quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Zizola III


A noção de "sinais dos tempos", implicava a mudança do estatuto cognitivo vigente na teologia e no magistério, para os quais, por muito tempo, o mundo era tratado quase somente como destinatário de mensagens de autoridade e de conversões, nem sempre livres, muito menos como sujeito do qual se podia receber, e não apenas ao qual se podia dar.

Era decisiva no Papa Roncalli a convicção de que a fé cristã não é somente um fato de convicção de fé, mas sobretudo de testemunho de amor, e mais, que a fé cristã não seria nada se não fosse sobretudo amor.

"A Igreja – dizia o papa – prefere hoje fazer uso do remédio da misericórdia em vez da severidade. Ela leva em consideração o fato de ir ao encontro das necessidades de hoje mostrando a validade da sua doutrina, em vez de que com a condenação". Dissociando-se dos "profetas da desgraça", João XXIII reafirmava a intencionalidade positiva do Concílio, ou seja, a recuperação do primado pastoral na Igreja, o diálogo com o ser humano moderno e as culturas contemporâneas, a contribuição da Igreja para a construção de uma nova ordem de relações humanas" e o processo de "unidade do gênero humano", um processo que ele considerava como positivo, apesar das contradições do século XX.

Fundamental nessa perspectiva foi a abertura da Igreja ao diálogo com os cristãos separados do Oriente e do Ocidente, com as religiões não cristãs, com os homens e as mulheres de boa vontade. Brotava daí o compromisso da Igreja com a promoção da paz mundial. O Papa João XXIII deu um exemplo disso imediatamente, com um apelo radiofônico nas horas dramáticas da crise dos mísseis soviéticos destinados a Cuba, um apelo graças ao qual os norte-americanos e soviéticos, já à beira da Terceira Guerra Mundial, foram postos sob as condições políticas para deliberar de parar antes do abismo e de retomar o diálogo.

A partir dessa experiência, o Papa João XXIII tomou a decisão de consagrar à questão da paz uma encíclica dirigida pela primeira vez a todos, e não só aos católicos, a Pacem in Terris..

Os conservadores eram culturalmente derrotados pelos novos paradigmas, e algumas frases na boca do cardeal Ottaviani, o seu líder, atestam uma resignação que também é, nos mais lúcidos, a descoberta de que a história é mais forte do que os manuais. Finalmente, eles se aproximaram de entender que a Igreja não poderia prosseguir o seu caminho evangelizador se se reduzisse a um instrumento de uma forma de cristianismo bloqueada no romanismo, na Contrarreforma e na rejeição do Iluminismo.

Mesmo sabendo que o Concílio havia subvertido os seus esquemas mentais, eles continuavam, porém, a combater com o desespero de uma batalha de retaguarda. Nem sempre os meios aos quais recorriam eram dignos da sua virtude intelectual e do seu heroísmo espiritual. O problema de método ocultava um problema político decisivo para aquilo que seria a concepção e a organização do pós-Concílio: se a tentativa de coagular o máximo consenso em torno dos núcleos qualificadores da reforma católica, sob a direção papal, não corresse o risco de oferecer um espaço ao partido tradicionalista a tal ponto de reduzir o porte de algumas conquistas e pré-constituir as condições de um minimalismo interpretativo e aplicativo, fonte de dilacerações mais graves.

Esse era o drama de Paulo VI, mas as cartas já publicadas parecem suficientes para confirmar que, diante do Concílio, ele reivindicava uma posição autônoma, com pactuações diplomáticas diante das chantagens da direita. Apesar  de tudo o Concilio foi além das expectativas.

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