segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Walter Kasper, Eclesiologia hoje


No entanto, para nós, foi uma surpresa absoluta que o Papa João XXIII, no dia 25 de janeiro de 1959, anunciasse que queria convocar um Concílio. Ninguém esperava. Mas nunca percebemos o Concílio como uma ruptura. Para nós, ele foi, ao contrário, a implementação de aspirações não ditas, que já estavam há muito tempo nos nossos corações. Propagou-se uma onda de entusiasmo, como os jovens hoje não podem nem sequer imaginar e que não poderiam mais reviver.

A experiência do Concílio me deu uma marca permanente. O Concílio se tornou para mim ponto de referência fixo da minha teologia. Posteriormente, algumas expectativas de então podem ser julgadas como ingênuas. No entanto, ainda hoje considero os documentos conciliares como uma bússola segura para o caminho da Igreja no século XXI e no ainda jovem terceiro milênio. Espero que o 50º aniversário da abertura do Concílio, que celebramos este ano, torne novamente presente e fecundas as riquezas dos 16 documentos conciliares.

Muitas vezes fala-se de uma crise da Igreja depois do Concílio. Sim, ela existe principalmente na Europa Ocidental. Mas nem tudo o que aconteceu depois do Concílio ocorreu por causa do Concílio. Ao invés, só aprofundando o conhecimento e a compreensão do Concílio e realizando melhor as suas intenções profundas, se lermos e compreendermos os textos conciliares em uma hermenêutica não de ruptura, mas sim de uma continuidade viva e inovadora, seremos capazes de superar as dificuldades atuais.

Eu viajei para muitas partes do mundo, conheci as jovens Igrejas da África, da América Latina e da Ásia, fiquei impressionado com a sua vitalidade, mas também fui confrontado com muitas situações de pobreza, miséria e perseguição. Os problemas da nossa casa, em comparação, pareciam modestos.

Eu também experimentei do que eram capazes de fazer as freiras católicas e os voluntários das organizações humanitárias. Foi uma experiência grandiosa pertencer a essa Igreja de tantas formas, mas que é uma só, universal; uma Igreja que é uma luz de esperança para inúmeras pessoas e em que em toda a parte estamos em casa, em um mundo que, por outro lado, está tão dilacerado.

Ainda hoje, a Igreja é, apesar de todas as suas divisões, o maior movimento pela paz que existe no mundo, é um sinal de esperança para inúmeras pessoas em todo o mundo

Da ortodoxia, eu só sabia o que se aprende nos livros escolares. Desde o início, ficou-me claro que não podemos nos ocupar do ecumenismo a partir da escrivaninha e que nem os documentos por si só são suficientes. Em vez disso, trata-se de construir relações ou, melhor, confiança e amizade com os outros cristãos. Isso me levou, novamente, a fazer muitas viagens ao redor do mundo e a viver muitas experiências comoventes. Eu conheci a Igreja universal e a cristandade mundial na sua variedade de cores. As Igrejas orientais pré-calcedonianas, ortodoxas e católicas, a Igreja Católica latina, as Igrejas protestantes tradicionais, as Igrejas livres e as novas comunidades carismáticas e pentecostais, as Igrejas do hemisfério Norte e do Sul. À primeira vista, tudo isso parece ser muito desorientador; a um segundo olhar, enriquece; por fim, contudo, é doloroso fazer uma experiência concreta da dilaceração do único corpo de Cristo.

O conteúdo da fé é uma história concreta, a história de Deus com as pessoas, que começa com Abraão, Moisés, os profetas e que se cumpre em Jesus Cristo

Filho de Deus, e, portanto, a alguém que testemunhou Deus como Pai misericordioso, precisamente na própria morte e na própria ressurreição. Mas Jesus Cristo não só viveu há 2.000 anos na Palestina, para depois ir embora. Ele está presente permanentemente, através do seu Espírito Santo, na história da Igreja, no seu anúncio, nos seus sacramentos e em toda a sua vida, especialmente a dos santos.

Se, portanto, quisermos conhecer e compreender a fé, então devemos estudar essa história. Certamente, os dogmas são importantes. Mas não caíram do céu. Eles são, ao contrário, na história, por assim dizer, o sedimento, a expressão da experiência de fé e da proclamação da fé por parte da Igreja. Se quisermos compreendê-los, devemos compreender como eles se formaram e, ao mesmo tempo, é preciso traduzi-los na história de hoje, nos problemas e nos horizontes de hoje. Nesse sentido, fala-se de uma tradição viva, que não é só um conteúdo fixo, mas também um processo de tradição ativa. Isso não tem nada a ver com o relativismo, mas, ao contrário, quer dizer e mostrar que, nessa tradição se expressa algo duradouramente válido, duradouramente importante e duradouramente meritório de reflexão. A tarefa da teologia é dar desse tesouro o que é duradouramente válido, torná-lo frutífera para hoje e, assim, transmiti-lo vivo para o futuro

O  Concílio Vaticano II: queria um certo aggiornamento, mas não uma atualização que fosse uma adaptação para os dias de hoje. Ao invés, ele queria, uma ressourcement, um retorno às fontes para nelas obter água fresca e refrescante. O Concílio encaminhou uma Igreja renovada, que está em linha de continuidade com a tradição até agora, mas uma continuidade viva, inovadora. A sua mensagem é a mesma em todos os séculos, que nunca é velha. Ao invés, é sempre jovem e sempre nova, porque Jesus Cristo é a novidade que nunca se desgasta, é a novidade eterna, jovem.   Igreja não se encontra em dificuldades só hoje, mas se encontrou em dificuldades, por assim dizer, desde o início e que já superou muitas crises, das quais saiu, normalmente, reforçada. Toda a História da Igreja é uma história de crise

Tríplice desafio eclesiológico.
1. Há dificuldades e crises concretas, diferentes de acordo com os países. Por exemplo, nos últimos anos, os terríveis escândalos de abusos em diversas países, inclusive no meu país. Custaram muito à Igreja, em confiança, e lesaram gravemente o seu prestígio. Devemos nos perguntar, portanto: o que deu errado? E o que se deve fazer, como processo de cura, para ajudar as vítimas? A Igreja deve ser ecclesia semper purificanda et renovanda: Igreja que precisa continuamente de purificação e renovação (Lumen gentium 8). A eclesiologia, não deve defender tudo da Igreja. Também deve indicar formas de renovação nas pegadas do Concílio.

2. A Igreja, para nós, na Europa, encontra-se atualmente em uma difícil fase histórica de transição. As premissas culturais e sociais do milieu católico e da Igreja que determinava os parâmetros que valiam para a vida pública, já tiveram fim. Estamos numa situação de pluralidade social secularizada. Estamos em uma situação de diáspora. Os cristãos convictos e praticantes não são mais a maioria. O Papa Bento XVI falou de minoria qualitativa, desperta e criativa.

Arnold J. Toynbee disse que nos períodos de maior crise e de revolução da história da humanidade, sempre foram minorias, despertas e criativas, que encontraram uma saída e uma solução, que depois também pôde ser seguida pela maioria. Essa nova situação nos coloca desafios eclesiológicoa: o que é uma Igreja local? O que é uma comunidade local (paróquia)? Como ela se parecerá no futuro e como será a relação entre Igreja universal e local?

3. O mais profundo desafio é a questão de Deus. Muitos, na nossa sociedade, vivem como se Deus não existisse e pensam, assim, que podem viver muito bem. Há também os que se definem como agnósticos, mas são, por assim dizer, agnósticos devotos que interiormente estão em busca, são em certo sentido peregrinos, e se encontram no átrio dos gentios. Eles não se interessam pelas questões estruturais internas à Igreja, como as do celibato, da ordenação de mulheres e similares.

A eclesiologia não pode ser apenas hierarcologia, ela deve ser colocada na perspectiva da escatologia, no horizonte da mensagem do reino vindouro de Deus e da esperança que ele nos dá. O próprio Jesus falou explicitamente do reino de Deus; a Igreja é o seu sinal e instrumento. Dito teologicamente: a Igreja é sacramento, isto é, sinal que já torna presente e instrumento do reino incipiente de Deus, reino de verdade, de justiça, de santidade e de felicidade.

Os Padres da Igreja tinham uma bela imagem para expressar essa ideia. Eles diziam que a Igreja é como a lua: não brilha com luz própria, mas somente com a luz que recebe do sol. A Igreja também não tem um esplendor próprio, mas apenas o que cai sobre ela de Deus e de Jesus Cristo. Ela não é importante em si mesma, mas é importante como sinal e instrumento de Deus e de Jesus Cristo na história da humanidade e do mundo. As duas primeiras palavras da Constituição Dogmática sobre a Igreja do Concílio Vaticano II são Lumen Gentium (Luz das Nações), mas depois não se continua com "a luz das nações é a Igreja", mas sim com "Lumen gentium quod est Christus" (luz dos gentios, que é Cristo).

Diz-se que a Igreja é somente um sacramento, isto é, sinal e instrumento de unidade com Deus e da unidade dos seres humanos. A Igreja está no seguimento de Cristo, testemunho de Deus servidor para os outros. Ela existe ouvindo a Palavra de Deus e pronunciando-a e dando a sua vida por todos.

3. Redescobrir a Igreja

Movendo-nos a partir dessa visão teológica da Igreja, devemos redescobri-la. É como uma árvore, que só pode resistir à tempestade se tiver raízes profundas. Portanto, devemos nos interrogar: Igreja, quem tu és? O que tu dizes sobre ti mesma? Hoje, o grande risco é o achatamento da compreensão da Igreja. Esse perigo não vem só de fora, mas muitas vezes da própria Igreja. É o risco da auto-secularização da Igreja, que se envolve em muitas coisas, certamente importantes, com grande zelo, mas às vezes se esquece da sua missão fundamental.

 O primeiro capítulo da Constituição sobre a Igreja do Concílio Vaticano II inicia, com razão, com um capítulo sobre o mistério da Igreja. Ela, portanto, não é, primeiramente, uma entidade social. Certamente, deve se comprometer com a caritas, com a justiça social, com o desenvolvimento e com a paz no mundo, e também o faz. Mas as suas raízes se espalham mais profundamente. Em última análise, ela está fundamentada no desígnio eterno de salvação, assumido por Deus antes de todos os tempos, para trazer novamente para casa a humanidade inteira e toda a realidade por meio de Jesus Cristo, no Espírito Santo. Recapitular e conduzir novamente para Cristo, única cabeça, todas as coisas (Ef 1, 10). Com a Igreja, Deus deu um início. Ela é, por assim dizer, a vanguarda do reino de Deus

As quatro grandes Constituições do Concílio Vaticano II indicam essa natureza, cada uma de um modo diferente. A Constituição sobre a Igreja [4]: A Igreja é o povo de Deus e o Corpo de Cristo, ela fará resplandecer a luz de Cristo no mundo, por meio da sua própria palavra e dos sacramentos e de toda a sua própria vida.

A Constituição sobre a Revelação [5] acrescenta: por isso, a Igreja deve escutar a Palavra de Deus, ela é, portanto, essencialmente, Igreja que escuta: assim, no entanto, também deve testemunhar a Palavra com energia e coragem. Deve dar orientação e ser uma lâmpada que dá luz na escuridão.

A Constituição sobre a Liturgia [6] afirma que, na liturgia, particularmente na celebração eucarística, o reino vindouro de Deus se faz presente, já agora, sob sinais sacramentais, como força e alimento no caminho da vida e da história. A Igreja é Ecclesia de Eucharistia (João Paulo II, 2003): Igreja que vive da Eucaristia.

Por fim, a Constituição pastoral [7] afirma que as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias das pessoas de hoje são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. A Igreja, portanto, deve ser solidária com as desventuras e as alegrias das pessoas. Ela deve ser Igreja no mundo e para o mundo.

Nesse âmbito, gostaria de ir ao essencial e redescobrir o mistério profundo da Igreja: e assim também mostrar a beleza da Igreja como a Esposa de Cristo, apesar das suas manchas e rugas (Ef 5, 27). A Igreja, diziam os Padres da Igreja citando o Cântico dos Cânticos, é negra, mas bonita. Porém, as únicas reformas exteriores não ajudam a avançar. É como uma casa que deve ser reparada: não basta preencher as fissuras e renovar a pintura; é preciso, em primeiro lugar, assegurar os fundamentos. Assim é também para a Igreja: os meros reparos cosméticos não resolvem. É preciso uma renovação que venha da fé e uma renovação espiritual. Então, como a Igreja é uma realidade encarnatória, ou seja, uma realidade complexa de uma dimensão divina e uma dimensão humana (LG 8), tal renovação pode e deve conduzir também a reformas concretas. As duas coisas se integram. Eu gostaria de tratar, a partir desse ponto, ao menos de uma questão de reforma concreta.

4. Renovação da forma de communio da Igreja

Nas questões de reforma institucional, a abordagem deve ser feita a partir do lado da compreensão da Igreja como communio. Essa é a Leitidee, a ideia principal e diretriz da Igreja no Concílio Vaticano II. Mas o que se entende por communio? “Communio” não significa, simplesmente, comunhão, que se fundamenta na derivação e proveniência comum, ou que se origina por simpatia e interesses comuns e por meio da união e da fusão entre nós. Communio indica, no sentido do Novo Testamento, originalmente participação (participatio); mais exatamente, participação na realidade salvífica de Jesus Cristo, na vida e no Espírito de Jesus Cristo; em última análise, participação na communio trinitária, portanto, na vida trinitária de Deus.

Em tal acepção, a Igreja é entendida pelo Concílio no sentido dos Padres da Igreja como imagem, por assim dizer ícone da Trindade. Assim como nós adoramos um único Deus em três Pessoas, assim também a Igreja, como communio, é uma única unidade na variedade (Lumen gentium 4; Unitatis Redintegratio 3). A communio é fundada mediante o Batismo e a Eucaristia. Mediante o único Batismo, participamos do corpo de Cristo (Gal 3, 28, 1Cor 12, 13). Sobre Eucaristia, Paulo diz: "E como há um único pão, nós somos um só corpo" (1Cor 10, 16ss). Communio é, portanto, um conceito teológico e não sociológico.

Se entendermos a Igreja em sentido escritural, patrístico e conciliar, como a communio fundada por meio do Batismo e da Eucaristia, então toda renovação deve principiar com o Batismo e com a Eucaristia. Renovação do Batismo significa, acima de tudo, renovação da catequese para os sacramentos iniciação, o Batismo (juntamente com a Crisma) e a Eucaristia. Ela era o segredo do sucesso da Igreja antiga e o é também hoje na Igreja em missão. Entre nós, pelo fato de que muitos cristãos são batizados sem saber o que significa ser cristão, há atualmente um difundido analfabetismo cristão, que leva a um cristianismo certificado apenas no papel de um certificado de Batismo. Muitos se dizem cristãos, mas vivem como todos os gentios modernos. A renovação da catequese para os sacramentos de iniciação para as crianças e para os jovens, mas também para os adultos, é como o alfa e o ômega da renovação eclesial e é de primeira importância para o Ano da Fé que nos espera. Devo dizer que em Roma conheci algumas paróquias que, nesse aspecto, dão um notável exemplo e o fazem com grande sucesso.

Acrescenta-se a isso que a communio requer um estilo comunicativo na Igreja, isto é, um estilo dialógico e fraterno, que se distinga tanto daquele estilo vetusto, feudal, quanto daquele estilo novo, aparentemente moderno, burocrático. Tal forma de communio da Igreja não comporta a democratização da Igreja. A democracia tem o seu lugar legítimo no âmbito político. A Igreja não é um povo qualquer: ela é o povo de Deus, é uma realidade de gênero próprio. Trata-se, portanto, da realização da realidade do povo de Deus, onde todos são filhos e filhas de Deus, irmãos e irmãs na mesma família de Deus. Na revelação, Deus fala aos seres humanos como a amigos e se entretém com eles (DV 2). Daí, a vida da Igreja também deveria ser caracterizada por um estilo comunicativo, participativo e dialógico de fraternidade, amizade e confiança e por uma cultura do diálogo disposta à escuta e à aprendizagem.

"Diálogo" é uma palavra-chave do último Concílio, que se encontra nos documentos cerca de 30 vezes, em diversos contextos. Paulo VI escreveu a propósito uma encíclica sua, a Ecclesiam suam (1964), e João Paulo II abordou-a em profundas reflexões antropológicas: diálogo não só como partilha de ideias, mas também de dons (Ut unum sint, 1995, n. 28). Por isso, devemos nos admirar pelo fato de que, recentemente, alguns levantaram suspeitas sobre a pura palavra "diálogo", banindo-a do uso linguístico eclesial, quase querendo-a tornar objeto de um anátema.

Devemos simplesmente saber o que se entende por diálogo. Diálogo não significa conversa informal, nem mesa redonda, nem disputa acadêmica, nem manifestação informativa, nem negociação política, nem procedimento quase parlamentar. No diálogo, não compartilhamos algo com o outro, mas compartilhamos com ele a nós mesmos ou, melhor, compartilhamos a nós mesmos. O diálogo, entendido teologicamente, significa dar-se um recíproco testemunho, cada um, da própria fé e, desse modo, participar da riqueza do outro, deixar-se enriquecer, mas depois compreender ainda melhor e mais profundamente a própria fé. Por isso, no diálogo, não nos encontramos no nível do mínimo denominador comum. O diálogo não tem nada a ver nem com o relativismo, nem com o sincretismo. Ao contrário; através do diálogo, somos introduzidos mais profundamente na verdade e, mediante isso, somos enriquecidos, especialmente no diálogo ecumênico, na nossa compreensão da verdade.

Se, nesse sentido, queremos traduzir na prática a realidade da communio da Igreja na realidade concreta, então disso faz parte a comunicação, e isso quer dizer dar nova vida e reforçar as instituições sinodais na Igreja, tanto em nível local quanto universal. Tal renovação não é algo a ser fazer ex novo. A Igreja, a partir do concílio dos Apóstolos, tem uma tradição sinodal, cuja redescoberta poderia dar à Igreja um rosto jovem, fresco e uma forma renovada.

O ideal me parece estar descrito na Regra de São Bento. Para São Bento, o abade tem um lugar importante na comunidade monástica; por assim dizer, ele representa Jesus Cristo. Mas, no caso de decisões importantes, diz Bento, ele deve ouvir o conselho dos coirmãos e deve ouvir também o mais jovem, porque o Espírito Santo também pode falar através dele. Depois de ter se consultado, continua Bento, o abade deve refletir sobre tudo, rezar por isso e depois deve decidir, isto é, ele não é o executor de nenhum voto democrático; decide livremente, mas decide com base em uma consulta. Autoridade e fraternidade, portanto, se integram e se condicionam mutuamente. Na Igreja, deve haver auctoritas, na acepção original da palavra, de augere, crescer. Autoridade que não oprime a vida, mas que fundamenta a vida, multiplica a vida, faz crescer a vida e promove a vida.

Tal conjunto comunicativo de ministério e comunidade ou, melhor, de Igreja deveria existir em todos os níveis da vida eclesial, paroquial, diocesana, universal. Em nível da Igreja universal, a Igreja precisa, por amor à unidade na variedade, em um mundo cada vez mais globalizado, mas interiormente dilacerado, de um centro forte. Precisamos de Pedro, que, com a sua profissão de fé em Cristo, é a rocha sobre a qual foi fundada a Igreja (Mt 16, 18) e que deve fortalecer os seus irmãos (cf. Lc 22, 32). Precisamente em tempos difíceis como os nossos, vale a pena reunir-nos em torno de Pedro. Da mesma forma, a Igreja precisa reforçar a estrutura colegial/sinodal. As duas coisas não estão em contradição. A integração, desejada pelo Concílio Vaticano II, dos dois pontos de vista poderia, ao invés, contribuir para reforçar a unidade interna e para superar um certo afeto antirromano, que infelizmente ainda está presente.

Ao diálogo
voltado para dentro, corresponde o diálogo voltado para fora: o diálogo com o povo de Deus da Antiga Aliança; o diálogo ecumênico e o diálogo com as outras religiões; o diálogo com a cultura de hoje e com todos os seres humanos de boa vontade. Com esses diálogos, o Concílio indicou o caminho no futuro: de uma Igreja que se entende como uma rocha e fortaleza fechada a uma Igreja comunicativa e aberta ao diálogo. Diálogo não significa renunciar à própria identidade; significa, ao invés, crescer na própria identidade. Porque, para a identidade cristã, no seguimento de Jesus, é essencial o ser para os outros e com os outros. Isso exclui tanto a adaptação quanto uma mentalidade ansiosa, que se isola para cultivar o próprio território circunscrito.

Disso faz parte, particularmente na nossa situação, o diálogo ecumênico. É tarefa dada por Jesus e é impulso e obra do Espírito Santo. A decisão a propósito, portanto, é irreversível e irrevogável; é um canteiro de obras importante da Igreja do futuro. Alcançamos muito e já podemos colher frutos. Mas ainda há questões sérias diante de nós. Ainda não chegamos à meta. Não é só a questão do ministério, mas a questão do ministério em relação com a da Igreja. Pois – algo que nenhum especialista contestará – assim como nós temos com os protestantes uma concepção diferente da Igreja, nós também temos uma concepção diferente da unidade da Igreja. Aqui tocamos as dificuldades fundamentais do diálogo ecumênico hoje. Apesar dessas dificuldades, também devemos fazer juntos o que podemos já hoje, na verdade e no amor.

Obviamente, o diálogo inter-religioso também é um mandamento desta época. É a alternativa à violência e ao choque de culturas, etnias e religiões. Mediante tal diálogo na verdade e no amor, a Igreja, como povo escatológico de Deus, pode ser, em meio aos conflitos do nosso mundo, exemplo e instrumento da paz (shalom) escatológica.

5. Conclusão: alegria nova para a Igreja

Com os diálogos voltados para dentro e para fora, o Concílio Vaticano II iniciou desenvolvimentos que não podemos programar. O Concílio indicou a direção para uma nova época. Isso nos deu uma luz para o caminho que não é um farol capaz de iluminar uma pista inteira que leva ao futuro; ele pôs em nossas mãos uma
lanterna que, como toda lanterna, faz luz apenas na medida em que avançamos. Fornece luz para cada passo individual, que deve e pode seguir o passo seguinte. Por isso, um programa detalhado para o futuro não é possível. O futuro está nas mãos de Deus.

O Papa João XXIII, ao convocar e abrir o Concílio Vaticano II, falou de um renovado Pentecostes. Se estamos convencidos de que, em última análise, só o Espírito do Pentecostes pode dar a renovação, então devemos, acima de tudo, fazer o que os primeiros discípulos e discípulas fizeram antes de Pentecostes. Naquele tempo, os discípulos e as mulheres que tinham acompanhado Jesus se reuniram com Maria, mãe de Jesus, assíduos e concordes na oração (At 1, 12-14). Hoje também o futuro da Igreja está determinado, em primeira linha, por aqueles que rezam, e a Igreja do futuro será, acima de tudo, uma Igreja de pessoas que rezam.

O Espírito pode vir, como no primeiro Pentecostes, na tempestade e com o fogo (Atos 2, 2ss): com a tempestade que varre algumas coisas e com o fogo que queima coisas que, hoje, ainda nos parecem importantes. O Espírito, no entanto, também pode, como no caso do profeta Elias, vir na brisa suave do vento (1Reis 19, 12ss), pode purificar e transformar a nós e ao mundo, com o seu ardor, a partir de dentro. Pode nos tornar novamente conscientes de que a alegria para Deus é a nossa força (Neemias 8, 10).

Se nós, movendo-nos a partir dessa alegria, como povo de Deus, regozijamo-nos na Igreja, a Igreja também viverá amanhã e terá futuro depois de amanhã. Então, ela se tornará esplendor que preanuncia o reino vindouro de Deus e atrairá pessoas que buscam e interpelam, jovens e velhos, e será novamente, para muito, pátria espiritual. O fato de se lamentar não atrai ninguém; alegria, ao contrário, é contagiosa. A alegria de ser cristão convence. Se eu pude contribuir um pouco com essa alegria, ficarei muito feliz.

Notas:

1. KASPER, Walter. Gesù il Cristo. Bréscia: Queriniana, 1986.
2. KASPER, Walter. Il Dio di Gesù Cristo. Bréscia: Queriniana, 1984.
3. KASPER, Walter. Chiesa cattolica. Essenza – Realtà – Missione. Bréscia: Queriniana, 2012.
4. Lumen Gentium.
5. Dei Verbum.
6. Sacrosanctum Concilium.
7. Gaudium et Spes.

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