domingo, 21 de outubro de 2012

Sublinhando pontos congresso teológico S.Leopoldo

TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO EM RETROPROSPECTIVA:
anotações em torno do recente Congreso Continental de Teología
Alder Júlio Ferreira Calado
O Congreso Continental de Teología foi encerrado quinta-feira, dia 11/10/2012, em São Leopoldo – RS. Após toda uma densa sementeira de reflexões e relatos de experiências de uma teologia testemunhal, assim se se fez nesses cinco dias de sua realização, num ambiente de confraternização entre centenas de pessoas (em torno de 750 participantes!), vindas de diferentes regiões da América Latina e do Caribe, outras da América do Norte e distintos países de outros continentes. Gente envolvendo-se em vários espaços - conferências, painéis, oficinas, comunicações científicas, celebrações, numa bem articulada tessitura de exercícios de memória e de ousadia prospectiva, que se quer alimentadas pelo esforço da práxis do cotidiano à luz da fé que brota da força do Espírito.
Nesse sentido, as próprias celebrações, aí vividas como fonte de inspiração – inclusive a celebração de encerramento! – ajudam a confirmar tal percepção, até (como é o caso) para quem só pôde acompanhar “de longe” esse acontecimento de reconhecida referência, na caminhada da Teologia da Libertação e das comunidades cristãs de base.
Não tendo dele participado fisicamente, empenhei-me vivamente em acompanhá-lo como pude: pela internet, assistindo a um número considerável de conferências e intervenções (de Agenor Brighenti, de Geraldina Céspedes, de Jon Sobrino, de Pedro Ribeiro de Oliveira, de Jung Mo Sung, de Victor Codina, de João Batista Libânio, de Maria Clara Bingemer, de Francisco Witaker, de Socorro Martinez e de José Sanchez y Sanchez, de Leonardo Boff, de Frei Betto, de Gustavo Gutiérrez, de Andrés Torres Quiruga, de Peter Phen, de Luiz Carlos Susin, de Eleazar López Hernández (texto), de Sebastião Armando, de Marilú Rojas e Carlos Mendoza Álvarez, da jovem teóloga salvadorenha Mercedes Amador (cf. áudio: http://www.ivoox.com/mercedesamador-audios-mp3_rf_1488788_1.html), além do belo relato feito pela teóloga Socorro Martinez e pelo teólogo José Sanchez y Sanchez, das Jornadas Teológicas preparatórias do Congresso, assim como das saudações iniciais (Dom Demétrio Valentini, das palavras de boas-vindas dadas aos presentes, inclusive diversos bispos (católicos, anglicanos) que lá estiveram, inclusive o nosso querido Dom José Maria Pires (testemunha emblemática dessa caminhada, antes, durante e depois do Concílio Vaticano II, e de figuras históricas como o Pe. José Marins, presente; Sérgio Torres, lembrado também na fala de seu amigo fraterno Gustavo Gutiérrez), de algumas celebrações, da síntese lida em grupo, ao final do Congresso. Estou consciente de quantas coisas me escaparam: as oficinas, as comunicações, as conversas calorosas nos corredores daquele ambiente...
Trato, aqui, de destacar alguns pontos que mais me impactaram, bem como alguns desafios, sem deixar de levantar, de passagem, um ou outro questionamento, fazendo-o com o propósito de seguir dialogando para além desse marcante acontecimento, afinal esse Congresso não se quer um “evento”, mas antes um momento de um processo, como lembrava, a justo título, a teóloga Geraldina Céspedes.
Num congresso com características tão complexas e vastas – geográficas (com traços de distintas regiões da América Latina e do Caribe, além de representações da América do Norte, da Europa, da Ásia...); culturais, de gênero, de etnia, geracionais, de intensa diversidade temática, trabalhada por diferentes teólogos e teólogas palestrantes (quase todos católicos...), participantes de painéis, oficinas, com participantes dos mais distintos segmentos da Igreja Católica e de outras Igrejas Cristãs, etc. -, resulta difícil – mesmo a quem “de dentro” tenha participado - pretender-se uma síntese que dê conta satisfatoriamente da imensa diversidade de fios aí tecidos. Não tendo participado fisicamente dessa experiência, o que mal está ao meu alcance propor, é um breve registro de alguns pontos que mais me impactaram, a partir dos quais destacar alguns questionamentos ou provocações fraternas.
1. Das intervenções de abertura
Num contexto intra-eclesial de notórias adversidades enfrentadas pela “Igreja na Base” – convindo assinalar que, a certa altura, graças a pressões em contrário, até dúvida se teve da realização do Congresso (lembrar carta-alerta do Pe. José Marins) -, resulta confortadora a presença, não apenas de Dom Demétrio Valentini, como de diversos bispos, cuja presença seria assinalada, não só por Dom Demétrio, como em outras falas, inclusive na de Leonardo Boff. Daí a importância das palavras iniciais de saudação de Dom Demétrio, expressando solidariedade ao Congresso e fazendo memória do Concílio Vaticano II, a começar pela sua figura mais lembrada, o Papa João XXIII.
Há de se destacar, ainda por ocasião da abertura, a palavra encorajadora do Reitor da UNISINOS, anfitriã do Congresso. Foi muito feliz ao definir aquele Congresso como uma “experiência de discernimento eclesial”, a suscitar, à luz do profetismo, o exercício da hermenêutica tanto do Concílio Vaticano II quanto das narrativas de inúmeras experiências eclesiais protagonizadas por distintos sujeitos, dentre os quais as mulheres.
Coube ao teólogo Agenor Brighenti explicitar as grandes linhas e os objetivos do Congreso Continental de Teología. Num breve exercício retrospectivo dessa caminhada eclesial desde o Concílio Vaticano II, passando pela sua recepção na América Latina, chamou a atenção para o legado dos nossos padres da América Latina (Manuel Larraín, Leonidas Proaño, Helder Câmara, Sergio Arceo, Samuel Ruiz, dentre outros), bem como o de nossos teólogos da Libertação tanto os da primeira geração (G. Gutiérrez, H. Assmann, Juan Luiz Segundo, J. Comblin, Carlos Mesters, Leonardo Boff, Ronaldo Muñoz, Milton Schwantes, entre outros) quanto os das gerações seguintes. Ressaltou a expectativa de, a partir do exercício da memória profética e martirial, na América Latina e Caribe, também a de um esforço prospectivo em face dos desafios cruciais hoje entrentados. A propósito de José Comblin, especificamente, lhe foi dedicado um momento de homenagem especial, por parte de Pablo Richard, Eduardo Hoornaert e Luiz Carlos Susin.
2. Retalhos das conferências e intervenções acompanhadas: três destaques
2.1. Idéias-força recolhidas das conferêncais e intervenções - Do dia 7 ao dia 11, foram pronunciadas dezenas de exposições, entre conferências, painéis, oficinas, comunicações. Não me sendo possível fazer um passeio, ainda que rápido, sobre tantas exposições, trato de, primeiro, sublinhar algumas idéias-força que recolho em distintas intervenções; em seguida, elejo três casos que considero mais ilustrativos das inquietações mais fortes que me têm alimentado – estou certo, de tantas e tantos mais.
A recepção criativa do Concílio Vaticano II, na América Latina -
Eis, com efeito, uma idéia-força bem presente em várias conferências e painéis (Sobrino, Codina, Gutiérrez, para mencionar apenas esses nomes). Não se tratou de uma implantação ou de uma implementação do legado do Vaticano II na América Latina. Cuidou-se, antes - isto sim – de se receber a herança do Concílio com notável inventividade. Nesse ponto (também aqui), a reconhecida fecundidade do método Ver-Julgar-Agir cumpriu um papel decisivo. Urgia partir do contexto concreto dos povos da América Latina e do Caribe, de suas respectivas culturas, de seus desafios, de seus dramas, de suas esperanças, de suas alegrias. Aí ressoava criativamente o apelo de João XXIII e do Concílio ao “aggiornamento”.
De modo semelhante, deu-se em outros aspectos, como, por exemplo, na renovação litúrgica, no apelo de refontização, de volta às fontes. Aqui foi enfatizado por vários conferencistas, a justo título, a relevante contribuição de Carlos Mesters junto às CEBs, nos abençoados Círculos Bíblicos, para o que foi decisiva a reapropriação pelo Povo de Deus, no caso pelo povo dos pobres latino-americanos, da Palavra de Deus, que, durante séculos, havia sido indevidamente privatizada pela hierarquia. Em sua intervenção, Frei Betto falou de uma “eclesiofagia” que se teria operado, na América Latina e no Caribe, do legado do Concílio Vaticano II... Inclusive no modo como os pobres passaram a vivenciar uma intimidade mais forte com a Sagrada Escritura, dela exercitando uma releitura, a partir dos desafios do seu contexto.
- A centralidade nos pobres da mensagem evangélica – Eis um ponto sublinhado em quase todas as falas relativas às características fundamentais da Teologia da Libertação (de Gutiérrez a Geraldina Céspedes, passando por Sobrino, Codina, Boff, Jung Mo Sung, Queiruga, Libânio e outros e outras). Sobretudo a partir da Conferência de Medellín (1968), o Povo de Deus na América Latina e no Caribe, animado pelos seus pastores e profetas, passa a protagonizar uma história nova, inspirada no que estava anunciado, inclusive, no n. 8 da Lumen Gentium, do que resultou uma mudança considerável, inspirada no que passou a chamar-se “opção pelos pobres”. Também aqui restará forte a contribuição da Teologia da Libertação, desde a formulação de teólogos da primeira geração (José Comblin, Rubem Alves, Gustavo Gutiérrez, Hugo Assmann, Juan Luis Segundo, Ronaldo Muñoz...). Caberia à geração sucessora, a partir das balizas oferecidas pela geração precedente, potencializar a contribuição de caráter mais diretamente metodológico, à luz do método Ver-Julgar-Agir, do que resultarão melhor trabalhadas as chamadas mediações, não sem uma forte incursão por categorias mais próximas do Marxismo ou em franco diálogo com as ciências sociais, sempre partindo da situação social, econômica, política e cultural da América Latina e do Caribe (mediação sócio-analítica, nos termos da formulação de Clodovis Boff), à luz da Palavra de Deus cujo Espírito continua a soprar na história e nos sinais dos tempos (mediação hermenêutica), e inspirando e suscitando novas práticas, seja no âmbito social, seja no âmbito pastoral (mediação práxica). Graças a esse exercício articulado dessas mediações, vai-se observar, na América Latina, uma crescente efervescência dos movimentos e das pastorais sociais, ancorados no que se passou a chamar de “Igreja na Base” ou, na expressão de João XXIII, “Igreja dos Pobres”, de modo a protagonizar processos significativos de organização, de mobilização e de formação de distintos sujeitos coletivos, a exercerem uma crescente influência em sociedades latino-americanas, nomeadamente no Brasil e na América Central.
- O extraordinário impacto do novo modo de se ler a Bíblia - Não se dá por acaso a frequente remissão dos distintos grupos de participantes do Congresso (dos conferencistas aos painelistas, passando pelas celebrações) à força da Palavra de Deus, ao lugar privilegiado da Bíblia, não apenas para teólogos e teólogas. Tampouco se deu por acaso a frequência com que era citada uma figura emblemática, na animação desse processo: Carlos Mesters, trabalho especialmente potencializado pelo amplo apoio de órgãos como a CLAR (Conferência Latino-Americana dos Religiosos e Religiosas), o DEI (Departamento Ecuménico de Investigaciones, de San José da Costa Rica, do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos), de Servicios Koinonía, para mencionar apenas esses.
É, com efeito, bastante amplo e reiterado o reconhecimento da força transformadora da Sagrada Escritura, trabalhada sob a ótica dos pobres: das CEBs, das religiosas inseridas no meio popular, das pastorais e movimentos e serviços eclesiais (CIMI, CPT, CPO, PJMP, Comissão de Justiça e Paz, CDDHs, MER, ACR, entre outros). A esse respeito, colecionam-se belas histórias, inclusive, no combate à Ditadura Militar, por parte dessas comunidades, tantas vezes interrogadas pela polícia da Ditadura para apontar “quem era o cabeça desse movimento”, obtendo como resposta: “O Evangelho!” ou algo similar, como, ainda há pouco, num Seminário Teológico, em João Pessoa, recordava Dom José Maria Pires.
- Não se trata apenas de uma teologia da libertação, mas de uma Igreja da Libertação - Eis um outro enfoque recorrente em distintas falas. Como amplamente lembrado por tantos teólogos e teólogas da Libertação, a produção teológica é “ato segundo”, o mais importante é priorizar o processo de libertação (dos pobres, com os pobres, pelos pobres) – ato primeiro. Para isto deve servir a produção teológica. E isto não se dá sem consequências. Uma delas é a necessária implicação de quem faz esse tipo de teologia, em assumir as lutas dos pobres pela sua libertação. Aí subjaz o compromisso de sua prática política, não apenas de uma compreensão intelectual. Mas, aqui há de se reconhecer que os avanços foram bem aquém, à exceção de algumas experiências mais densas como, por exemplo, a que se vivenciou em Crateús – CE, com a animação de Dom Fragoso e toda uma equipe de agentes pastorais (leigas, leigos, religiosas, religiososo e ministros ordenados).
- A diversificação temática da Teologia da Libertação – Os pobres seguem sendo os grandes protagonistas da TdL. Sucede que os perfis dos pobres têm passado por uma crescente diversificação, para bem além do espectro estritamente econômico. Até mesmo esta dimensão se acha densamente implicada nas demais esferas da realidade (política, cultural, ecológica, religiosa, ideológica...). A exemplo do que já havia feito o Documento de Puebla (nn. 31-39), onde se estão bem descritos os diversos rostos dos pobres latino-americanos e caribenhos, naquele contexto histórico, aTdL também passou a reconhecer novas expressões de pobres: as mulheres, os povos indígenas, as comunidades quilombolas, os migrantes, os povos de rua, o movimento em defesa da dignidade da Terra como sujeito de direitos, a necessidade de se lutar pelos pobres como expressão de transculturalidade religiosa, as relações homoafetivas, entre utros desafios. Um exemplo ilustrativo, nesse terreno, tem sido a vasta produção do teólogo Leonardo Boff, entre outros, no campo da Ecoteologia, tal como a teólogo Ivone Gebara tem pontificado na área da Teologia Ecofeminista.
2.2. Três recortes ilustrativos das falas do Congreso Continental de Teología -
Reconhecendo, desde logo, o grau de arbitrariedade da escolha desses recortes, cuido de destacar três figuras que reputo representativas de três dentre os que estimo grandes aportes do Congreso: um primeiro caso, que situo na continuidade mais fiel do legado da primeira geração de teólogos da Libertação: Victor Codina; uma outra figura representativa da mais nova geração da Teologia da Libertação: a teóloga Geraldina Céspedes; e uma terceira figura a acenar mais diretamente para o plano do ecumenismo: o teólogo Sebastião Armando, da Igreja Anglicana. Isto, para dizer o mínimo, pois outras figuras deveriam ser igualmente contempladas, como por exemplo a fala (tive acesso apenas em áudio, que escutei três vezes) da jovem teóloga salvadorenha Mercedes Amador e o texto do teólogo mexicano Eleazar López Hernández, refletindo sobre o denso aporte da teologia índia.
Geraldina Céspedes - Ainda na primeira noite, após a abertura do Congresso, foi anunciada a conferência da teóloga Geraldina Céspedes, religiosa dominicana, nascida na República Dominica e atualmente missionando na Guatemala. Uma jovem teóloga da terceira geração da TdL. Eis os pontos de sua fala que mais me tocaram:
- grato reconhecimento do legado dos teólogos da primeira geração, fazendo-o com humildade, gratidão, alegria e, ao mesmo tempo, com liberdade e autonomia, dizendo-se disposta também a ensaiar uma “mirada para el futuro”;
- ensaia seu olhar para o futuro, a partir dos “de baixo”, em meio a quem vive, como missionária dominicana, num bairro pobre da Guatemala: “aonde ninguém quer ir”, dada a situação de militarização e de vilência aí presente; mas é também aí que a gente encontra uma gente alegre, bem-humorada, solidária;
- em nossa experiência, podemos encontrar dois tipos de espiritualidade: uma que reforça os valores do Mercado e outra que resiste aos mesmos;
- é preciso que tomemos o exemplo da criatividade das mulheres tecelãs, seu jeito de trabalhar distintos fios de suas histórias e de sua beleza, tecendo-os para transformá-los em algo distinto;
- a religião de mercado constitui um desfio para a nossa espiritualidade libertadora, à medida que o Mercado tudo transforma em mercadoria:o todo cambia en mercancia.
- A diversidade constitui outro fio a tecer. em nossa vivência: se somos uma aldeia global, também somos uma plural;
- A TdL deve ser instância crítica, no sentido libertador, de modo a favorecer o diálogo da diversidade, da autocrítica, o que nos deve levar à revisão, à autocrítica, pois também introjetamos valores colonialistas.
- o fazer teologia requer a capacidade de transgredir/transcender (termos que têm etimologia similar), de se desprogramar, de se desdomesticar, com liberdade: “salir de esta domesticación en la que muchas veces se convierten nuestras teologías”;
- para tanto, importa que empreendamos uma “desprogramação”, uma transgressão, que tem a mesma raiz de transcendência, no sentido de sermos capazes de ousar coisas novas, não seguir só o que está dado;
- empenhar-nos, com liberdade, por uma teologia e por uma pastoral que nos libertem, sem o que podemos transformar-nos naqueles passarinhos enjaulados, e a Bíblia nos dá muito embasamento nessa direção, a partir da pedagogia do samaritano;
- Geraldina propõe um fazer teológico que se inspire em três valores fundamentais: a ludicidade, a criatividade e a liberdade;
- fazer teologia com ludicidade, com gratuidade: diferentemente do espírito do Mercado, em que tudo se vende;
- fazer teologia como uma prática gozoza, na perspectiva da busca da felicidade, do bom viver entre as pessoas e com o Cosmo. Não raro, nós, teólogos e teólogas, com nosso discurso formal, ao modo de um falar “ex cathedra”, somos pessoas muito sisudas. Exercitar a ludicidade no fazer teológico pode ajudar-nos a combater nossas intolerâncias, a pretensão “à” verdade; essa mesma chave da ludicidade do fazer teológico ajuda-nos a exercer o nosso ofício com humildade, com simplicidade, com mais consciência da provisoriedade, de que nos dão exemplo as crianças quando brincam;
- propõe, como síntese, quanto à diversidade dos novos sujeitos, capazes de tecer uma história nova, três qiestões para dialogar, em busca de um fazer teológico mais significativo: levar em conta a biografia dos sujeitos, os corpos dos sujeitos; o tema do poder dos sujeitos;
- isto vai implicar um diálogo intergeracional, um diálogo intercultural, um diálogo de gênero, um diálogo ecológico, de modo a perceber-nos como um fio da trama da vida;
- outro fio destacado foi o da comunicação simbolizada sobremaneira pelos nava mídia alternativa, que emerge como um novo areópago, em nossos dias;- - reitera sua expectativa de que este Congresso seja, não um evento, mas um momento forte de um processo de uma caminhada pastoral e teológica capaz de responder aos novos desafios, por meio do nosso empenho em “vincular-nos”, em fazer comunidade, em não nos isolarmos nem fugirmos ddos desafios, mas tornando nossa a escolha de Maria ao visitar Isabel: vinculou-se!
Victor Codina – Partindo do tema que lhe foi proposto, o de refletir a caminhada da Igreja latino-americano, nesses cinquenta anos pós-Vaticano II, de modo a destacar, sobretudo as pendências, tratou Codina de ser reconhecidamente didático, claro, crítico, propositivo. Situou as condições históricas sócio-eclesiais que desembocaram no Concílio Vaticano II, aí tendo destacado a singularidade do Papa João XXIII, bem como vários textos do Concílio Vaticano II.
Partindo didaticamente da definição do conceito de “recepção”, passa, então, a sublinhar a forma criativa como o legado do Concílio Vaticano II recebido, na Igreja latino-americana, nas comunidades cristãs de base. Diferentemente do que se ouve dizer sobre uma pretensa “implementação” do Concílio Vaticano II na América Latina, o que, de fato, se deu foi uma recepção crítica, contextualizada e criativa do legado do Vaticano II.
É sob tal impulso que se dará a Conferência de Medellín, em 1968, quando se celebra o compromisso com a causa dos pobres, a “opção pelos pobres”, que muito deve ao método Ver-Julgar-Agir, inspirador da Ação Católica especializada. Nesse denso esforço de recepção criativa do legado do Concílio, as igrejas locais cumpriram importante papel, ao exercitarem sua condição de sujeitos dispostos ao diálogo, com autonomia e com abertura, sempre a partir do aprofundamento de seu contexto histórico concreto: o de um continente marcado pela pobreza, pela miséria, pela marginalização de enormes parcelas do seu povo. O grande diferencial que aí se deu, tem a ver com um cenário de martírio qua aí se agudizaria, para o que muito contribuiu o aprofundamento da Sagrada Escritura, quando dela se apropria o povo do pobres, fazendo uma leitura orante, contextualizada e comprometida da Sagrada Escritura. Altamente relevante a perspectiva da qual se parte, desde então, para se fazer Teologia da Libertação. Leitura orante, criticamente atenta aos sinais dos tempos, solícita aos apelos do Espirito, aberta às demandas e aspirações dos novos sujeitos emergentes.
Cordina foi dos mais enfáticos, ao chamar a atenção para a relevância e oportunidade de se trabalhar melhor uma Pneumatologia, dando assim seguimento ao enorme esforço de alguns teólogos, inclusive José Cmblin, nessa direção.
Perguntado sobre a eventual oportunidade da convocação de um novo concílio, sinalizou, antes, para sua preferência, antes, por um Jerusalém II, com a participação do conjunto das igrejas cristãs.
Em breve, Codina mostrou-se bastante convincente em sua análise, sempre a fazê-lo com notável discernimento e, sobretudo, trazendo questionamentos heurísticos como desafios e tarefas ao alcance da Teologia da Libertação, nas próximas décadas, sobretudo por meio da nova geração de teólogoa e teólogas.
Sebastião Armando Soares - De sua fala prefiro recolher em pequenos tópicos, como parecia dar a entender, em sua concisa e densa intervenção.
- Comunhão de igrejas locais, com autonomia e abertas à unidade com as demais igrejas espelhadas pelo mundo, inclusive a que goza de uma posição de fraterna de;
- Respeito ao “sensus fidelium” como princípio de toda elalbração doutrinal da Comunhão Anglicana. Isto implica incessante empenho na construção do consenso em meio a situações de conflitos;
- a inclusividade: atitude de acolhimento das pessoas em suas situações específicas concretas, em sua vasta diversidade;
- tentativa de combinar episcopado e o conjunto dos fiéis nas tomadas de decisão;
- exercício do espírito sinodal (bispos, clero, leigos e leigas)
- autonomia das igrejas locais e interdependência em relação à Igreja Mundial;
- Inculturação;
- Cinco marcas de eclesialidade:
* o anúncio do Evangelho como fonte de conversão;
* A “koinonía” – convivência, comunidade fundada na convivência;
* formação para a convivência;
* formação pelos sacramentos;
* formação para uma Igreja que sirva para três coisas:
+ servir aos mais necessitados;
+ servir para ajudar a transformar as estruturas injustas;
+ servir para cuidar dos bens da criação, o que implica o cuidado da Terra como sujeito de dignidade e de direitos.
3. Pontos das conferências que recolho com mais entusiasmo e esperança
- A recepção criativa do Concílio Vaticano II na América Latina e no Caribe Chama a atenção a força criativa com que foi acolhida a mensagem do Vaticano II, em nosso continente. Aqui se preferiu investir bem mais no espírito do Vaticano II (refontização, Povo de Deus, “aggiornamento”, ecumenismo, diálogo inter-religioso, colegialidade, justiça social, direitos humanos...) do que restringir-se à letra. É dessa releitura do apreço do Concílio justiça e pela paz, por ex., em Gaudium et Spes , ou a partir do n. 8 de Lumen Gentium, que se vai, na América Latina, desembocar na opção pelos pobres (sobretudo em Medellín e Puebla). O apelo à refontização, por sua vez, vai dar ensejo a toda uma belíssima caminhada de aprofundamento da familiaridade com a Sagrada Escritura, especialmente por meio da leitura orante da Bíblia, tão apreciada e tão vivenciada nos círculos bíblicos. Não foram à-toa as frequentes referências a Carlos Mesters, nesse sentido. Em breve, um exemplo bastante ilustrativo dessa recepção criativa pod-se observar na própriam Mensagem final do Congresso Continental de Teología, ao refereir-se ao bom Papa João, em sua conhecida expressão de Igrema como “mãe e mestra”, os e as participantes lembram que a comunidade eclesial caminha nesse rumo, à medida que, primeiro, vá se tornando “filha e discípula” do Seguimento de Jesus.
- A força da memória histórica do legado dos teólogos da primeira geração – E aqui, me vinha à lembrança, em conversas com Comblin, do enorme esforço que representou – para ele e para os demais colegas teólogos – dar conta da enciclopédica coletânea “Teologia e Libertação”, que visava a desenvolver os diferentes temas refletidos pela Teologia da Libertação. Projeto que, como lembrava Codina, implicava dezenas de obras (em torno de cinquenta), contando com uns quarenta teólogos, atuando em dupla, em grande parte. Dessa coletânea, apoiada por dezenas de bispos latino-americanos, José Comblin contribuiu com umas três, na área da Pneumatologia, no campo da Antropologia Cristã e no domínio da realidade social (sobre o Neoliberalismo, analisado sob a ótica cristã).
- A coragem profética do exercício do dissenso, na fidelidade à causa dos pobres – Mesmo durante o Concílio, a unidade desejada não se tornou uniformidade. Aí se observava a coexistência de posições, não apenas distintas, mas também por vezes antagônicas. Dentre as correntes ali presentes, como não lembrar a que foi protagonizada por algumas dezenas de bispos comprometidos com a causa dos pobres, como se mostrou tão bem no “Pacto das Catacumbas”, bem evocado por Jon Sobrino, durante esse Congreso Continental de Teología? Também aqui, a par de grandes espaços de entusiasmo e afinidades, fez-se presente o dissenso, principalmente entre representantes da nova geração de teólogos e teólogas, a clamarem por espaços mais amplos de interlocução, da qual participem mais ativamente distintos sujeitos emergentes, expressando correntes novas afins da TdL, tais como as/os jovens teólogos e teólogas, a teologia indígena, a teologia negra, a teologia que trabalha a diversidade humana, também no campo da homoafetividade, entre outras. Há de se trilhar aqui, quem sabe, veredas semelhantes às já percorridas no domínio da Ecoteologia, que ainda pode avançar consideravelmente, sobretudo no ítem acolhimento criativo.
4. Um questionamento con/provocativo
É de se saudar e acolher, com firmeza, o esforço prospectivo externado em algumas falas, tanto de teólogos da primeira geração (a exemplo do próprio Gutiérrez, a instigar os teólogos e teólogas da nova geração a seguirem estrada, com o desejável rigor teórico-metodológico (O o próprio Codina também acena nessa direção). Nesse sentido, é que encerro essas linhas com um questionamento marcado pela esperança:
Que atitudes e iniciativas concretas podemos esperar daquelas e daqueles teólogos (da primeira e das novas gerações) quanto ao esforço também combliniano (como o reconheceu e sublinhou Victor Codina) na perspectiva de se seguir aprofundando e ampliando as pesquisas no campo da Pneumatologia, sob a perspectiva da TdL?
Aqui importa registrar que a essas trilhas José Comblin dedicou mais de três décadas de trabalhos, culminando com uma meia dúzia de densos textos (seu livro-esboço O Espírito no Mundo data, como se sabe, de 1978!), de modo tal que seu livro póstumo (que está sendo lançado nesses dias) também é dedicado a essa mesma inquietação.
João Pessoa, 20 de outubro de 2012.
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sábado, 20 de outubro de 2012

Os soldados da nova evangelização

Os soldados da Nova Evangelização
No dia 12, eu fui entrevistado sobre o Sínodo para a TV holandesa por um amigo e colega chamado Stijn Fens. Ele é muito afiado e fez uma pergunta muito perspicaz. Um público-alvo para a Nova Evangelização, disse ele, são os católicos prescritos do Ocidente, sobretudo da Europa. A última vez que a Igreja Católica lançou uma campanha evangelizadora na Europa foi a Contrarreforma, disse ele, e os jesuítas foram os seus soldados. Quem, perguntou ele, serão os soldados da Nova Evangelização? Aqui está mais ou menos o que eu disse.

A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio do jornal National Catholic Reporter, 13-10-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Ouvindo atentamente o que os bispos disseram no Sínodo, a lista de potenciais agentes da Nova Evangelização que eles indicaram é desconcertantemente longa: as paróquias, as escolas e universidades católicas, a mídia, os leigos, as pequenas comunidades cristãs, e assim por diante. Se a questão, porém, é quem eles realmente parecem acreditar que virá quando as fichas forem poucas – em outras palavras, quem realmente serão os jesuítas da Nova Evangelização –, a resposta parece clara: os Novos Movimentos.

Por "novo movimento" estamos falando de grupos nascidos principalmente no século XX, cujo crescimento real ocorreu principalmente após o Concílio Vaticano II (1962-1965). Estes tendem a ser predominantemente grupos de leigos, com um forte sabor ad extra – ou seja, eles estão focados em se envolver com o mundo exterior, e não com os assuntos internos da Igreja ou de reforma.

Exemplos bem conhecidos incluem o Focolare, o Comunhão e Libertação, o Caminho Neocatecumenal, Schönstatt, a Comunidade Emanuel e Sant'Egidio (a lista de costume também incluiria o Opus Dei, embora tecnicamente ele não seja um movimento, mas sim uma prelazia).

Eu possuo um arquivo de texto com os resumos dos discursos do Sínodo divulgados a cada dia pela Sala de Imprensa do Vaticano – até hoje, ele contém um impressionante total de quase 100 mil palavras, e é preciso lembrar que esses não são os textos completos. Pelas minhas contas, os novos movimentos já foram mencionados 44 vezes, e ainda não estamos na metade do Sínodo.

"Um sinal do andamento da Nova Evangelização são os movimentos eclesiais e as novas comunidades que trazem essa bênção para a Igreja de hoje", disse Dom Donald Wuerl durante o "relatório antes da discussão" do dia 8.

"Todos apontam para a obra do Espírito Santo que envolve a Igreja hoje com aqueles que se afastaram", disse.

Da mesma forma, o cardeal Peter Erdő, da Hungria, chamou os movimentos de "uma verdadeira bênção para a Igreja", embora tenha acrescentado que eles precisam "evitar a tentação pós-moderna de se contentar com sentimentos e percepções particulares".

O cardeal polonês Stanislaw Rylko, presidente do Pontifício Conselho para os Leigos, exortou os bispos e os párocos a verem os movimentos como "um dom precioso, e não como um problema".

Dom Christopher Charles Prowse, bispo de Sale, Austrália, chamou os movimentos de "um grande dom do Espírito Santo" e disse que eles "ajudam a desenvolver de uma 'cultura de Pentecostes'".

Até mesmo o arcebispo Rowan Williams, de Canterbury, líder da Comunhão Anglicana mundial, se pronunciou a respeito. Durante o seu discurso ao Sínodo no dia 10, ele citou o movimento dos Focolares fundado pela leiga italiana Chiara Lubich como um exemplo do "hábito contemplativa" que ele defendeu ser essencial para a evangelização.

É claro, nem todo mundo transpirava um entusiasmo incondicional. Alguns oradores, como o arcebispo italiano Bruno Forte, deram a entender que os movimentos poderiam fazer um trabalho melhor ao apoiar os planos e as iniciativas pastorais globais das dioceses onde estão localizados, em vez de insistir em seguir por conta própria. Outros deixaram implícito que, no entusiasmo pelos movimentos, a Igreja não deveria esquecer as suas ordens religiosas tradicionais.

Mesmo assim, voltando à pergunta de Stijn, se você quiser saber a quantidade de bispos que parecem estar contando com os jogadores de defesa da Nova Evangelização, a resposta básica parece ser bastante clara.

Fazem 50 anos, de Martin Descalzo

Quinta, 18 de outubro de 2012

Concílio Vaticano II. “A primavera chegou”

“É assim que em um 11 de outubro de 1962, no meio do outono, para a Igreja nasceu uma nova e inesperada primavera. O sol que brilha nas alturas no momento de escrever estas linhas, o belo céu romano que acolheu pela primeira vez sob a sua cúpula 2.500 bispos de todo o mundo, são testemunhas: a primavera chegou. A nave do Concílio começou a singrar”, escreve José Luis Martín Descalzo, em sua crônica sobre o significado do Concílio Vaticano II. A crônica está publicada no sítio espanhol Religión Digital, 13-10-2012. A tradução é do Cepat.

Eis a crônica.

São 8h35: começa a aventura mais solene do século.

O Concílio Vaticano I terminou com uma impressionante tempestade. O Vaticano II teve como prólogo um aguaceiro sem fim. Toda a tarde de ontem – depois de alguns belos dias de outono – o céu de Roma se viu obscurecido por uma forte chuva. Como se a Providência tratasse de encadear este Concílio com o precedente.

- Se continuar assim, amanhã a chuva vai “estragar” o cortejo da praça – comenta alguém.

- Bah! – respondem ao meu lado: isto João XXIII resolve com 10 minutos de oração.

Não sei se o Papa rezaria ou não por este assunto. O certo é que esta manhã, ao abrir a janela do meu quarto, às 7h, o solo ainda estava úmido, da recente chuva; mas já no céu um sol tímido lutava com a branda neblina da manhã.

Meia hora depois, todas as ruas adjacentes à Praça São Pedro vomitavam caravanas de peregrinos. E, entre eles, andando, de carro, com sobrepelizes brancas, com capas vermelhas, com simples batinas e os ornamentos debaixo do braço, bispos, cardeais, patriarcas, meninos e embaixadores se encaminhavam para a basílica.

Diante de mim cruzam as sandálias de algumas Irmãs de Foucauld e a resplandecente púrpura do cardeal Quiroga, uma moça arrastada por sua mãe e uma velha jornalista americana, a quem empurram em um carrinho de rodas. Há em todos os olhos uma cintilante alegria, no qual se misturam o gozo de assistir a um inesquecível acontecimento sobrenatural com a pressa de conseguir um bom lugar na basílica.

Quando os nossos crachás de Imprensa nos abrem passagem para o interior, aqueles que deverão permanecer na praça nos olham com inveja. Falta uma hora para o início da cerimônia e há diante da basílica cerca de 100 mil pessoas.

O interior da Praça São Pedro era um prodígio de luz e cor. Excessivo? Sim, um pouco excessivo; mas não íamos apenas para celebrar uma liturgia, mas também para uma festa. Um quê de decoração teatral quase lhe ia bem.

Na Aula Conciliar alguns monsenhores revisavam os últimos detalhes. Os membros das 85 missões iam chegando com suas faixas nacionais, com suas franjas levemente fora do lugar. E, diante da tribuna das Embaixadas, os 28 observadores, sobre os quais se voltam todos os olhares neste momento. O que estariam estes homens pensando agora? O que sentirão diante deste prodigioso espetáculo de unidade? Saberão adivinhar, por trás do esplendor das cortinas, a simplicidade do Pescador, a de todos os verdadeiros católicos?

Por meio de um pequeno transmissor tentamos acompanhar a cerimônia que está sendo celebrada neste momento na Capela Sistina. Mal o conseguimos. A basílica está materialmente coberta de cabos elétricos e telefônicos que convertem em som as emissões da Rádio Vaticana. Conseguimos por fim ouvir o “Ave Maris Stella”, com o qual começa a cerimônia. São 8h35. Sob a invocação de Maria, a esposa do carpinteiro, começa a mais solene aventura do século. Boa estrela do mar vai nos conduzir.

Um rio de mitras brancas começou a entrar na basílica. Uma procissão de um quilômetro, semelhante a um desfile de barcos no mar. Vistas da cúpula nos dariam, depois, uma impressão de tochas oscilantes.

E, finalmente – são 9h30 –, o Papa chega. Todos o vimos: entrou chorando. Seus olhos alegres brilhavam hoje mais do que nunca entre as lágrimas de felicidade.

Toda a basílica se pôs, então, de pé. Um cardeal pediu os binóculos ao seu secretário e os dirigiu para a figura do Papa. Quatro dos observadores foram tomados pela curiosidade, abandonaram seus lugares e se precipitaram materialmente para o centro para ver a chegada do Papa. E os inflexíveis guardas suíços, talvez pela primeira vez, quebraram o protocolo deixando-os passar.

Os bispos estavam em dúvidas se aplaudiam o Papa no momento em que passasse diante deles; um ou outro o fazia como com medo de faltar ao respeito à mitra que tinha entre as mãos. Os prelados se entreolhavam um pouco indecisos, sem saber o que fazer. “Na hora da verdade, em relação aos Concílios somos todos novatos”, me dizia ontem um deles. Centenas de fotógrafos improvisados disparavam suas máquinas. E os profissionais, com suas teleobjetivas, longas como canhões, apontavam sem cessar para todos como se de um momento para o outro o Concílio fosse terminar.

Depois voltou a calma à basílica e começou a mais solene missa que recorde a História. Só a presença de Jesus fez mais soberanamente solene a da primeira Quinta-feira Santa. Ou talvez era simplesmente a mesma cerimônia que se prolongava 20 séculos depois? Sim, isto era o mais belo que ali estava acontecendo. Não o esplendor, não o número, nem as luzes, nem as cores.

Sentia-se que o mais importante da cerimônia era o calor que nos unia a todos, uns aos outros, os vivos e os mortos, subindo ao longo da história dos 20 Concílios até chegar ao dia em que Jesus enviou os seus apóstolos a pregar.

Sentia-se ali, viva como nunca, a alegria de ser filho da Igreja. E via esta Mãe, mais bela que nunca, adornada, não com ouro, nem tapetes, mas com as quatro joias únicas de sua unidade, de sua santidade, de sua catolicidade e de sua conexão direta com os apóstolos.

A procissão dos bispos e a oração unânime do Credo cantavam a unidade da Igreja; todos irmanados em uma mesma fé, em uma inalterável devoção ao Romano Pontífice, ao ancião que, sob o baldaquino, ria entre lágrimas. O que pensariam, ao contemplar isso, os 28 observadores? Não cruzaria por seu coração a mais viva nostalgia da unidade perdida? Que sentiram no momento em que João XXIII se deteve diante deles e, inclinando-se, os saudou com os braços abertos, com o coração muito mais aberto que os braços?

Ali estava a santa Igreja. Ao longo da missa observei tenaz, curiosa, quase inquisitorialmente, os rostos dos bispos. Eram homens que sabiam rezar, lhes garanto. Mas oravam sem tensão, sem posturas falsamente ascéticas, naturais, humildes. Uma santidade feliz, tanto que, quando durante a oração da ladainha os nomes dos santos ecoaram pela basílica, subiram ao longo dos muros, lamiendo as estátuas dos santos fundadores, sentia-se a divisão entre a Igreja militante que nós formamos e a Igreja triunfante que eles constituem. Eram ambas duas Igrejas triunfantes, uma, que já descansa no triunfo definitivo, e a outra que, dia a dia, constrói o humilde triunfo de Deus sobre a terra.

Ali também estava a Igreja católica, a que não distingue raças, nações, cores, povos, idades, modos de ser nem de pensar. Durante o desfile íamos reconhecendo as figuras mais egrégias ou conhecidas do Episcopado: “Aquele é o bispo de Hiroshima”. “Aquele é da Argélia”. “Aquele, o de Nova Orleans, que há pouco condenou os racistas”. “Aquele é dom Mendoza, o bispo peruano, benjamim do Concílio com seus 34 anos”. “Aquele, dom Carinci, que no dia 09 de novembro fará 100 anos”.

Ali estavam todos, muitos jovens, nascidos mais da metade em nosso século, outros com uma longa ancianidade; muitos com muitos anos de episcopado, dois nomeados há apenas quatro dias. Todos ali: os bispos da cúria romana e o bispo da Nova Zelândia, que percorreu milhares de quilômetros para chegar até aí, mas que não precisou trazer seu coração, que sempre esteve junto ao de Pedro.

Ali estava a Igreja apostólica. No lugar de honra da basílica, a estátua de bronze do apóstolo-pedra, coroada com a tríplice coroa e o anel do Pescador no dedo. Ali seu pé, gastado pelos beijos dos católicos há oito séculos, unidos, empalmados todos os velhos apóstolos, os doze pescadores que um dia abandonaram as redes e começaram a loucura de pregar as bem-aventuranças pelo mundo e que tiveram desde então milhares e milhares de filhos loucos na fé. Ali as tumbas dos Papas contemplariam com gozo esta Igreja pela qual eles lutaram, mas esplendorosa, mais crescida do que nunca, na figura dos 2.488 prelados que participaram da abertura esta manhã.

Sim, sentia-se como nunca, a alegria de ser católico, a felicidade, jamais merecida, de ter sido chamado a esta casa de todos que é Roma.

E na verdade Roma nunca foi tão casa de todos como hoje, às 11h05, enquanto os cardeais, bispos, abades e patriarcas prestavam a obediência a João XXIII. Mas, por acaso era aquilo uma cerimônia de “obediência”? O Papa abraçava a todos, dava-lhes palmadinhas nas costas, falava-lhes um a um, contava-lhes quem sabe quais coisas divertidas, víamos brilhar os dentes brancos de dom Rugamwa entre o sorriso, e as lágrimas correndo pelas bochechas do cardeal Wyszynski, lágrimas de alegria, como as que dissimuladamente o Papa secou pela segunda vez. E isto é a “obediência” entre os católicos? Não há nenhuma soleníssima, séria, adusta inclinação? Não, nada disso, até o beijo dos pés se fazia gesto caseiro, graciosamente filial diante da impressionante humanidade do homem que Deus colocou à frente da sua Igreja.

Em seguida, começaram as ladainhas. Enquanto isso, dei uma volta pelas naves laterais da basílica. Em um dos lugares havia um cavalheiro que parecia uma estampa arrancada do século XVI, com seu vestido barroco, com sua gorjeira branca. Acreditava não ser visto por ninguém. Rezava. Ali, longe da solenidade, do colorido da nave central, em uma pequena capela esquecida, um cristão simplesmente rezava. Nele senti representados os milhares e milhões de cristãos que terão vivido esta manhã “seu” concílio desde “seu” rincão. As monjas de clausura, os missionários que na África ainda sonham em conhecer a televisão, o lavrador que esta manhã teve que sair para arar os campos.

Depois, saí da praça.

Já são passados das 12h e ainda há cerca de 50.000 pessoas que aguardam a saída dos Padres. O céu está aberto, claríssimo, em um destes dias de outono que justamente tornaram famosos os outonos romanos quando o sol é alegre e todas as coisas tomam “uma cor de folha seca”.

A Sala de Imprensa está cheia de jornalistas que não puderam entrar na basílica e acompanham pela televisão a cerimônia. Muitos deles – que escrevem para jornais da tarde – a assistem diante da máquina de escrever, redigindo suas crônicas ao mesmo ritmo em que os acontecimentos se produzem. Ao fundo soam os telex, já comunicando-se com todas as redações do mundo. Há um jornalista que ouço redigindo sua crônica para Genebra por telefone. Outros folheam o discurso do Papa, que acabam de receber já traduzido, antes mesmo de o Papa pronunciá-lo, com o compromisso de honra de não transmiti-lo aos seus jornais antes que o Papa o tenha pronunciado.

Com o discurso em uma mão e um pequeno rádio na outra, me afasto da basílica e me interno nas ruas de Roma. O centro da cidade segue sua vida cotidiana. Os comércios abertos, pessoas sentadas às portas dos bares. “Os romanos – dizem – já viram de tudo”. E são muitos os filhos da Igreja que ainda não descobriram o que está acontecendo.

Ouço as palavras do Papa sobre este transfundo de ônibus, de homens precipitados que vão aos seus negócios, passando na frente de um bar no qual troa a última música da moda. E penso que nunca compreendi melhor a necessidade deste Concílio. Uma injeção de fé é necessária. Sorrio ao ver uma velhinha que vende loteria em um lugar e que está escutando, assim como eu, o discurso em seu rádio. “Você não vai à Praça São Pedro, reverendo” – me pergunta. Eu –acrescento – já teria gostado de ir, mas... é preciso ganhar para comer”.

Volto a me encaminhar na direção da Praça São Pedro, agora mais feliz. Talvez muitos dos que estão longe têm o coração mais próximo do que pensamos. E o discurso do Papa me vai calando fundo. Estou quase pálido de alegria com as coisas maravilhosas que ouço. Sim, isto deverá ser relido com calma, minuciosamente. Porque não é um discurso que se lê apressadamente; é todo o programa para um mundo diferente, um século no qual o mundo e a Igreja não voltarão a ser inimigos. Deverá ser relido, estudado novamente, saboreado, sim.

E eis-me aqui novamente na basílica, a tempo de receber a última bênção do Papa. É 1h20 da tarde. O Papa, traça sobre o mundo a sua bênção, e depois suas mãos fazem um gesto curiosíssimo: joga-as para frente, como se tratasse de empurrar a sua bênção para que chegasse mais longe.

Depois, se afasta, abençoando ainda mais, integralmente feliz, com os olhos luminosos, agora sem lágrimas.

O Concílio começou. Releio agora a preciosa oração que Santo Isidoro de Sevilha escreveu para os Concílios de Toledo e que esta manhã o Papa rezou como abertura deste Vaticano II: “Eis-nos aqui, Senhor, Espírito de Santidade, curvados pelo peso do pecado, mas reunidos em vosso nome. Vinde e permanecei conosco. Purificai os nossos corações; inspirai nossas ações e nossa conduta; mostrai-nos o que devemos fazer para, com a vossa ajuda, fazer inteiramente o que vós queirais. Não permitais que faltemos à justiça, vós que sois a própria equidade. Que a ignorância não nos faça errar, nem a simpatia nos desvie. Que nem o interesse nem o favoritismo nos conduzam ao mal. Ata-nos com eficácia da vossa Graça para que em nada nos afastemos da verdade”.

Poderá Deus não escutar esta humilde oração que toda a Igreja levantou a Ele há algumas horas? Seu Evangelho, como único guia, foi o centro desta assembleia, colocado em um belo trono, mais solene, mais central que o do próprio Pontífice. Porque o Evangelho dará ao mundo a luz que o mundo necessita agora que a Igreja se dispõe a olhar-se n’Ele como um espelho. “Diz-se que o mundo envelhece – dizia um tempo atrás o Papa. Não é absolutamente verdade, não envelhece. Cristo o rejuvenesce todas as manhãs”.

É assim que em um 11 de outubro de 1962, no meio do outono, para a Igreja nasceu uma nova e inesperada primavera. O sol que brilha nas alturas no momento de escrever estas linhas, o belo céu romano que acolheu pela primeira vez sob a sua cúpula 2.500 bispos de todo o mundo, são testemunhas: a primavera chegou. A nave do Concílio começou a singrar.

Adolpho Nicolas, geral da Cia. de Jesus


EL PADRE GENERAL  DE LA COMPAÑÍA DE JESÚS EN EL SÍNODO DE OBISPOS


Viniendo de una orden misionera, siento la obligación de reflexionar sobre nuestra historia. Difícilmente podemos pensar en una Nueva Evangelización a menos que estemos seguros de que hemos aprendido de la Primera Evangelización, tanto de nuestros aciertos como de nuestros errores, así como de las insuficiencias que sufrimos en el deseo de comunicar el Evangelio.

 

Vengo de una Tradición en la que fuimos alentados y entrenados en el propósito de encontrar a Dios en todas las cosas, en todos los acontecimientos y situaciones. San Ignacio tomó esta idea, sin duda,  del Nuevo Testamento, donde, por ejemplo, San Pablo en su famoso discurso en el Areópago cita uno de los poetas clásicos diciendo: “en Él (esto es, en Dios) vivimos, nos movemos y somos” (Hechos 17:27-28). Dios está presente y activo en cada comunidad humana, incluso si no somos capaces de notar cómo o la profundidad de su presencia.

 

Pues bien, temo que nosotros, los misioneros, no hemos buscado a Dios en todas las cosas con suficiente profundidad y por eso no hemos contribuido a la vida de la Iglesia con los descubrimientos que debimos hacer. No estoy culpando de ninguna forma a los misioneros en general, hablo solamente desde mi propia tradición, mi propia experiencia y mi propio grupo misionero. Estoy seguro de que muchos misioneros, incluso otros jesuitas lo han hecho mejor que yo.

 

Ciertamente, hemos intentado ser positivos en nuestra visión de otras culturas y tradiciones. Pero me temo que lo que hemos visto han sido en su mayoría, signos de Fe y Santidad occidentales (inclusive el Instrumentum Laboris, hablando de los frutos de la Fe, señala en los Números 122 al 128 algunos signos, excelentes en si mismos y fácilmente reconocibles por las Iglesias de Occidente). No hemos incursionado con suficiente profundidad en las culturas en las que el Evangelio se proclamó de modo de ver esa parte del Reino de Dios que ya estaba ahí, enraizada y activa en los corazones y las relaciones de las personas. No tuvimos demasiadas ganas de encontrar el “factor sorpresa” en la obra del Espíritu Santo, que hace crecer la semilla aun cuando el sembrador está dormido o el misionero ausente.

 

Estoy convencido de que esto se puede aplicar a la Missio ad Gentes así como a la Nueva Evangelización en el mundo moderno. Hasta donde sé, cada generación se queja de la siguiente, y considera que algo de la sabiduría del pasado se ha perdido. Y sin embargo, el Espíritu de Dios no ha estado ocioso, sino trabajando en los corazones de las personas y en las percepciones de los sabios. Toca a nosotros escuchar con mayor atención y una inmensa humildad para reconocer la voz de Dios donde no esperamos que pueda ser escuchada.

 

Recuerdo que en mis años de seminarista me impresionó mucho un estudio sobre la Revelación en el Concilio de Trento, que publicaron los entonces profesores Karl Rahner y Joseph Ratzinger. Según ellos, cuando el Concilio de Trento hablaba de las “Escrituras”, se refería al Antiguo Testamento, mientras que cuando hablaba del Evangelio, consideraba que el Evangelio estaba presente en dos lugares: En los escritos del Nuevo Testamento y -aquí estaba la sorpresa- en los corazones de los fieles.

 

Al no prestar suficiente atención a cómo Dios se manifiesta y ha estado trabajando en los pueblos que encontramos, nos perdimos pistas, intuiciones y descubrimientos importantes. Por eso, es ahora el momento de aprender de esta historia, de las carencias de la Primera Evangelización, y tiene que ser antes de pasar a la Nueva. Muchas cosas buenas han pasado, que vamos a querer mantener, desarrollar y celebrar. Al mismo tiempo somos conscientes de todos los errores cometidos, sobre todo cuando no se escuchó del todo a las personas, cuando juzgamos con enorme superficialidad los méritos de culturas y tradiciones ricas y antiguas, al imponer formas de culto que, en el mejor de los casos, no expresan las relaciones y sensibilidad de la gente cuando se volvían hacia Dios en oración y alabanza.

 

La plenitud en Cristo necesita de la contribución de todos los pueblos y todas las culturas. Hay muchas lecciones que podemos aprender del pasado, y que pueden ser de gran ayuda Nueva Evangelización. Permítanme solamente mencionar, brevemente,  algunas antes de terminar:

 

1. La importancia de “las maneras de humildad” para comunicar el Evangelio.

 

2. La necesidad de afirmar “la verdad acerca de nuestra limitada e imperfecta humanidad” en todo lo que decimos y proclamamos, sin rasgos de Triunfalismo.

 

3. La simplicidad del mensaje que tratamos de comunicar, sin complicaciones o racionalizaciones excesivas que lo vuelvan opaco e incomprensible.

 

4. Generosidad al reconocer la obra de Dios en la vida y la historia de los pueblos, acompañada de sincera admiración, alegría y esperanza cada vez que encontremos en otros bondad y dedicación.

 

5. Que el mensaje más creíble es el que se procede de nuestra vida, tomada totalmente y guiada por el Evangelio de Jesucristo.

 

6. Que el Perdón y la Reconciliación son los atajos más útiles al corazón del Evangelio.

 

7. Que el Mensaje de la Cruz es mejor comunicado a través de la muerte (de si mismo y sus objetivos limitados) del misionero.

 

Gracias por vuestra atención.

 

P. Adolfo NICOLÁS PACHÓN, S.I.

Prepósito General de la Compañía de Jesús

11 octubre 2012

domingo, 14 de outubro de 2012

Homilia dia 14 de Outubro 2012. Catedral de Botucatu..


VER    O Dr. Edmundo que foi o médico da nossa família, era agnóstico, de frases cortantes. Uma delas me acompanhou vida a fora: - Os que vão muito `a Igreja, serão os últimos a   chegar no céu... se ainda as portas estiverem abertas!”

            O Evangelho de hoje nos guardou o diálogo de um judeu religioso com Jesus: - Cumpro os 10 mandamentos. Falta ainda alguma coisa?  Sim. - Na verdade, segundo Jesus, faltava muito.  O homem que escrupulosamente cumpria as prescrições da sua religião, tinha entendido como ponto de chegada, Jesus considerava não mais do que o ponto de partida.

 

            Algo semelhante como o Zé Evaristo que nunca se abalou com os textos evangélicos: - Dou roupa, comida e garanto educação aos meus filhos... E isso não basta?

            No hospital nos disse o médico. Bem, pelo menos o doente está respirando! Nos esperávamos muito mais: que pudesse comer, falar, sair da cama e voltar à casa, retomar sua vida...

 

JULGAR  # PORQUE - Artistas de cinema, que TIVERAM tudo e não foram feliz!

            # Jovem matou por um par de tênis Nick... não para comer, mas para ser gente  

            # Os maiores responsáveis pela sociedade violenta, são os que sustentam a propaganda para o consumo insaciável;  os que pagam salários astronômicos a jogadores de futebol, a artistas de novelas... reservando ordenados de fome aos professores da Primaria

 

ESTAMOS NUMA SOCIEDADE  COM ABUNDANCIA DE MEIOS E CARENCIA DE  METAS.

- Não se eliminam as  VIOLENCIAS com outras mais, ou  com POLICIA E CADEIA, MAS COM EDUCAÇÃO E VALORES MAIORES.

 

AGIR Ao lado de gestos de maldição, vamos proclamar sementes de salvação. 

@  Famílias saem para as  férias, com binóculos e rifles, porque, por patriotismo, vão caçar indocumentados na fronteira de México com Usa.  Mas há também os que fazem o mesmo trajeto colocando agua e comida por onde passam os migrantes, com uma bandeira amarela, para que de longe possam saber onde há esperança de vida.

            @ Médicos gastam suas férias ajudando nos países mais pobres do mundo.

            @ Além das Catedrais de cristal, e das festas eclesiásticas pirotécnicas, com profusão de            demônios e “curas”,  surgem comunidades samaritanas debruçando-se sobre os caídos          da vida

            @ Ao lado dos que usam a religião para enriquecer-se, há gente como Moises, no Haiti, quase cego, sem trabalho, que desde o Terremoto recolheu 9 órfãos e se desdobra para dar-lhes roupa, escola e pelo menos uma comida diária

- Em cada persona que sofre a Igreja reconhece a presença do seu fundador. Deus espera que pessoas, famílias, países, jogadores, artistas aceitem viver com menos, para que muitos possam viver mais, com dignidade, sem medo, com os remédios que precisam.

                        Não é o que diz Senhor, Senhor... A mim o fizeste.

 

sábado, 6 de outubro de 2012

O poder absoluto na Igreja. PARA DEBATES


Como se formou o poder monárquico-absolutista dos Papas

A crise da Igreja-instituicão-hierarquia se radica na absoluta concentração de poder na pessoa do Papa, poder exercido de forma absolutista e distanciado de qualquer participação dos cristãos, criando obstáculos praticamente intransponíveis para o diálogo ecumênico com as outras Igrejas.

Não foi assim no começo. A Igreja era uma comunidade fraternal. Não havia ainda a figura do Papa. Quem comandava na Igreja era o Imperador pois ele era o Sumo Pontífice (Pontifex Maximus) e não o bispo de Roma ou de Constantinopla, as duas capitais do Império. Assim o imperador Constantino convocou o primeiro concílio ecumênico de Nicéia (325) para decidir a questão da divindade de Cristo. Ainda no século VI o imperador Justiniano que refez a união das duas partes do Império, a do Ocidente e a do Oriente, reclamou para si o primado de direito e não o do bispo de Roma. No entanto, pelo fato de em Roma estarem as sepulturas de Pedro e de Paulo, a Igreja romana gozava de especial prestígio, bem como o seu bispo que diante dos outros tinha a “presidência no amor” e o “exercia o serviço de Pedro” o de “confirmar na fé” e não a supremacia de Pedro no mando.

Tudo mudou com o Papa Leão I (440-461), grande jurista e homem de Estado. Ele copiou a forma romana de poder que é o absolutismo e o autoritarismo do Imperador. Começou a interpretar em termos estritamente jurídicos os três textos do Novo Testamento atinentes a Pedro: Pedro como pedra sobre a qual se construiria a Igreja (Mt 16,18), Pedro, o confirmador da fé (Lc 22,32) e Pedro como Pastor que deve tomar conta das ovelhas (Jo 21,15). O sentido bíblico e jesuânico vai numa linha totalmente contrária: do amor, do serviço e da renúncia a toda supremacia. Mas predominou a leitura do direito romano absolutista. Consequentemente Leão I assumiu o título de Sumo Pontífice e de Papa em sentido próprio. Logo após, os demais Papas começaram a usar as insígnias e a indumentária imperial (a púrpura), a mitra, o trono dourado, o báculo, as estolas, o pálio, a cobertura de ombros (mozeta), a formação dos palácios com sua corte e a introdução de hábitos palacianos que perduram até os dias de hoje nos cardeais e nos bispos, coisa que escandaliza não poucos cristãos que leem nos Evangelhos que Jesus era um operário pobre e sem aparato.

 Mas há um fenômeno para nós de difícil compreensão: no afã de legitimar esta transformação e de garantir o poder absoluto do Papa, forjou-se uma série de documentos falsos. Primeiro, uma pretensa carta do Papa Clemente (+96), sucessor de Pedro em Roma, dirigida a Tiago, irmão do Senhor, o grande pastor de Jerusalém. Nela se dizia que Pedro, antes de morrer, determinara que ele, Clemente, seria o único e legítimo sucessor. E evidentemente os demais que viriam depois. Falsificação maior foi ainda a famosa Doação de Constantino, um documento forjado na época de Leão I segundo o qual Constantino teria dado ao Papa de Roma como doação todo Império Romano. Mais tarde, nas disputas com os reis francos, se criou outra grande falsificação as Pseudodecretais de Isidoro que reuniam falsos documentos e cartas como se viessem dos primeiros séculos que reforçavam o primado jurídico do Papa de Roma. E tudo culminou com o Código de Graciano no século XIII tido como base do direito canônico, mas que se embasava em falsificações de leis e normas que reforçavam o poder central de Roma, não obstante, cânones verdadeiros que circulavam pelas igrejas. Logicamente, tudo isso foi desmascarado mais tarde sem qualquer modificação no absolutismo dos Papas.

Verificou-se posteriormente um crescendo no poder dos Papas: Gregório VII (+1085) em seu Dictatus Papae (“a ditadura do Papa”) se autoproclamou senhor absoluto da Igreja e do mundo; Inocêncio III (+1216) se anunciou como vigário-representante de Cristo e por fim, Inocêncio IV(+1254) se arvorou em representante de Deus. Como tal, sob Pio IX em 1870, o Papa foi proclamado infalível em campo de doutrina e moral. Curiosamente, todos estes excessos nunca foram retratados e corrigidos pela Igreja hierárquica.

# Os verdadeiros vigários-representantes de Cristo, segundo o Evangelho (Mt 25,45) são os pobres, os sedentos e os famintos.