quanto à liberdade religiosa, que pressupõe que nenhum ser humano deve ser forçado ou impedido de praticar uma religião, ele teve que superar uma herança histórica pesada, feita de intolerância. É um fato aceito muito importante, que permite que a Igreja hoje, nas suas relações com o Islã, assegure: "Não temos problemas com a liberdade religiosa", e convide à reciprocidade. Embora não devamos esquecer que essa atualização é recente!

Esses textos sobre o diálogo inter-religioso e sobre a liberdade religiosa, agora considerados fundamentais por Roma, suscitaram o cisma lefebvriano. Era previsível?

As discussões sobre a Nostra Aetate estiveram entre as mais tensas. Havia irredutíveis que não podiam suportar a ideia de que se reabilitasse o povo judeu, "deicida", ou que se instaurasse uma liberdade religiosa que assimilavam ao relativismo. E foram justamente esses textos que os integralistas rejeitariam. A sua rejeição da reforma litúrgica foi apenas um pretexto: Dom Lefebvre havia votado o texto que introduzia as mudanças e que previa, particularmente, a introdução das línguas modernas no rito católico.

Mas deu-lhes uma alavanca de mobilização, já que as mudanças litúrgicas modificavam diretamente a vida dos fiéis. Mas não era esse o centro das suas contestações do Concílio. Apesar das concessões de João Paulo II e de Bento XVI – que deram novamente legitimidade à missa em latim –,eu não vejo a possibilidade de uma reconciliação com os integralistas sobre a liberdade religiosa ou sobre o diálogo inter-religioso.

Hoje, à parte dos integralistas, todos na Igreja, desde o mais progressista ao mais conservador, se dizem "conciliares". Isso significa que o Vaticano II tinha ambiguidades em si mesmo desde o início?

Sobre a interpretação do Concílio, há um mal-entendido desde o início, e, em pouco tempo, duas leituras se contrapuseram. Alguns interpretam o Concílio como uma atualização sinônima a uma adaptação ao mundo e se referem mais ao "espírito" do Concílio do que aos textos. É preciso ligar também essa abordagem à crise latente da Igreja pré-conciliar, mas também à evolução geral da sociedade, que entra em uma fase de contestação depois do Maio de 1968. Isso tem um efeito de arrastamento na Igreja. Essa corrente pensa que o Concílio legitima todas as inovações.

Outros, como Bento XVI, interpretaram-no "à luz da tradição" mais antiga da Igreja. O papa atual, que foi um dos teólogos do conselho, soou muito cedo o alarme sobre a interpretação que ele considerava abusiva do Concílio. Essa leitura, que pode ser julgada como "normalizante", tende a minimizar a parte de novidade do Vaticano II e rejeita a noção de atualização, que desejaria que a renovação fosse uma adaptação ao mundo. Para essa corrente, o Concílio não é uma assembleia constituinte que substituiria uma nova Constituição da Igreja antiga, e o critério não é a modernidade, mas sim a verdade.

Bento XVI, em particular, era muito crítico à Gaudium et Spes. Como outros, ele considerava que o texto era otimista demais, aberto demais, teologicamente frágil e que não levava em consideração a dimensão escatológica do cristianismo: a esperança do cristianismo não se confunde com o progresso técnico ou a defesa dos direitos humanos, porque porta uma mensagem de salvação, de vida sobrenatural. Por muito tempo, era tabu discutir o Vaticano II. Havia uma posição positiva do Concílio, à parte dos integralistas. Esse tabu caiu. Hoje, aparecem avaliações mais críticas do Concílio e dos seus efeitos, particularmente nos ambientes conservadores.

A Igreja não parece totalmente reconciliada com as sociedades ocidentais...

A Igreja nunca poderá se reconciliar completamente com o mundo moderno e estar no "politicamente correto" do momento: ela perderia sua razão de ser, diluindo a sua mensagem. Com relação aos temas ligados à família, ao casamento, à vida, não devemos esperar uma evolução. A posição da Igreja tem a sua coerência: se ela ceder em um ponto, corre o risco de derrubar o edifício. Mas há uma margem entre as posições de princípio e a tolerância em nível pastoral, como com relação ao destino dos divorciados em segunda união (oficialmente excluídos da comunhão) ou com relação à contracepção – um assunto que os bispos adiam para depois do Concílio e deixam à decisão do Papa Paulo VI, que publicará, em 1968, a encíclica Humanae Vitae, que proíbe a contracepção. Pode-se imaginar evoluções no casamento dos padres, mas não no sacerdócio para as mulheres.

Quais são os assuntos sobre os quais o Concílio não foi muito longe e que colocam um problema de credibilidade para a Igreja, assuntos que exigiriam um Vaticano III?

O problema do lugar da mulher não foi claramente posto no Concílio, e o do lugar dos leigos é frágil. Resta muito a ser feito também na colegialidade entre os bispos, porque a centralização romana permanece. As questões de bioética e de moral, que naquela época não eram colocados nos mesmos termos que hoje, também estão ausentes. Um novo concílio poderia abordar esses problemas de crítica, de ética, de bioética, de moral sexual, de concertação... Mas, apesar dessas lacunas, pode-se obter muitas coisas no Vaticano II.

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