TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO EM
RETROPROSPECTIVA:
anotações em torno do
recente Congreso Continental de Teología
Alder Júlio Ferreira
Calado
O Congreso Continental de Teología foi
encerrado quinta-feira, dia 11/10/2012, em São Leopoldo – RS. Após toda uma
densa sementeira de reflexões e relatos de experiências de uma teologia
testemunhal, assim se se fez nesses cinco dias de sua realização, num ambiente
de confraternização entre centenas de pessoas (em torno de 750 participantes!),
vindas de diferentes regiões da América Latina e do Caribe, outras da América do
Norte e distintos países de outros continentes. Gente envolvendo-se em vários
espaços - conferências, painéis, oficinas, comunicações científicas,
celebrações, numa bem articulada tessitura de exercícios de memória e de ousadia
prospectiva, que se quer alimentadas pelo esforço da práxis do cotidiano à luz
da fé que brota da força do Espírito.
Nesse sentido, as próprias celebrações, aí
vividas como fonte de inspiração – inclusive a celebração de encerramento! –
ajudam a confirmar tal percepção, até (como é o caso) para quem só pôde
acompanhar “de longe” esse acontecimento de reconhecida referência, na caminhada
da Teologia da Libertação e das comunidades cristãs de base.
Não tendo dele participado fisicamente,
empenhei-me vivamente em acompanhá-lo como pude: pela internet, assistindo a um
número considerável de conferências e intervenções (de Agenor Brighenti, de
Geraldina Céspedes, de Jon Sobrino, de Pedro Ribeiro de Oliveira, de Jung Mo
Sung, de Victor Codina, de João Batista Libânio, de Maria Clara Bingemer, de
Francisco Witaker, de Socorro Martinez e de José Sanchez y Sanchez, de Leonardo
Boff, de Frei Betto, de Gustavo Gutiérrez, de Andrés Torres Quiruga, de Peter
Phen, de Luiz Carlos Susin, de Eleazar López Hernández (texto), de Sebastião
Armando, de Marilú Rojas e Carlos Mendoza Álvarez, da jovem teóloga salvadorenha
Mercedes Amador (cf. áudio: http://www.ivoox.com/mercedesamador-audios-mp3_rf_1488788_1.html),
além do belo relato feito pela teóloga Socorro Martinez e pelo teólogo José
Sanchez y Sanchez, das Jornadas Teológicas preparatórias do Congresso, assim
como das saudações iniciais (Dom Demétrio Valentini, das palavras de boas-vindas
dadas aos presentes, inclusive diversos bispos (católicos, anglicanos) que lá
estiveram, inclusive o nosso querido Dom José Maria Pires (testemunha
emblemática dessa caminhada, antes, durante e depois do Concílio Vaticano II, e
de figuras históricas como o Pe. José Marins, presente; Sérgio Torres, lembrado
também na fala de seu amigo fraterno Gustavo Gutiérrez), de algumas celebrações,
da síntese lida em grupo, ao final do Congresso. Estou consciente de quantas
coisas me escaparam: as oficinas, as comunicações, as conversas calorosas nos
corredores daquele ambiente...
Trato, aqui, de destacar alguns pontos que mais
me impactaram, bem como alguns desafios, sem deixar de levantar, de passagem, um
ou outro questionamento, fazendo-o com o propósito de seguir dialogando para
além desse marcante acontecimento, afinal esse Congresso não se quer um
“evento”, mas antes um momento de um processo, como lembrava, a justo título, a
teóloga Geraldina Céspedes.
Num congresso com características tão complexas
e vastas – geográficas (com traços de distintas regiões da América Latina e do
Caribe, além de representações da América do Norte, da Europa, da Ásia...);
culturais, de gênero, de etnia, geracionais, de intensa diversidade temática,
trabalhada por diferentes teólogos e teólogas palestrantes (quase todos
católicos...), participantes de painéis, oficinas, com participantes dos mais
distintos segmentos da Igreja Católica e de outras Igrejas Cristãs, etc. -,
resulta difícil – mesmo a quem “de dentro” tenha participado - pretender-se uma
síntese que dê conta satisfatoriamente da imensa diversidade de fios aí tecidos.
Não tendo participado fisicamente dessa experiência, o que mal está ao meu
alcance propor, é um breve registro de alguns pontos que mais me impactaram, a
partir dos quais destacar alguns questionamentos ou provocações
fraternas.
1. Das intervenções de abertura
Num contexto intra-eclesial de notórias
adversidades enfrentadas pela “Igreja na Base” – convindo assinalar que, a certa
altura, graças a pressões em contrário, até dúvida se teve da realização do
Congresso (lembrar carta-alerta do Pe. José Marins) -, resulta confortadora a
presença, não apenas de Dom Demétrio Valentini, como de diversos bispos, cuja
presença seria assinalada, não só por Dom Demétrio, como em outras falas,
inclusive na de Leonardo Boff. Daí a importância das palavras iniciais de
saudação de Dom Demétrio, expressando solidariedade ao Congresso e fazendo
memória do Concílio Vaticano II, a começar pela sua figura mais lembrada, o Papa
João XXIII.
Há de se destacar, ainda por ocasião da
abertura, a palavra encorajadora do Reitor da UNISINOS, anfitriã do Congresso.
Foi muito feliz ao definir aquele Congresso como uma “experiência de
discernimento eclesial”, a suscitar, à luz do profetismo, o exercício da
hermenêutica tanto do Concílio Vaticano II quanto das narrativas de inúmeras
experiências eclesiais protagonizadas por distintos sujeitos, dentre os quais as
mulheres.
Coube ao teólogo Agenor Brighenti explicitar as
grandes linhas e os objetivos do Congreso Continental de Teología. Num breve
exercício retrospectivo dessa caminhada eclesial desde o Concílio Vaticano II,
passando pela sua recepção na América Latina, chamou a atenção para o legado dos
nossos padres da América Latina (Manuel Larraín, Leonidas Proaño, Helder Câmara,
Sergio Arceo, Samuel Ruiz, dentre outros), bem como o de nossos teólogos da
Libertação tanto os da primeira geração (G. Gutiérrez, H. Assmann, Juan Luiz
Segundo, J. Comblin, Carlos Mesters, Leonardo Boff, Ronaldo Muñoz, Milton
Schwantes, entre outros) quanto os das gerações seguintes. Ressaltou a
expectativa de, a partir do exercício da memória profética e martirial, na
América Latina e Caribe, também a de um esforço prospectivo em face dos desafios
cruciais hoje entrentados. A propósito de José Comblin, especificamente, lhe foi
dedicado um momento de homenagem especial, por parte de Pablo Richard, Eduardo
Hoornaert e Luiz Carlos Susin.
2. Retalhos das conferências e
intervenções acompanhadas: três destaques
2.1. Idéias-força recolhidas das
conferêncais e intervenções - Do dia 7 ao dia 11, foram pronunciadas dezenas
de exposições, entre conferências, painéis, oficinas, comunicações. Não me sendo
possível fazer um passeio, ainda que rápido, sobre tantas exposições, trato de,
primeiro, sublinhar algumas idéias-força que recolho em distintas intervenções;
em seguida, elejo três casos que considero mais ilustrativos das inquietações
mais fortes que me têm alimentado – estou certo, de tantas e tantos mais.
A recepção criativa do Concílio Vaticano II, na
América Latina -
Eis, com efeito, uma idéia-força bem presente
em várias conferências e painéis (Sobrino, Codina, Gutiérrez, para mencionar
apenas esses nomes). Não se tratou de uma implantação ou de uma implementação
do legado do Vaticano II na América Latina. Cuidou-se, antes - isto sim – de se
receber a herança do Concílio com notável inventividade. Nesse ponto (também
aqui), a reconhecida fecundidade do método Ver-Julgar-Agir cumpriu um papel
decisivo. Urgia partir do contexto concreto dos povos da América Latina e do
Caribe, de suas respectivas culturas, de seus desafios, de seus dramas, de suas
esperanças, de suas alegrias. Aí ressoava criativamente o apelo de João XXIII e
do Concílio ao “aggiornamento”.
De modo semelhante, deu-se em outros aspectos,
como, por exemplo, na renovação litúrgica, no apelo de refontização, de volta às
fontes. Aqui foi enfatizado por vários conferencistas, a justo título, a
relevante contribuição de Carlos Mesters junto às CEBs, nos abençoados Círculos
Bíblicos, para o que foi decisiva a reapropriação pelo Povo de Deus, no caso
pelo povo dos pobres latino-americanos, da Palavra de Deus, que, durante
séculos, havia sido indevidamente privatizada pela hierarquia. Em sua
intervenção, Frei Betto falou de uma “eclesiofagia” que se teria operado, na
América Latina e no Caribe, do legado do Concílio Vaticano II... Inclusive no
modo como os pobres passaram a vivenciar uma intimidade mais forte com a Sagrada
Escritura, dela exercitando uma releitura, a partir dos desafios do seu
contexto.
- A centralidade nos pobres da mensagem
evangélica – Eis um ponto sublinhado em quase todas as falas relativas às
características fundamentais da Teologia da Libertação (de Gutiérrez a Geraldina
Céspedes, passando por Sobrino, Codina, Boff, Jung Mo Sung, Queiruga, Libânio e
outros e outras). Sobretudo a partir da Conferência de Medellín (1968), o Povo
de Deus na América Latina e no Caribe, animado pelos seus pastores e profetas,
passa a protagonizar uma história nova, inspirada no que estava anunciado,
inclusive, no n. 8 da Lumen Gentium, do que resultou uma mudança
considerável, inspirada no que passou a chamar-se “opção pelos pobres”. Também
aqui restará forte a contribuição da Teologia da Libertação, desde a formulação
de teólogos da primeira geração (José Comblin, Rubem Alves, Gustavo Gutiérrez,
Hugo Assmann, Juan Luis Segundo, Ronaldo Muñoz...). Caberia à geração sucessora,
a partir das balizas oferecidas pela geração precedente, potencializar a
contribuição de caráter mais diretamente metodológico, à luz do método
Ver-Julgar-Agir, do que resultarão melhor trabalhadas as chamadas mediações, não
sem uma forte incursão por categorias mais próximas do Marxismo ou em franco
diálogo com as ciências sociais, sempre partindo da situação social, econômica,
política e cultural da América Latina e do Caribe (mediação sócio-analítica, nos
termos da formulação de Clodovis Boff), à luz da Palavra de Deus cujo Espírito
continua a soprar na história e nos sinais dos tempos (mediação hermenêutica), e
inspirando e suscitando novas práticas, seja no âmbito social, seja no âmbito
pastoral (mediação práxica). Graças a esse exercício articulado dessas
mediações, vai-se observar, na América Latina, uma crescente efervescência dos
movimentos e das pastorais sociais, ancorados no que se passou a chamar de
“Igreja na Base” ou, na expressão de João XXIII, “Igreja dos Pobres”, de modo a
protagonizar processos significativos de organização, de mobilização e de
formação de distintos sujeitos coletivos, a exercerem uma crescente influência
em sociedades latino-americanas, nomeadamente no Brasil e na América Central.
- O extraordinário impacto do novo modo de
se ler a Bíblia - Não se dá por acaso a frequente remissão dos distintos
grupos de participantes do Congresso (dos conferencistas aos painelistas,
passando pelas celebrações) à força da Palavra de Deus, ao lugar privilegiado da
Bíblia, não apenas para teólogos e teólogas. Tampouco se deu por acaso a
frequência com que era citada uma figura emblemática, na animação desse
processo: Carlos Mesters, trabalho especialmente potencializado pelo amplo apoio
de órgãos como a CLAR (Conferência Latino-Americana dos Religiosos e
Religiosas), o DEI (Departamento Ecuménico de Investigaciones, de San José da
Costa Rica, do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos), de Servicios Koinonía, para
mencionar apenas esses.
É, com efeito, bastante amplo e
reiterado o reconhecimento da força transformadora da Sagrada Escritura,
trabalhada sob a ótica dos pobres: das CEBs, das religiosas inseridas no meio
popular, das pastorais e movimentos e serviços eclesiais (CIMI, CPT, CPO, PJMP,
Comissão de Justiça e Paz, CDDHs, MER, ACR, entre outros). A esse respeito,
colecionam-se belas histórias, inclusive, no combate à Ditadura Militar, por
parte dessas comunidades, tantas vezes interrogadas pela polícia da Ditadura
para apontar “quem era o cabeça desse movimento”, obtendo como resposta: “O
Evangelho!” ou algo similar, como, ainda há pouco, num Seminário Teológico, em
João Pessoa, recordava Dom José Maria Pires.
- Não se trata apenas de uma teologia da
libertação, mas de uma Igreja da Libertação - Eis um outro enfoque
recorrente em distintas falas. Como amplamente lembrado por tantos teólogos e
teólogas da Libertação, a produção teológica é “ato segundo”, o mais importante
é priorizar o processo de libertação (dos pobres, com os pobres, pelos pobres) –
ato primeiro. Para isto deve servir a produção teológica. E isto não se dá sem
consequências. Uma delas é a necessária implicação de quem faz esse tipo de
teologia, em assumir as lutas dos pobres pela sua libertação. Aí subjaz o
compromisso de sua prática política, não apenas de uma compreensão intelectual.
Mas, aqui há de se reconhecer que os avanços foram bem aquém, à exceção de
algumas experiências mais densas como, por exemplo, a que se vivenciou em
Crateús – CE, com a animação de Dom Fragoso e toda uma equipe de agentes
pastorais (leigas, leigos, religiosas, religiososo e ministros
ordenados).
- A diversificação temática da Teologia da
Libertação – Os pobres seguem sendo os grandes protagonistas da TdL. Sucede
que os perfis dos pobres têm passado por uma crescente diversificação, para bem
além do espectro estritamente econômico. Até mesmo esta dimensão se acha
densamente implicada nas demais esferas da realidade (política, cultural,
ecológica, religiosa, ideológica...). A exemplo do que já havia feito o
Documento de Puebla (nn. 31-39), onde se estão bem descritos os diversos rostos
dos pobres latino-americanos e caribenhos, naquele contexto histórico, aTdL
também passou a reconhecer novas expressões de pobres: as mulheres, os povos
indígenas, as comunidades quilombolas, os migrantes, os povos de rua, o
movimento em defesa da dignidade da Terra como sujeito de direitos, a
necessidade de se lutar pelos pobres como expressão de transculturalidade
religiosa, as relações homoafetivas, entre utros desafios. Um exemplo
ilustrativo, nesse terreno, tem sido a vasta produção do teólogo Leonardo Boff,
entre outros, no campo da Ecoteologia, tal como a teólogo Ivone Gebara tem
pontificado na área da Teologia Ecofeminista.
2.2. Três recortes ilustrativos das falas do
Congreso Continental de Teología -
Reconhecendo, desde logo, o grau de
arbitrariedade da escolha desses recortes, cuido de destacar três figuras que
reputo representativas de três dentre os que estimo grandes aportes do Congreso:
um primeiro caso, que situo na continuidade mais fiel do legado da primeira
geração de teólogos da Libertação: Victor Codina; uma outra figura
representativa da mais nova geração da Teologia da Libertação: a teóloga
Geraldina Céspedes; e uma terceira figura a acenar mais diretamente para o plano
do ecumenismo: o teólogo Sebastião Armando, da Igreja Anglicana. Isto, para
dizer o mínimo, pois outras figuras deveriam ser igualmente contempladas, como
por exemplo a fala (tive acesso apenas em áudio, que escutei três vezes) da
jovem teóloga salvadorenha Mercedes Amador e o texto do teólogo mexicano Eleazar
López Hernández, refletindo sobre o denso aporte da teologia índia.
Geraldina Céspedes - Ainda na primeira
noite, após a abertura do Congresso, foi anunciada a conferência da teóloga
Geraldina Céspedes, religiosa dominicana, nascida na República Dominica e
atualmente missionando na Guatemala. Uma jovem teóloga da terceira geração da
TdL. Eis os pontos de sua fala que mais me tocaram:
- grato reconhecimento do legado dos teólogos
da primeira geração, fazendo-o com humildade, gratidão, alegria e, ao mesmo
tempo, com liberdade e autonomia, dizendo-se disposta também a ensaiar uma
“mirada para el futuro”;
- ensaia seu olhar para o futuro, a partir dos
“de baixo”, em meio a quem vive, como missionária dominicana, num bairro pobre
da Guatemala: “aonde ninguém quer ir”, dada a situação de militarização e de
vilência aí presente; mas é também aí que a gente encontra uma gente alegre,
bem-humorada, solidária;
- em nossa experiência, podemos encontrar dois
tipos de espiritualidade: uma que reforça os valores do Mercado e outra que
resiste aos mesmos;
- é preciso que tomemos o exemplo da
criatividade das mulheres tecelãs, seu jeito de trabalhar distintos fios de suas
histórias e de sua beleza, tecendo-os para transformá-los em algo
distinto;
- a religião
de mercado constitui um desfio para a nossa espiritualidade libertadora, à
medida que o Mercado tudo transforma em mercadoria:o todo cambia en
mercancia.
- A
diversidade constitui outro fio a tecer. em nossa vivência: se somos uma aldeia
global, também somos uma plural;
- A TdL deve
ser instância crítica, no sentido libertador, de modo a favorecer o diálogo da
diversidade, da autocrítica, o que nos deve levar à revisão, à autocrítica, pois
também introjetamos valores colonialistas.
- o fazer teologia requer a capacidade de
transgredir/transcender (termos que têm etimologia similar), de se desprogramar,
de se desdomesticar, com liberdade: “salir de esta domesticación en la que
muchas veces se convierten nuestras teologías”;
- para tanto, importa que empreendamos uma
“desprogramação”, uma transgressão, que tem a mesma raiz de transcendência, no
sentido de sermos capazes de ousar coisas novas, não seguir só o que está
dado;
- empenhar-nos, com liberdade, por uma teologia
e por uma pastoral que nos libertem, sem o que podemos transformar-nos naqueles
passarinhos enjaulados, e a Bíblia nos dá muito embasamento nessa direção, a
partir da pedagogia do samaritano;
- Geraldina propõe um fazer teológico que se
inspire em três valores fundamentais: a ludicidade, a criatividade e a
liberdade;
- fazer teologia com ludicidade, com
gratuidade: diferentemente do espírito do Mercado, em que tudo se
vende;
- fazer teologia como uma prática gozoza, na
perspectiva da busca da felicidade, do bom viver entre as pessoas e com o Cosmo.
Não raro, nós, teólogos e teólogas, com nosso discurso formal, ao modo de um
falar “ex cathedra”, somos pessoas muito sisudas. Exercitar a ludicidade no
fazer teológico pode ajudar-nos a combater nossas intolerâncias, a pretensão “à”
verdade; essa mesma chave da ludicidade do fazer teológico ajuda-nos a exercer o
nosso ofício com humildade, com simplicidade, com mais consciência da
provisoriedade, de que nos dão exemplo as crianças quando brincam;
- propõe, como síntese, quanto à diversidade
dos novos sujeitos, capazes de tecer uma história nova, três qiestões para
dialogar, em busca de um fazer teológico mais significativo: levar em conta a
biografia dos sujeitos, os corpos dos sujeitos; o tema do poder dos
sujeitos;
- isto vai implicar um diálogo
intergeracional, um diálogo intercultural, um diálogo de gênero, um diálogo
ecológico, de modo a perceber-nos como um fio da trama da vida;
- outro fio destacado foi o da comunicação
simbolizada sobremaneira pelos nava mídia alternativa, que emerge como um novo
areópago, em nossos dias;- - reitera sua expectativa de que este Congresso seja,
não um evento, mas um momento forte de um processo de uma caminhada pastoral e
teológica capaz de responder aos novos desafios, por meio do nosso empenho em
“vincular-nos”, em fazer comunidade, em não nos isolarmos nem fugirmos ddos
desafios, mas tornando nossa a escolha de Maria ao visitar Isabel:
vinculou-se!
Victor Codina – Partindo do tema que lhe
foi proposto, o de refletir a caminhada da Igreja latino-americano, nesses
cinquenta anos pós-Vaticano II, de modo a destacar, sobretudo as pendências,
tratou Codina de ser reconhecidamente didático, claro, crítico, propositivo.
Situou as condições históricas sócio-eclesiais que desembocaram no Concílio
Vaticano II, aí tendo destacado a singularidade do Papa João XXIII, bem como
vários textos do Concílio Vaticano II.
Partindo didaticamente da definição do conceito
de “recepção”, passa, então, a sublinhar a forma criativa como o legado do
Concílio Vaticano II recebido, na Igreja latino-americana, nas comunidades
cristãs de base. Diferentemente do que se ouve dizer sobre uma pretensa
“implementação” do Concílio Vaticano II na América Latina, o que, de fato, se
deu foi uma recepção crítica, contextualizada e criativa do legado do Vaticano
II.
É sob tal impulso que se dará a Conferência de
Medellín, em 1968, quando se celebra o compromisso com a causa dos pobres, a
“opção pelos pobres”, que muito deve ao método Ver-Julgar-Agir, inspirador da
Ação Católica especializada. Nesse denso esforço de recepção criativa do legado
do Concílio, as igrejas locais cumpriram importante papel, ao exercitarem sua
condição de sujeitos dispostos ao diálogo, com autonomia e com abertura, sempre
a partir do aprofundamento de seu contexto histórico concreto: o de um
continente marcado pela pobreza, pela miséria, pela marginalização de enormes
parcelas do seu povo. O grande diferencial que aí se deu, tem a ver com um
cenário de martírio qua aí se agudizaria, para o que muito contribuiu o
aprofundamento da Sagrada Escritura, quando dela se apropria o povo do pobres,
fazendo uma leitura orante, contextualizada e comprometida da Sagrada Escritura.
Altamente relevante a perspectiva da qual se parte, desde então, para se fazer
Teologia da Libertação. Leitura orante, criticamente atenta aos sinais dos
tempos, solícita aos apelos do Espirito, aberta às demandas e aspirações dos
novos sujeitos emergentes.
Cordina foi dos mais enfáticos, ao chamar a
atenção para a relevância e oportunidade de se trabalhar melhor uma
Pneumatologia, dando assim seguimento ao enorme esforço de alguns teólogos,
inclusive José Cmblin, nessa direção.
Perguntado sobre a eventual oportunidade da
convocação de um novo concílio, sinalizou, antes, para sua preferência, antes,
por um Jerusalém II, com a participação do conjunto das igrejas
cristãs.
Em breve, Codina mostrou-se bastante
convincente em sua análise, sempre a fazê-lo com notável discernimento e,
sobretudo, trazendo questionamentos heurísticos como desafios e tarefas ao
alcance da Teologia da Libertação, nas próximas décadas, sobretudo por meio da
nova geração de teólogoa e teólogas.
Sebastião Armando Soares - De sua fala
prefiro recolher em pequenos tópicos, como parecia dar a entender, em sua
concisa e densa intervenção.
- Comunhão de igrejas locais, com autonomia e
abertas à unidade com as demais igrejas espelhadas pelo mundo, inclusive a que
goza de uma posição de fraterna de;
- Respeito ao “sensus fidelium” como princípio
de toda elalbração doutrinal da Comunhão Anglicana. Isto implica incessante
empenho na construção do consenso em meio a situações de conflitos;
- a inclusividade: atitude de acolhimento das
pessoas em suas situações específicas concretas, em sua vasta
diversidade;
- tentativa de combinar episcopado e o conjunto
dos fiéis nas tomadas de decisão;
- exercício do espírito sinodal (bispos, clero,
leigos e leigas)
- autonomia das igrejas locais e
interdependência em relação à Igreja Mundial;
- Inculturação;
- Cinco marcas de eclesialidade:
* o anúncio do Evangelho
como fonte de conversão;
* A “koinonía” –
convivência, comunidade fundada na convivência;
* formação para a
convivência;
* formação pelos
sacramentos;
* formação para uma
Igreja que sirva para três coisas:
+ servir aos mais
necessitados;
+ servir para ajudar a
transformar as estruturas injustas;
+ servir para cuidar dos bens da criação, o que
implica o cuidado da Terra como sujeito de dignidade e de direitos.
3. Pontos das conferências que recolho com mais
entusiasmo e esperança
- A recepção criativa do Concílio Vaticano
II na América Latina e no Caribe – Chama a atenção a força criativa
com que foi acolhida a mensagem do Vaticano II, em nosso continente. Aqui se
preferiu investir bem mais no espírito do Vaticano II (refontização, Povo de
Deus, “aggiornamento”, ecumenismo, diálogo inter-religioso, colegialidade,
justiça social, direitos humanos...) do que restringir-se à letra. É dessa
releitura do apreço do Concílio justiça e pela paz, por ex., em Gaudium et
Spes , ou a partir do n. 8 de Lumen Gentium, que se vai, na América
Latina, desembocar na opção pelos pobres (sobretudo em Medellín e Puebla). O
apelo à refontização, por sua vez, vai dar ensejo a toda uma belíssima caminhada
de aprofundamento da familiaridade com a Sagrada Escritura, especialmente por
meio da leitura orante da Bíblia, tão apreciada e tão vivenciada nos círculos
bíblicos. Não foram à-toa as frequentes referências a Carlos Mesters, nesse
sentido. Em breve, um exemplo bastante ilustrativo dessa recepção criativa
pod-se observar na própriam Mensagem final do Congresso Continental de Teología,
ao refereir-se ao bom Papa João, em sua conhecida expressão de Igrema como “mãe
e mestra”, os e as participantes lembram que a comunidade eclesial caminha nesse
rumo, à medida que, primeiro, vá se tornando “filha e discípula” do Seguimento
de Jesus.
- A força da memória histórica do legado dos
teólogos da primeira geração – E aqui, me vinha à lembrança, em conversas
com Comblin, do enorme esforço que representou – para ele e para os demais
colegas teólogos – dar conta da enciclopédica coletânea “Teologia e Libertação”,
que visava a desenvolver os diferentes temas refletidos pela Teologia da
Libertação. Projeto que, como lembrava Codina, implicava dezenas de obras (em
torno de cinquenta), contando com uns quarenta teólogos, atuando em dupla, em
grande parte. Dessa coletânea, apoiada por dezenas de bispos latino-americanos,
José Comblin contribuiu com umas três, na área da Pneumatologia, no campo da
Antropologia Cristã e no domínio da realidade social (sobre o Neoliberalismo,
analisado sob a ótica cristã).
- A coragem profética do exercício do
dissenso, na fidelidade à causa dos pobres – Mesmo durante o Concílio, a
unidade desejada não se tornou uniformidade. Aí se observava a coexistência de
posições, não apenas distintas, mas também por vezes antagônicas. Dentre as
correntes ali presentes, como não lembrar a que foi protagonizada por algumas
dezenas de bispos comprometidos com a causa dos pobres, como se mostrou tão bem
no “Pacto das Catacumbas”, bem evocado por Jon Sobrino, durante esse Congreso
Continental de Teología? Também aqui, a par de grandes espaços de entusiasmo e
afinidades, fez-se presente o dissenso, principalmente entre representantes da
nova geração de teólogos e teólogas, a clamarem por espaços mais amplos de
interlocução, da qual participem mais ativamente distintos sujeitos emergentes,
expressando correntes novas afins da TdL, tais como as/os jovens teólogos e
teólogas, a teologia indígena, a teologia negra, a teologia que trabalha a
diversidade humana, também no campo da homoafetividade, entre outras. Há de se
trilhar aqui, quem sabe, veredas semelhantes às já percorridas no domínio da
Ecoteologia, que ainda pode avançar consideravelmente, sobretudo no ítem
acolhimento criativo.
4. Um questionamento
con/provocativo
É de se saudar e acolher, com firmeza, o
esforço prospectivo externado em algumas falas, tanto de teólogos da primeira
geração (a exemplo do próprio Gutiérrez, a instigar os teólogos e teólogas da
nova geração a seguirem estrada, com o desejável rigor teórico-metodológico (O o
próprio Codina também acena nessa direção). Nesse sentido, é que encerro essas
linhas com um questionamento marcado pela esperança:
Que atitudes e iniciativas concretas podemos
esperar daquelas e daqueles teólogos (da primeira e das novas gerações) quanto
ao esforço também combliniano (como o reconheceu e sublinhou Victor Codina) na
perspectiva de se seguir aprofundando e ampliando as pesquisas no campo da
Pneumatologia, sob a perspectiva da TdL?
Aqui importa registrar que a essas trilhas José
Comblin dedicou mais de três décadas de trabalhos, culminando com uma meia dúzia
de densos textos (seu livro-esboço O Espírito no Mundo data, como se
sabe, de 1978!), de modo tal que seu livro póstumo (que está sendo lançado
nesses dias) também é dedicado a essa mesma inquietação.
João Pessoa, 20 de outubro
de 2012.
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