Quais são os principais pontos de ruptura contidos nos textos do
Concílio Vaticano II?
Um dos mais textos mais importantes e mais inovadores, a Gaudium et Spes,
define as relações da Igreja com o mundo e lhe dirige uma mensagem. Tornar-se-á
um dos eixos centrais do debate conciliar, embora não houvesse sido nem objeto
de trabalhos preparatórios! É o Concílio que cria essa necessidade. Esse texto,
de inspiração francesa, parte das expectativas do mundo, dos "sinais dos
tempos".
É preciso situá-lo no contexto dos anos 1960, marcado por uma espécie de
euforia com o surgimento da sociedade de consumo, a conquista do espaço, as
evoluções culturais... Encontra-se nele aquele otimismo que alguns podem achar
hoje um pouco ingênuo e um pouco datado. No entanto, traz um grande respiro, porque
apresenta uma Igreja que quer estar ao serviço do ser humano, uma Igreja que
não reivindica nenhum privilégio, mas que propõe. Os debates sobre esse texto
foram uma verdadeira linha de ruptura entre os Padres conciliares, e continua
sendo ainda hoje.
Tomemos também o exemplo do trabalho sobre a revelação divina. Os bispos
constatam que os estudos de exegese histórico-bíblica, considerados como
potencialmente perigosos por Roma, não foram levados em consideração
pela Cúria. Com o apoio do papa, retomarão a reflexão. O resultado será a
constituição Dei Verbum ("Palavra de Deus"), um dos
textos mais novos, que encorajará os fiéis a lerem e a estudarem a Bíblia,
enquanto até aquele momento o magistério se reservava o monopólio da
interpretação da Escritura.
Podendo-se levar em conta as descobertas científicas em arqueologia ou em
filologia, rompe-se em parte com a leitura literal da Bíblia, com a ideia da
"infalibilidade absoluta" da Escritura, segundo a qual a Bíblia não
pode conter erros, já que é a Palavra de Deus. Alguns historiadores falam a
esse respeito da derrota da teologia romana.
Mas há dois outros documentos fundamentais do Concílio, Nostra Aetate,
sobre as relações com as outras religiões, particularmente a religião judaica,
e Dignitatis humanae, sobre a liberdade religiosa, que são a
maior ruptura com relação à situação anterior. Esses textos são também os mais
atuais. Por exemplo, antes do Concílio, nenhum único bispo havia pedido uma
condenação do antissemitismo ou levantado a questão judaica. Nem mesmo a
problemática da relação com as outras religiões havia sido posta. Depois de um
encontro com o historiador Jules Isaac, pioneiro das amizades
judaico-cristãs, João XXIII imporá esse tema. Trata-se de rever o
ensinamento da Igreja sobre os judeus, de repensar a relação teológica da
Igreja com o judaísmo. Passa-se de uma teologia da substituição (a Igreja se
substitui a Israel, que é reprovado por Deus) à teologia da filiação.
No início, o ponto central do texto refere-se, portanto, à questão judaica, mas
os bispos, querendo evitar dar a impressão de que o Concílio tomava uma posição
política em favor de Israel, sob a pressão dos bispos orientais, ampliarão o
texto a outras religiões, particularmente ao Islã. Esse alargamento o torna hoje
de grande atualidade. Quanto à liberdade religiosa, que pressupõe que nenhum
ser humano deve ser forçado ou impedido de praticar uma religião, ele teve que
superar uma herança histórica pesada, feita de intolerância. É um fato aceito
muito importante, que permite que a Igreja hoje, nas suas relações com o Islã,
assegure: "Não temos problemas com a liberdade religiosa", e convide
à reciprocidade. Embora não devamos esquecer que essa atualização é recente!
Esses textos sobre o diálogo inter-religioso e sobre a liberdade religiosa,
agora considerados fundamentais por Roma, suscitaram o cisma lefebvriano. Era
previsível?
As discussões sobre a Nostra Aetate estiveram entre as mais
tensas. Havia irredutíveis que não podiam suportar a ideia de que se
reabilitasse o povo judeu, "deicida", ou que se instaurasse uma
liberdade religiosa que assimilavam ao relativismo. E foram justamente esses
textos que os integralistas rejeitariam. A sua rejeição da reforma litúrgica
foi apenas um pretexto: Dom Lefebvre havia votado o texto que introduzia
as mudanças e que previa, particularmente, a introdução das línguas modernas no
rito católico.
Mas deu-lhes uma alavanca de mobilização, já que as mudanças litúrgicas
modificavam diretamente a vida dos fiéis. Mas não era esse o centro das suas
contestações do Concílio. Apesar das concessões de João Paulo II e de Bento
XVI – que deram novamente legitimidade à missa em latim –,eu não vejo a
possibilidade de uma reconciliação com os integralistas sobre a liberdade
religiosa ou sobre o diálogo inter-religioso.
Hoje, à parte dos integralistas, todos na Igreja, desde o mais progressista
ao mais conservador, se dizem "conciliares". Isso significa que o
Vaticano II tinha ambiguidades em si mesmo desde o início?
Sobre a interpretação do Concílio, há um mal-entendido desde o início, e, em
pouco tempo, duas leituras se contrapuseram. Alguns interpretam o Concílio como
uma atualização sinônima a uma adaptação ao mundo e se referem mais ao
"espírito" do Concílio do que aos textos. É preciso ligar também essa
abordagem à crise latente da Igreja pré-conciliar, mas também à evolução geral
da sociedade, que entra em uma fase de contestação depois do Maio de 1968. Isso
tem um efeito de arrastamento na Igreja. Essa corrente pensa que o Concílio
legitima todas as inovações.
Outros, como Bento XVI, interpretaram-no "à luz da tradição"
mais antiga da Igreja. O papa atual, que foi um dos teólogos do conselho, soou
muito cedo o alarme sobre a interpretação que ele considerava abusiva do
Concílio. Essa leitura, que pode ser julgada como "normalizante",
tende a minimizar a parte de novidade do Vaticano II e rejeita a noção
de atualização, que desejaria que a renovação fosse uma adaptação ao mundo.
Para essa corrente, o Concílio não é uma assembleia constituinte que
substituiria uma nova Constituição da Igreja antiga, e o critério não é a
modernidade, mas sim a verdade.
Bento XVI, em particular, era muito crítico à Gaudium et Spes.
Como outros, ele considerava que o texto era otimista demais, aberto demais,
teologicamente frágil e que não levava em consideração a dimensão escatológica
do cristianismo: a esperança do cristianismo não se confunde com o progresso
técnico ou a defesa dos direitos humanos, porque porta uma mensagem de
salvação, de vida sobrenatural. Por muito tempo, era tabu discutir o Vaticano
II. Havia uma posição positiva do Concílio, à parte dos integralistas. Esse
tabu caiu. Hoje, aparecem avaliações mais críticas do Concílio e dos seus
efeitos, particularmente nos ambientes conservadores.
A Igreja não parece totalmente reconciliada com as sociedades ocidentais...
A Igreja nunca poderá se reconciliar completamente com o mundo moderno e estar
no "politicamente correto" do momento: ela perderia sua razão de ser,
diluindo a sua mensagem. Com relação aos temas ligados à família, ao casamento,
à vida, não devemos esperar uma evolução. A posição da Igreja tem a sua
coerência: se ela ceder em um ponto, corre o risco de derrubar o edifício. Mas
há uma margem entre as posições de princípio e a tolerância em nível pastoral,
como com relação ao destino dos divorciados em segunda união (oficialmente
excluídos da comunhão) ou com relação à contracepção – um assunto que os bispos
adiam para depois do Concílio e deixam à decisão do Papa Paulo VI, que
publicará, em 1968, a encíclica Humanae Vitae, que proíbe a
contracepção. Pode-se imaginar evoluções no casamento dos padres, mas não no
sacerdócio para as mulheres.
Quais são os assuntos sobre os quais o Concílio não foi muito longe e que
colocam um problema de credibilidade para a Igreja, assuntos que exigiriam um
Vaticano III?
O problema do lugar da mulher não foi claramente posto no Concílio, e o do
lugar dos leigos é frágil. Resta muito a ser feito também na colegialidade
entre os bispos, porque a centralização romana permanece. As questões de
bioética e de moral, que naquela época não eram colocados nos mesmos termos que
hoje, também estão ausentes. Um novo concílio poderia abordar esses problemas
de crítica, de ética, de bioética, de moral sexual, de concertação... Mas,
apesar dessas lacunas, pode-se obter muitas coisas no Vaticano II.
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